Tem um “padrinho na cozinha”? Se não, convém sempre ter um pouco de “gasosa” à mão, para pagar a quem possa facilitar o acesso a serviços públicos ou privados. Muitas vezes, a vida em Angola só funciona com corrupção.
“P adrinho na cozinha” é uma expressão corriqueira em Angola. O termo significa ter uma pessoa conhecida num determinado órgão da administração pública ou em instituições privadas, que possa ajudar o cidadão que tem que recorrer aos bens e serviços do Estado. O “padrinho”, a pessoa com o desejado grau de influência, pode ser o pai, tios, primos ou simplesmente um amigo. O que importa é que o padrinho esteja em condições de ajudar onde o Estado e as suas regras falham.
A DW África falou com vários cidadãos angolanos, que confirmam que a corrupção é banal em escolas, hospitais e no sector de identificação civil.
Diamantino Simão, do município de Viana, e natural da província da Huíla, admite abertamente que beneficia do apoio de parentes. Foi o caso, há poucos dias, em Luanda: “Os meus familiares são funcionários públicos. Sempre que preciso de documentos, eles mesmos tratam por mim”.
Quem não tem familiares ou amigos em posições cruciais, recorre a outros métodos, igualmente ilegais ou mesmo criminosos, para resolver os problemas do dia-a-dia. À “gasosa”, por exemplo. O termo tem origem nos pedidos de dinheiro por parte de funcionários públicos para pagar um refrigerante a troco de um “jeitinho”. Passou a ser usado também quando é o cidadão a aliciar o funcionário ou o agente através do suborno, uma vez que a iniciativa varia de situação para situação.
Jorge da Silva, de Luanda, diz que já corrompeu funcionários públicos muitas vezes para ver os seus problemas resolvidos com celeridade. E nem sempre há a consciência de que se trata de práticas ilegais: “Na verdade, nós pensamos nas consequências quando o funcionário é que vem ter contigo. Mas quando você é que precisa, não pensa nas consequências”.
Para reforçar o combate à corrupção, Angola aderiu à Convenção Contra a Corrupção das Nações Unidas. Em 2010, o parlamento angolano aprovou ainda a Lei da Probidade Pública. Mesmo assim, o fenómeno não está controlado.
Para o jornalista Albino Sampaio falta uma cultura de denúncia por parte dos cidadãos. Para Sampaio, este seria um passo importante no sentido de resolver o problema: “Tanto faz se é nas instituições do ensino, na polícia ou em qualquer outra instituição”. Se é para as coisas funcionarem como deve ser “então é importante termos sempre a coragem de denunciarmos”.
O aumento dos casos de corrupção deve-se em parte também, à escassez de instituições do Estado que prestam os serviços procurados pelos utentes. É normal cidadãos perderem muitas horas em intermináveis filas em repartições públicas para resolverem as suas situações.
João Paulo, outro residente de Luanda, conta que foi tratar do registo criminal, mas deparou-se com uma fila de espera imensa: “Fui interpelado por jovens que diziam que havia uma via rápida para tratar do documento. E esta via rápida é a chamada gasosa”, ou seja, uma certa soma de dinheiro que garante que o caso seja processado com rapidez. “Também por causa da minha pressa colaborei com os jovens, apesar de eu saber que não está dentro da lei”, admite João Paulo.
Angola está entre os seis países considerados os mais corruptos do mundo pelo Índice de Percepção de Corrupção 2016 da organização não-governamental Transparência Internacional.
Para responder a esta situação, o maior partido da oposição, União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA) propôs, no princípio deste ano, a criação de uma Alta Autoridade Contra a Corrupção. Até agora, não há indícios para que fundação de semelhante instituição esteja para breve.
Falamos bem mas fazemos mal
No dia 8 de Julho deste ano, gestores de bancos angolanos defenderam o que se esperava que defendessem há décadas. Isto é, a necessidade cada vez maior de as instituições financeiras do país cumprirem com as regras internacionais de transparência e livrar Angola do alto índice de percepção sobre o verdadeiro ADN do regime, a corrupção.
A posição, recorde-se, foi marcada no VI Fórum da Banca, promovido pelo jornal Expansão, subordinado ao tema “Compliance em Angola”.
No painel dedicado ao tema da conferência, o Presidente do Conselho Executivo do banco BAI e antigo governador do Banco Nacional de Angola, José de Lima Massano, disse que há ainda um esforço de aplicação plena do conjunto de normas e regras que o país deve seguir e de permanente actualização das mesmas.
Segundo José de Lima Massano, Angola não pode “descansar” se quiser estar em linha com as recomendações e aquilo que é hoje entendido como “as melhores práticas”.
