José Eduardo dos Santos, o presidente nunca nominalmente eleito e no poder há 37 anos, desejou hoje que os actores políticos, que exercem funções delegadas num país que não é uma democracia nem um Estado de Direito, “façam prova de grande maturidade e responsabilidade” nas eleições gerais previstas para Agosto de 2017.
Por Orlando Castro
Na sua qualidade de majestade plenipotenciária do reino, José Eduardo dos Santos, recebeu cumprimentos de fim de ano de um vasto exército de bajuladores, começando nos membros do seu Governo, da justiça, deputados, entidades da sociedade civil e corpo eclesiástico, num acto que que se assemelha a uma manifestação canina de acólitos.
Angola vai realizar, ao que parece, eleições gerais em 2017 e, segundo o Presidente da República (igualmente presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo), todos os passos necessários estão a ser dados pelas instituições competentes para o efeito. Isto é, todas as instituições controladas pelo seu poder.
O chefe de Estado desejou que as eleições decorram “num espírito de tolerância política e de respeito pelas instituições de cada um”. Fica sempre bem dizer estas coisas. Os adversários políticos sentem-se valorizados embora saibam que, como nas eleições anteriores, vão ser esmagados pela máquina de um partido que está no poder há 41 anos e que, desde sempre, tem os seus tentáculos a controlar tudo e todos.
Para os políticos, José Eduardo dos Santos pediu uma “prova de grande maturidade e responsabilidade ao abordarem os assuntos de interesse nacional” e que “definam os projectos sobre o futuro da nação”.
Como se sabe, na tese do Presidente o MPLA é Angola e Angola é o MPLA. E assim sendo, não há como alterar esta realidade. Nem mesmo pelo voto. É que, para além de a máquina eleitoral saber já com que margem o MPLA vai ganhar, também consegue – como nos diz o passado recente – que em alguns círculos eleitorais apareçam mais votos do que votantes e, se for necessário, até conseguem que os mortos votem… no MPLA.
Num olhar sobre os conflitos que se registam em várias partes do mundo, nas vestes de estadista que nunca conseguiu ser, Eduardo dos Santos regozijou-se com o facto de Angola apresentar um quadro “estável e pacífico” desde o fim da guerra civil em 2012, com “as suas principais instituições democráticas a funcionarem normalmente”.
Mais uma vez o presidente não resistiu a dar largas à sua veia anedótica, juntando-lhe a sua atávica tentação para nos passar um atestado de menoridade intelectual e de matumbez. É que falar de “instituições democráticas” em Angola é como dizer que os rios nascem na foz.
“Mantemos por isso a nossa confiança na capacidade dos angolanos de vencer todo o tipo de adversidade e de se empenhar para proporcionar a todos maior bem-estar”, disse o dono do país há 37 anos, salientando que o país tem muitos recursos naturais por explorar. E tem. Também tem lugar destacado no ranking dos países mais corruptos do mundo, ocupando mesmo o primeiro lugar a nível da mortalidade infantil.
“E isso consegue-se com trabalho, disciplina, conhecimento e habilidade para fazer boas coisas. Devemos aplicar o princípio de que a união faz a força, vamos assim juntos promover a cultura do mérito, para produzir com melhores resultados, de modo a aumentarmos e a distribuirmos com maior justiça a riqueza nacional”, afirmou José Eduardo dos Santos.
Pena foi que não tivesse dado dois exemplos paradigmáticos dessa “cultura do mérito”: Isabel dos Santos e José Filomeno de Sousa dos Santos…
O Presidente disse também que 2016 voltou a ser difícil para os angolanos, no domínio económico e financeiro, mas considerou que a crise fez despertar “maior consciência para o trabalho” e “controlo racional dos gastos”.
Tem razão. Todos sabemos como os 20 milhões de pobres conseguem, com rara mestria, fazer o “controlo racional dos gastos”, a ponto de continuarem a apreender a viver sem comer.
O chefe de Estado frisou que, diante da crise, o governo, as empresas e as famílias tiveram que adaptar-se à situação e empreender acções e várias iniciativas para atenuar as dificuldades e criar condições para superar todos os desafios. Voltou novamente, no âmbito da sua veia histriónica, a estar a bom nível. A barriga cheia, reconheça-se, é um bom estimulante para quem gosta de gozar com a fome e a miséria dos outros.
Segundo o Presidente, as receitas financeiras diminuíram e o Governo, as empresas e as famílias “tiveram que habituar-se a gastar menos para resolver os seus problemas com êxito”. Não está mal. É difícil calcular como é que quem nada tem consegue “gastar menos”. Mas sua majestade é perito.
Eduardo dos Santos acrescentou que a crise económica, que Angola enfrenta desde finais de 2014 (afinal não é desde 1975? Ou, pelo menos, desde 2002?) devido à baixa do preço do barril do petróleo no mercado internacional, a principal fonte de receitas do país, fez despertar nos angolanos “mais disciplina e melhores resultados”.
“Devemos continuar a criar as condições para proporcionar maior bem-estar a toda a população, concluindo os projectos em execução, no próximo ano, que vão garantir maior acesso à educação, à saúde, aos serviços de energia e água, à habitação e maior oportunidades de emprego, sobretudo para a juventude”, disse José Eduardo dos Santos, repetindo as teses de anos anteriores, agora reforçadas por estar no horizonte a possibilidade de haver eleições em 2017.
Sua majestade o rei destacou que perante a situação, “os angolanos mesmo assim não perderam o rumo, o país não parou”. É verdade. Milhões que nada têm continuaram e continuam a trabalhar os senhores feudais que têm tudo. O país não parou. O que parou, o que para todos os dias, é a vida de muitos angolanos.
“Funcionários públicos, empresários, operários, camponeses, intelectuais e quadros passaram a trabalhar mais, a poupar mais e a fazer tudo para multiplicar o que temos. Apesar da situação de crise que ainda vivemos, que é causada por factores externos, todos fizeram um esforço para que nesta quadra festiva de Natal e Ano Novo não faltasse o necessário”, disse Eduardo dos Santos, manifestamente ignorando que milhões de angolanos continuam sem saber o que para ele é elementar, o significado prático de ter refeições.
“Assim mesmo com as limitações existentes será possível celebrar a quadra festiva, reforçar a coesão familiar e cultivar o espírito natalício de fraternidade, solidariedade e paz”, acrescentou sua majestade. Nessa mesma altura muitos angolanos vasculhavam os caixotes do lixo à procura de alguma coisa para enganar a fome.