Não deve ter sido inocente o alerta que os Estados Unidos terão feito acerca do controlo exercido por políticos influentes (leia-se JES, os seus filhos e os compadres generais) nos bancos angolanos.
Por Rui Verde (*)
É que por estes dias está prevista a transmissão do controlo do Banco de Fomento de Angola para Isabel dos Santos. Com esta transmissão, o controlo do sistema bancário angolano pelo círculo presidencial passa a ser absoluto.
Vejamos a gravidade da situação.
Os cinco maiores bancos angolanos são o Banco Económico (ex-BESA), o BAI – Banco Angolano de Investimento, o BPC – Banco de Poupança e Crédito, o BFA – Banco de Fomento de Angola, e finalmente o BIC. Juntos representarão mais de cinco mil milhões de dólares de capitais próprios, segundo os dados da African Business, retomados pelo semanário Expansão com referência a 2015. Não se considera o Banco Millennium Atlântico, cuja fusão já ocorreu em 2016 e que será analisado mais adiante.
Se analisarmos o controlo accionista de cada um desses bancos, verificamos o seguinte:
O Banco Económico tem como maior accionista a Sonangol, que detém 40 por cento. A Sonangol é presidida por Isabel dos Santos. Além da Sonangol, é accionista relevante no Banco Económico, contribuindo para o seu controlo, o Grupo GENI, com 19, 90 por cento. Este grupo está também associado a Isabel dos Santos e ao general Leopoldino do Nascimento, homem-forte de José Eduardo dos Santos e antigo chefe das comunicações presidenciais. Fontes públicas associam o Grupo GENI, além de Isabel dos Santos e Leopoldino Fragoso do Nascimento, a António Van-Dúnen (que foi secretário do conselho de ministros) e a Manuel Augusto Fonseca, antigo membro do gabinete jurídico da Sonangol. Outra das pessoas mencionada como tendo feito parte do Grupo GENI é o famoso negociador de armas Pierre Falcone.
Portanto, o antigo banco dos portugueses Espírito Santo (que enfrentam actualmente uma investigação criminal de grandes proporções em curso em Portugal) foi parar às mãos da filha do presidente de Angola e seus associados.
O BAI, outro dos cinco maiores bancos angolanos, tem como maior accionista, novamente, a Sonangol (embora em percentagem inferior à que detém no Económico), com uma percentagem de 8.5 por cento. Como já referimos, a Sonangol é presidida por Isabel dos Santos. Além desta, são accionistas, detendo um total de 41.5 porcento, várias Pessoas Expostas Politicamente, como o antigo presidente do Conselho de Administração da Sonangol e actual vice-presidente da República, Manuel Vicente, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando Piedade dos Santos, o actual ministro da Defesa, João Lourenço, e o antigo vice-presidente do MPLA, Roberto Almeida. Rafael Marques publicou a lista exaustiva destas participações.
Em conclusão, o BAI é também um banco nas mãos de Isabel dos Santos e dos membros mais influentes do regime, todos eles PEP (Pessoas Expostas Politicamente).
O BPC é um banco público, e portanto depende do presidente da República, o pai de Isabel dos Santos.
Falemos do BFA. A operação de aquisição de 51.9 por cento do BFA pela UNITEL, acordada a 7 de Outubro, cria uma nova dependência face a Isabel dos Santos, sua accionista directa e indirectamente. Isabel dos Santos é proprietária de 25 por cento da UNITEL, e a Sonangol também é accionista da UNITEL, com mais 25 por cento. Outro accionista de referência é o Grupo GENI, já mencionado acima, e ao qual Isabel dos Santos terá ligações. Assim, mais uma vez, Isabel e a Sonangol dominam este banco.
Finalmente, o BIC. O BIC é o banco por excelência de Isabel dos Santos, proprietária de 42,5 por cento.
Em resumo, de entre os cinco maiores bancos angolanos, um é estatal, três são controlados directa ou indirectamente por Isabel dos Santos e pela Sonangol, e o BFA está na iminência de o ser.
Trata-se de uma situação demasiado perigosa para não ser analisada com cuidado.
Se uma pessoa domina o sistema bancário de um país, então essa pessoa pode ter acesso a todas as poupanças desse mesmo país. Este é um primeiro perigo: em caso de necessidade, Isabel dos Santos pode pegar em todo o dinheiro dos depósitos nacionais existentes nesses bancos. Pegar não quer dizer que os “roube” ou que levante o dinheiro, o meta num saco e fuja para o Dubai. Quer dizer simplesmente que pode emprestar o dinheiro das poupanças às suas empresas, que também são as mais relevantes de Angola.
Teoricamente, pode ser criado um circuito que, numa situação-limite e sempre possível, desencadeará um efeito dominó. As pessoas depositam o dinheiro nos bancos de Isabel dos Santos, estes bancos emprestam o dinheiro resultante desses depósitos a empresas de Isabel dos Santos. Se as empresas de Isabel dos Santos não pagam os empréstimos, os bancos não recebem dinheiro e ficam sem os depósitos, querendo isto dizer que as pessoas ficam sem as suas poupanças. Trata-se de um quadro demasiado perigoso de concentração financeira.
