Portugal continua a brincar com coisas que deveriam ser sérias mas que, ao que parece, não passam de anedotas de mau gosto, sobretudo porque querem fazer de nós matumbos. Quando fala da CPLP, o governo de Lisboa, este como os outros, deveria pensar no que diz… e calar-se.
Por Orlando Castro
A secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, Teresa Ribeiro, disse hoje que Portugal tem uma perspectiva de realizar este ano programas de cooperação com países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) na ordem dos 128 milhões de euros.
“Portugal tem procurado de uma forma consistente alavancar fundos de cooperação delegada para reforçar a sua capacidade financeira nos programas de cooperação nos PALOP (Países Africanos de Língua Portuguesa) e em Timor-Leste”, disse Teresa Ribeiro, que falava durante o seminário “A Cooperação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa no Quadro da União Europeia, que instrumentos”, realizado hoje na Assembleia da República portuguesa.
De acordo com a secretária de Estado, estão em causa “programas na área da formação profissional, na área da segurança alimentar, na área da governação económica, enfim, em muitas outras áreas, quer em Angola, quer em São Tomé e Príncipe, quer na Guiné-Bissau, quer em Cabo Verde”. Áreas não faltam no discurso. No terreno é que é uma chatice.
“Temos um programa de bolsas que vai ser proximamente lançado”, disse ainda Teresa Ribeiro, acrescentando que “neste programa de bolsas o que queremos é associar o sector o privado, não tanto pela contribuição financeira que possam trazer ao programa, assim aumentando a sua capacidade, mas sobretudo porque trazem ao programa a dimensão do mercado e facilitam a integração daqueles que serão bolseiros nos mercados quando acabarem a sua formação, colocando-os em conexão directa com o emprego de que poderão beneficiar-se no futuro”.
A secretária de Estado disse ainda que a Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento (SOFID), até Março, terá um novo plano estratégico.
A nossa ambição é que a SOFID, de facto, em Março tenha já o seu plano estratégico e que isso possa coincidir também com a sua articulação com o Fundo Europeu do Desenvolvimento Sustentável, que está neste momento em discussão no Parlamento, que estará operacional ainda este ano”, referiu ainda Teresa Ribeiro.
“Esperamos que a SOFID possa plenamente cumprir a sua missão enquanto banco de desenvolvimento, não apenas confinada aos fundos nacionais, mas ao contrário, capaz de captar outros fundos existentes nas (organizações) multilaterais, com outro volume financeiro importante para os grandes projectos”, acrescentou a secretária de Estado.
No mesmo seminário, segundo a Lusa, o director da cooperação da CPLP, Manuel Lapão, disse que o bloco lusófono deverá candidatar-se a uma auditoria, no âmbito da União Europeia, para que a organização lusófona possa gerir recursos em nome da União Europeia na execução de programas de cooperação nos países lusófonos.
A outra face da geringonça da CPLP
E então, que tal assumir (isso é que era bom!) que a entrada da Guiné Equatorial no bloco lusófono foi, é e será uma questão que envergonha a organização?
É, de facto, uma vergonha do tamanho da própria Lusofonia. Já não bastavam os problemas que a CPLP tem desde a nascença, pois não? E que tal olhar de forma séria para a Guiné-Bissau, que hoje é um “Estado-falhado”, um “narco-Estado”?
Não. Nada disso. A Guiné Equatorial é que é importante, mesmo sabendo-se que Teodoro Obiang é (a par do seu homólogo angolano, José Eduardo dos Santos) um dos governantes mais antigos à frente de um Governo em África, lugar que ocupou depois de um golpe de Estado contra o próprio tio, Francisco Macías, que foi posteriormente fuzilado.
Obiang e membros da sua família (nomeadamente o seu filho ‘Teodorin’ Obiang) – que têm uma das maiores fortunas em África segundo a revista Forbes – enfrentam processos em alguns países por corrupção, fraude e branqueamento de capitais, assim como o Presidente enfrenta acusações de violação dos direitos humanos.
ONU, CPLP, Portugal
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse confiar que a CPLP poderá desempenhar “um papel positivo” quanto à pena de morte, em relação à qual a Guiné Equatorial impôs uma moratória.
“A pena de morte está espalhada em todos os continentes ainda, infelizmente. Mas tenho confiança que a CPLP possa desempenhar um papel positivo neste domínio”, defendeu o responsável da Organização das Nações Unidas.