“Nós somos ainda, aos olhos destas organizações, entendido como um país de alto risco, por vários motivos, por exemplo, o tema da corrupção, no índice de percepção da corrupção, da Transparência Internacional, Angola é considerado um país de alto risco. E essas instituições com tudo o que está aí a acontecer olham sempre para a nossa jurisdição com cautelas acrescidas”, referiu o gestor.
José de Lima Massano acrescentou como imperativo que Angola continue a registar avanços significativos nesta matéria ou terá “condições mais difíceis de exercer a actividade bancária”, num contexto em que a economia angolana “se relaciona com o exterior como um elemento quase que ainda de sobrevivência”.
Por sua vez, Emídio Pinheiro, presidente do Conselho Executivo do BFA, sublinhou o que também se sabe há muitos anos, ou seja que a imagem de Angola internacionalmente “é má”, o que considerou “um problema muito sério, porque é de percepções”.
“Isto não se resolve se não atribuirmos prioridade máxima, prioridade total”, frisou, acrescentando que a origem dos fundos “é onde os bancos têm que fazer um esforço maior com os seus clientes”.
“Porque é aqui que se despista um encobrimento de património, a fuga de impostos e é aqui que está presente a corrupção”, destacou Emídio Pinheiro.
Já a Administradora Executiva do banco angolano BIC, Graça Santos Pereira, disse que aquela instituição financeira tem feito muitas comunicações sobre operações suspeitas à Unidade de Informação Financeira de Angola e tem contas bloqueadas à ordem da Procuradoria-Geral da República.
“São coisas muito recentes, temos contas que estão já bloqueadas à ordem da Procuradoria e não sei o que lhes vai acontecer, mas se calhar não vai ser bem assim, não acontecer nada, é um processo muito recente”, avançou a gestora.
“Isto é um trabalho recente estamos a falar deste ano maioritariamente, mas temos contas bloqueadas à ordem da PGR há mais de seis meses. O desfecho, não sabemos, já tivemos umas bloqueadas e mandaram-nos desbloquear”, acrescentou Graça Santos Pereira.
Na abertura do fórum, pelo ministro das Finanças de Angola, Armando Manuel, o governante considerou o encontro muito apropriado para o momento actual que Angola vive, que é de fundamental importância que as instituições financeiras nacionais detenham, não apenas o conhecimento básico da legislação nacional e internacional, mas também o domínio das práticas e dos programas de ‘compliance’, para prevenir e detectar condutas ilegais.
“Enfatizo especialmente a imprescindibilidade das instituições financeiras nacionais deterem conhecimento e domínio da legislação e práticas estrangeiras, para que não sejam as entidades reguladoras de outros países a eventualmente indicar a necessidade de implementar este ou aquele reparo nas operações ou regulamentos envolvendo procedimentos financeiros a partir de Angola ou que tenham esta como destino”, disse o ministro.
E tudo vai ficar na mesma
A verdade é, seja qual for a via, são muitas as instituições internacionais que canalizam avultados montantes para Angola, embora saibam que grande parte desse dinheiro se destina a alimentar, alimentando-as também, à corrupção.
Não faltam organizações a colocar o reino de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, a liderar o ranking mundial dos países mais corruptos. E qual é o resultado? Nenhum. Desconta-se o dinheiro para a corrupção e siga a caravana.
Como se explica que nos últimos anos tenham sido gastos muitos mil milhões de dólares na construção ou reparação de estradas, de pontes e saneamento que, contudo, poucos anos depois estão em ruinas?
Esses elevados montantes deveriam chegar para que todas as províncias tivessem excelentes estradas capazes de durarem mais de 30 anos. Afinal duram meia dúzia de anos, quando duram. Mas, é claro, ninguém é responsabilizado por termos as mais caras e, ao mesmo tempo, piores estradas.
No entanto, importa dizê-lo sempre (o Folha 8 di-lo há muitos anos), que é fácil responsabilizar os responsáveis porque os gestores públicos são bem conhecidos, os que receberam orçamentos bilionários e fizeram obras descartáveis, e enriqueceram vertiginosamente as suas contas, ao ritmo que a população foi empobrecendo.
Por outras palavras, os gestores acólitos do regime entram com a sua experiência e os angolanos com o dinheiro. Findas as negociatas, os gestores ficam o dinheiro e os angolanos com a experiência.
Reconheça-se que, por exemplo, já em 2009 o presidente da UNITA, Isaías Samakuva, afirmava que Portugal se “tornou num destino seguro de fortunas desviadas do erário público angolano”.
Sobre a corrupção em Angola, o líder da UNITA disse nessa altura que as transferências de avultadas somas para Portugal são “para comprar até empresas falidas para branquear dinheiro roubado ao povo de Angola”.
Folha 8 com DW e Lusa
[…] post foi originalmente publicado neste […]