Quanto à Sonangol, são públicos os problemas financeiros com que a petrolífera angolana se defronta. Ora, estes problemas financeiros podem ter um efeito de contágio no caso dos bancos que esta empresa controla, de tal modo que um problema na Sonangol pode desencadear a falência dos bancos. Acresce que, por outra via, a Sonangol pode financiar-se nos seus próprios bancos e com isso “secar” o mercado financeiro, criando um efeito semelhante ao acima descrito para as empresas de Isabel dos Santos.
Estamos perante aquilo a que se chama concentração de risco. Um outro exemplo: as receitas do petróleo não chegam para financiar as despesas do Estado angolano. Tal acontecendo, a solução habitual é contrair dívida. O Estado emite dívida para se financiar e alguém compra. A questão que nos pode deixar perplexos é a seguinte: segundo os dados públicos, o Estado angolano está a emitir dívida em Kwanzas com uma taxa de juro anual de cerca de 20 por cento. Isto quer dizer que, por cada 100 Kwanzas que pede emprestados, no fim do ano paga 120 Kwanzas.
Parece um bom negócio, mas não é. Os dados públicos também indicam que a inflação está na ordem dos 40 por cento. Ora isto quer dizer que aquilo que há um ano comprávamos com 100 Kwanzas custará hoje 140 Kwanzas, e assim sucessivamente. Portanto, a realidade é que, ao investirmos os 100 Kwanzas em dívida pública, estamos ainda a perder 20 Kwanzas e não a ganhar 20, como se poderia pensar.
Esta situação levanta uma dúvida importante: quem está a investir em dívida angolana em Kwanzas, dando-se ao luxo de perder tanto dinheiro? Podem ser os bancos de Isabel dos Santos. Compram dívida, entregam dinheiro ao Estado, e perdem dinheiro. É uma circunstância que pode levar a situações bancárias muito complicadas. Neste momento, parece que os bancos estão a ganhar muito, quando na realidade estão a perder.
Dinheiro e poder político: o mundo de Isabel
Finalmente, há o perigo político. Ao controlar o sistema bancário angolano, Isabel dos Santos faz o que quer, financia quem quer, “tira o tapete” a quem lhe apetece, elimina a concorrência e promove a falta de transparência na tomada de decisões.
Como se diz popularmente, está tudo colado a “cuspo”. Qualquer sacudidela em Isabel dos Santos, na Sonangol ou na Dívida do Estado Angolano pode levar os principais bancos à falência num ápice. Uma situação tão mais perigosa quanto mais tempo o ciclo vicioso se mantiver assim.
O estranho caso do Millennium Atlântico
Além dos bancos referidos, cabe ainda mencionar o Banco Millennium Atlântico, que resulta de uma fusão realizada recentemente, já em 2016, entre o Millennium de Angola e o Banco Privado Atlântico. Segundo os números apresentados por esta entidade, com esta fusão o Millennium Atlântico terá passado a segundo maior banco de Angola em termos de crédito concedido. Sem margem para dúvidas, um grande banco.
Ora, esta instituição é detida por uma tal Interlagos Equity Partners SA, que detém 31.65 por cento, e de seguida o BCP Africa SGPS, com 22.52 por cento, no qual por sua vez a Sonangol é a maior accionista, detendo 29.9 por cento. A Sonangol também era accionista directa do BPA, com 8.82 por cento, surgindo assim nos dois lados do negócio, e exercendo uma influência determinante. No mínimo, a Sonangol terá 10 por cento do novo banco.
É necessário referir ainda dois bancos de menor dimensão, mas com importância no sistema bancário angolano. O Banco Sol e o Standard Bank.
Rafael Marques é claro sobre o Banco Sol: “A GEFI [empresa-conglomerado do MPLA] é a accionista maioritária desta instituição bancária, com 55 por cento das quotas, e fá-lo através da sua subsidiária Sansul. Nesta, a GEFI detém 99 por cento do capital e quatro militantes repartem simbolicamente o um por cento remanescente. A primeira-dama Ana Paula dos Santos, o vice-presidente da Assembleia Nacional e membro do Bureau Político do MPLA, João Lourenço [actual ministro da Defesa e vice-presidente do MPLA], e o antigo ministro das Finanças e actual deputado do MPLA, Júlio Bessa, são accionistas directos, cada um com 5 por cento das quotas do banco.”
Já o Standard Bank de Angola passou para as mãos do filho do presidente, Zenú, José Filomeno dos Santos, um incompetente financeiro que deterá 49 por cento da instituição. Acresce que este banco anuncia com visibilidade os seus serviços offshore em Jersey, na Ilha de Man (ambas ilhas britânicas) e na Maurícia.
O monopólio crescente de Isabel
É muito possível que tenha sido a gravidade da situação de haver, essencialmente, uma pessoa a controlar o grosso do sistema bancário de um país o que levou os EUA a alertar para a necessidade de se proceder ao afastamento das PEP (Pessoas Politicamente Expostas) do controlo dos bancos. Mas, como facilmente se percebe tendo em conta o modo inextricável como tudo se misturou, isso só acontecerá com uma mudança política do regime. Neste momento, só mesmo com uma máquina atómica será possível separar o político do financeiro. E essa máquina atómica é tão-somente a mudança de regime político.
(*) Maka Angola
Título e fotos: Folha 8