Sobre problemas de desrespeito de direitos humanos em países lusófonos, o secretário-geral da ONU considerou que “há passos significativos a dar em matéria de direitos humanos em todo o mundo” e lembrou que é uma das “questões essenciais da agenda das Nações Unidas”.
“Espero que a CPLP, como todas as organizações internacionais, tenha um papel muito importante no sentido de que os direitos humanos se transformem num ponto essencial da agenda internacional. Estou confiante que a CPLP, também aí, exercerá um papel muito importante”, defendeu.
Antes, Guterres sublinhou: “Temos de ir ao essencial. O essencial, para mim, 20 anos depois de ter sido co-fundador da CPLP, é uma profunda alegria estar como secretário-geral (na altura ainda não tinha tomado posse) das Nações Unidas numa reunião da CPLP e ver que está viva, empenhada numa agenda internacional que coincide com a agenda das Nações Unidas”.
E, pelos vistos e fazendo fé nas declarações de António Guterres, a Guiné Equatorial é o único problema – pequeno, certamente – da CPLP. Até porque, disse o secretário-geral da ONU – “o essencial” é – veja-se – que a CPLP está viva.
No dia 16 de Junho de 2010, quando Pedro Pires recebeu o seu homólogo da Guiné Equatorial, ficou a saber-se que o então presidente de Cabo Verde era cada vez mais apologista da entrada do reino de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo na Comunidade de Países de Língua(?) Portuguesa.
Na altura, os mais ingénuos estranharam que Pedro Pires tenha barrado os jornalistas quando estes, numa coisa a que se chama liberdade de imprensa, se aproximaram para chegar à fala com Teodoro Obiang.
Pedro Pires impediu as câmaras da televisão de filmarem a entrada para o veículo oficial que levou Obiang para a Assembleia Nacional, o que gerou manifestações de repúdio dos jornalistas, tal o ineditismo do gesto, que foi mostrado e comentado de forma crítica pela televisão local.
Obiang, que a “Forbes” já apresentou como o oitavo governante mais rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs Bank, dos EUA, tem sido acusado de manipular as eleições e de ser altamente corrupto. “Mas o que é que isso importa”, terá na altura perguntado Pedro Pires, tal como fizeram na altura José Eduardo dos Santos, Armando Guebuza ou Pedro Passos Coelho.
Obiang, também ele amigo do “querido líder” do MPLA, que chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi reeleito com 95 por cento dos votos oficialmente expressos (também contou, como é hábito, com os votos dos mortos), mantendo-se no poder graças a um forte aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus guarda-costas marroquinos.
“Mas o que é que isso importa?”, perguntarão hoje José Eduardo dos Santos (esse é Presidente vitalício, tal como Obiang), Filipe Nyusi, António Guterres ou António Costa.
Recorde-se que gozando, como todos os ditadores que estejam no poder, de um estatuto acima da lei, Obiang riu-se à grande e à francesa quando em 2009 um tribunal… francês rejeitou um processo que lhe fora intentado por recorrer a fundos públicos para adquirir residências de luxo em solo gaulês, com a justificação de que – lá como em qualquer parte do mundo – os chefes de Estado estrangeiros, sejam ou não ditadores, gozam de imunidade.
“Mas o que é que isso importa?”, perguntam hoje os senhores da CPLP.
Os vastos proventos que a Guiné Equatorial recebe da exploração do petróleo e do gás natural poderiam dar uma vida melhor aos 600 mil habitantes dessa antiga colónia espanhola, mas a verdade é que a maior parte deles vive abaixo da linha de pobreza.
Mas se, por exemplo, em Angola há perto de 20 milhões de pobres, porque carga de chuva não podem também existir, democraticamente, na Guiné Equatorial?, perguntarão certamente António Guterres, Michel Temer e Marcelo Rebelo de Sousa.
Reconheça-se, contudo, que tomando como exemplo Angola, a Guiné Equatorial preenche todas as regras para estar de pleno e total direito na CPLP. Não sabe o que é democracia mas, por outro lado, tem fartura de petróleo, o que é condição “sine qua non” para comprar o que bem entender… incluindo os elogios e a lixívia que, neste caso, o Governo português usará para limpar a imagem dos reinos, entre outros, de José Eduardo dos Santos e de Teodoro Obiang.