O ministro das Relações Exteriores de Angola, Georges Chikoti, considerou, sem nenhuma originalidade, “brilhante” a eleição de António Guterres para o cargo de secretário-geral das Nações Unidas.
Georges Chikoti referiu em entrevista à televisão pública angolana que a eleição de António Guterres corresponde a um “grande momento para o mundo da língua portuguesa”.
Segundo o chefe da diplomacia angolana, país que tem lugar como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, António Guterres tem demonstrado uma “grande capacidade” e a sua eleição é uma oportunidade para a promoção da língua portuguesa no mundo.
“Nós, no Conselho de Segurança da ONU, trabalhamos muito sobre este tema e todas as nossas instruções foram directas para podermos eleger António Guterres. Sempre votamos nele”, referiu o ministro, mentindo mais uma vez.
Mentira porque, recorde-se, a certo momento do processo, individualidades próximas do Governo de Angola, nomeadamente junto do MIREX, afirmavam que iriam apoiar outros candidatos, tendo sido dito na altura que seriam ou a candidata argentina ou o candidato esloveno; ainda que, em Julho, o senhor Georges Chikoti terá mesmo acentuado que Angola, enquanto membro não permanente do Conselho de Segurança, iria apoiar o candidato esloveno Miroslav Lajcak.
O governante angolano manifestou ainda satisfação por existirem agora mais condições para Angola responder à sua expectativa de ver técnicos angolanos no secretariado das Nações Unidas.
“Já temos estado a reflectir um pouco para ver a que nível é que nos podemos integrar nela”, salientou Georges Chikoti.
Mentira está no ADN
Mentir parece ser uma epidemia típica dos diplomatas lusófonos. África foi a primeira região a apoiar totalmente a candidatura do ex-primeiro-ministro António Guterres a secretário-geral da ONU, afirmou no dia 14 de Outubro o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, para demonstrar a proximidade da relação entre Portugal e o continente africano.
O ministro português mentiu pela razões aludidas em relação à posição apontada para Georges Chikoti.
Santos Silva explicou que embora os países africanos de língua portuguesa sejam particularmente próximos, a relação de Portugal com África não se esgota na lusofonia, estendendo-se a todo o Magreb, a países da África ocidental, tanto anglófona como francófona, e às comunidades portuguesas na África do Sul.
“É natural que Portugal possa servir de ponte entre a Europa e África. É isso que explica que tenha sido em presidências portuguesas da União Europeia, em 2000 e 2007, que se tenham realizado as primeiras cimeiras entre a UE e África”, lembrou Santos Silva.
Recordou ainda que o português que se fala em África é o que progride mais, com a ONU a projectar que antes do fim do século o número de falantes de português em África supere os da América Latina
“Essa proximidade é nos dois sentidos e posso dar um exemplo simples e actual: No processo de candidatura do engenheiro António Guterres a secretário-geral da ONU podemos dizer hoje que a África foi a primeira região a apoiar sem falhas a candidatura”, sublinhou, mentindo com todo o descaramento.
Santos Silva explicou que, dos três países com assento no Conselho de Segurança, Angola foi o primeiro a apoiar “publicamente, de forma cristalina” a candidatura de Guterres.
“Logo a seguir, quer o Egipto quer o Senegal foram muito claros. É mais uma prova dessa grande proximidade”, reiterou Santos Silva, que defendeu que Portugal tem por isso um papel importante no apelo ao incremente da cooperação entre a União Europeia e África, nomeadamente no plano económico.
Em Luanda, a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, Teresa Ribeiro, agradeceu “o apoio activo de Angola” na candidatura de António Guterres: “Portugal está grato a tudo quanto Angola tem feito nesse domínio”.
No passado dia 21 de Setembro, o antigo primeiro-ministro de Portugal agradecera já o apoio de Angola à sua candidatura ao cargo de secretário-geral das Nações Unidas, elogiando (é o preço a pagar pelo apoio) o papel do país no contexto internacional.
“Gostaria de exprimir toda a minha gratidão e o meu apreço pelo que tem sido a posição do Presidente José Eduardo dos Santos, do Governo e povo de Angola, a solidariedade angolana tem calado muito fundo no meu coração”, referiu Guterres mostrando que, afinal, bajular é uma questão genética em (quase) todos os políticos – e similares – portugueses.
Chikoti acrescenta: “Temos a certeza que nessa qualidade (secretário-geral) ele vai olhar muito para África e para Angola em particular, queremos esperar que ele consiga promover alguns quadros importantes do continente africano, particularmente da lusofonia”.
Enquanto candidato e por necessidade material de recolher apoios, António Guterres confundiu deliberadamente Angola com o regime, parecendo (sejamos optimistas) esquecer que, por cá, existem angolanos a morrer todos os dias, que temos um dos regimes mais corruptos do mundo e que somos o país com o maior índice mundial de mortalidade infantil.
Na sua última visita a Angola, António Guterres disse que, “por Angola estar envolvida em actividades internacionais extremamente relevantes, vejo-me na obrigação de transmitir pessoalmente essa pretensão às autoridades angolanas”.
Pois é. Está até no Conselho de Segurança da ONU. E, pelos vistos, isso basta. O facto – repita-se todas as vezes que for preciso – de ter desde 1979 um Presidente da República nunca nominalmente eleito, de ser um dos países mais corruptos do mundo, de ser o país onde morrem mais crianças… é irrelevante.
“Naturalmente como velho amigo deste país, senti que era meu dever, no momento em que anunciei a minha candidatura a secretário-geral das Nações Unidas, vir o mais depressa possível para poder transmitir essa intenção as autoridades angolanas”, sublinhou António Guterres.
Guterres tem razão. É um velho amigo do regime. Mas confundir isso com ser amigo de Angola e dos angolanos é, mais ou menos, como confundir o Oceanário de Lisboa com o oceano Atlântico. Seja como for, confirmou-se que a bajulação continua a ser uma boa estratégia. Nesse sentido, António Guterres não se importa de continuar a considerar José Eduardo dos Santos como um ditador… bom.
Mas também é evidente que António Guterres sabe que ser amigo de quem está no poder, mesmo que seja um ditador, vale muitos votos. Seja como for, António Guterres não deve gozar com a nossa chipala nem fazer de todos nós uns matumbos.