O chefe do Estado-Maior da Região Militar Leste (RML), brigadeiro António Jorge dos Santos “Tojo” (foto), enalteceu hoje, no Luena, Moxico, a figura do primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, pela contribuição na conquista da independência nacional.
Por Óscar Cabinda
Se ficasse por aqui (contributo para a conquista da independência), tudo estaria bem. Mas não. Como sempre, também os militares querem ser mais papistas do que o Papa.
Ao dissertar numa palestra sobre “Vida e obra de António Agostinho Neto”, por ocasião do 17 de Setembro, dia do único herói nacional reconhecido pelo regime, o brigadeiro António Jorge dos Santos “Tojo” considerou-o “figura de referência incontornável da história de Angola, quer do passado, quer do presente. Esqueceu-se do futuro.
O brigadeiro “Tojo” explicou que a vida e dimensão histórica de Agostinho Neto permanecerão para iluminar o caminho do país na senda da consolidação da paz, reconstrução e desenvolvimento económico e social. Será que o chefe do Estado-Maior da Região Militar Leste acredita mesmo no que diz?
Para saudar a data, as Forças Armadas Angolanas no Moxico realizam todos os ano várias actividades culturais, desportivas e recreativas nas suas unidades e subunidades, forma encontrada para mostrar o seu canino e acrítico espírito de culto a supostas figuras superiores da nossa sociedade.
Na mesma senda, o administrador municipal da Ganda, província de Benguela, António Kapewa Kalianguila, considerou incontornável a figura de Agostinho Neto.
A intervir no acto de abertura da jornada do 17 de Setembro, realçou o reconhecimento e o respeito dos angolanos pela figura de Agostinho Neto, por tudo o que ele fez em prol do país. Certamente neste “tudo” se enquadram os massacres do 27 de Maio de 1977.
Kalianguila assegurou o cumprimento do legado histórico deixado pelo antigo Presidente da República, tendo ressaltado a necessidade de se valorizar os ganhos da independência nacional. O regime continua, quase 41 anos depois, a falar da independência, talvez num manifesto complexo de inferioridade em relação a Portugal ou, talvez, com receio do fantasma de Jonas Savimbi.
Por outro lado, mais de 100 mulheres de várias denominações religiosas e líderes de organizações da sociedade civil participam no próximo sábado, na comuna de Dombe Grande, município da Baía Farta, Benguela, num culto ecuménico alusivo ao 17 de Setembro.
Em declarações à Angop, Leonor Fundanga, secretária provincial da organização feminina do MPLA, informou que o evento servirá para recordar o percurso histórico do “Herói Nacional”, na luta pela liberdade do povo angolano e pela conquista da Independência Nacional. Mais do mesmo.
Por sua vez, os membros da organização juvenil do MPLA no Uíge abordaram hoje a vida e obra de António Agostinho Neto, durante uma palestra orientada pelo Chefe do Departamento de Cultura e Sítios Históricos da Direcção Provincial da Cultura, Pedro Cenas Dissungua.
Ao dissertar o tema da palestra, promovida pelo secretariado municipal da JMPLA, Pedro Dissungua destacou as qualidades de Agostinho Neto, como político, médico e homem da cultura.
Já o sociólogo Kiako Fernandes Jorge destacou o papel do nacionalista, que previu o destino do país ainda nos momentos mais difíceis.
No mesmo acto, o segundo secretário municipal da JMPLA, Faustino Guange Simão, disse ser fulcral reconhecer o papel do primeiro Presidente de Angola.
Ainda a respeito da efeméride, decorreu nesta quinta-feira, na província a Lunda Sul, uma palestra sobre a vida e obra de Agostinho Neto, dirigida aos efectivos do Ministério do Interior e das Forças Armadas Angolanas, promovida pelo governo da província.
Palhaços uma vez, palhaços sempre
Em Setembro de 2009, o então ministro da Educação de Angola, Burity da Silva, afirmou que “a construção da angolanidade deve ser edificada com a participação de todas as culturas existentes, sem critérios estereotipados de exclusão”.
Prova dessa tese, segundo o regime, continua a ser a comemoração (dia 17) do Dia do Herói Nacional em homenagem, pois claro, a António Agostinho Neto.
Mas é assim. Se o MPLA é Angola e Angola é o MPLA, herói nacional há só um, Agostinho Neto e mais nenhum. O lugar está hoje, embora de forma mais subtil, ocupado por José Eduardo dos Santos. Quando o MPLA for apenas um dos partidos do país e Angola for um verdadeiro Estado de Direito, então haverá outros heróis. Isto porque, pensa o comum dos mortais, nenhum partido tem a exclusividade dos heróis. Ou será que tem?
Até lá, os angolanos continuarão sujeitos à lavagem do cérebro de modo a que julguem que António Agostinho Neto foi o único a dar um contributo na luta armada contra o colonialismo português e para a conquista da independência nacional.
Fruto da sua entrega à causa libertadora dos povos, o Zimbabué e a Namíbia ascenderam igualmente à independência, assim como contribuiu para o fim do Apartheid na África do Sul, esclarecem os donos do poder em Angola.
Agostinho Neto foi também, segundo uma cartilha herdada do regime de partido único (hoje em termos práticos assim continua), “um esclarecido homem de cultura para quem as manifestações culturais tinham de ser antes de mais a expressão viva das aspirações dos oprimidos, arma para a denúncia dos opressores, instrumentos para a reconstrução da nova vida”.
Continuemos, contudo, a ver a lavagem cerebral que o regime do MPLA insiste em manter, isto porque terá informações dos seus serviços secretos que dizem que somos todos matumbos: “Dotado de um invulgar dinamismo e capacidade de trabalho, Agostinho Neto, até à hora do seu desaparecimento físico, foi incansável na sua participação pessoal para resolução de todos os problemas relacionados com a vida do partido, do povo e do Estado”.
Numa coisa a cartilha do MPLA tem toda a razão e actualidade: “como o marxistas-leninista convicto, Agostinho Neto reafirmou constantemente o papel dirigente do partido, a necessidade da sua estrutura orgânica e o fortalecimento ideológico, garantia segura para a criação e consolidação dos órgãos do poder popular, forma institucional da gestão dos destinos da Nação pelos operários e camponeses”.
É verdade também (segundo o MPLA) que foi graças a Agostinho Neto que Portugal aboliu a escravatura, que os rios começaram a correr para o mar, que o homem foi à Lua e que os europeus deixaram de viver na pré-história.
Também é claro (sempre segundo o MPLA) que Agostinho Neto nunca foi um ditador. Sobretudo depois de morto. Supostamente, Neto “foi eleito líder do MPLA pelos seus pares do Comité Director, quando uma facção defendia que o movimento devia fundir-se na UPA e os brancos e mestiços não podiam participar na luta armada. Neto triunfou! O líder de uma organização revolucionária que luta pela libertação do seu povo, não pode ser ditador. O libertador pode ser tudo, menos ditador!”
Mais. “Um Chefe de Estado que está quatro anos no poder e tem de lutar contra exércitos invasores e matilhas de mercenários, não tem tempo para ser ditador”.
Aliás, só mesmo um democrata, idealista, defensor dos direitos humanos e dos angolanos como era Agostinho Neto poderia ter ordenado – nesse 27 de Maio de 1977 – o massacre de milhares e milhares de angolanos, na sua esmagadora maioria militantes e simpatizantes do MPLA. Nenhum ditador seria capaz de tal façanha.