Reconhece-se que os juízes do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal não se expõem publicamente fazendo alusões à coisa pública. Sabe-se que se conduzem como agentes ciosos de seu múnus publico e, assim, não concedem entrevistas e não comentam aspecto algum sobre determinado processo judicial. Muito menos opinam sobre processos, emitindo opiniões acerca dos demais poderes públicos ou travando acalorados debates com parlamentares.
Por Alexandre Fadel, Antonio Sepulveda e Henrique Rangel (*)
Nos Estados Unidos da América, não só a Suprema Corte labora silenciosamente como também seus integrantes. As sessões, por lá, não são televisionadas e seus magistrados (justices) raramente concedem entrevistas ou ficam sob holofotes mediáticos.
Se comparados aos ministros brasileiros do Supremo Tribunal Federal (STF), justices são quase que fantasmas, ou seja, pouco são vistos em público. Incidentes envolvendo as decisões da Suprema Corte e autoridades de alto escalão (v.g., Presidência) são igualmente raros e dificilmente ocorrem ataques ou discussões verbais entre as altas autoridades acerca das decisões da Corte. Talvez, por tudo isso, grande parte dos cidadãos norte-americanos tenha pouco a dizer sobre a Suprema Corte, seus integrantes e a ideologia que permeia tal instância decisória.
Embora se saiba que a soma das partes nem sempre corresponda ao todo, alguns ministros do STF arriscam a legitimidade da Corte ao se exporem em demasia e ao desprezarem o natural afastamento da política que a toga os impõe (ou deveria impor).
Diferentemente de seus colegas portugueses e norte-americanos, a exposição dos ministros brasileiros não se restringe apenas a posturas mediáticas, mas também a encontros oficiosos com políticos e entrevistas em programas televisivos de alta audiência.
A exposição das sessões plenárias teletransmitidas, sem edição, favorece decisões politicamente engajadas, que, por sua vez, criam a demanda para coberturas jornalísticas cada vez mais intensas. Somado a esse ciclo, o STF conta com integrantes com mais ambição para definir os rumos da política nacional em relação ao passado. Em qualquer lugar do mundo, o Poder Judiciário se torna coadjuvante com a instalação de ditaduras e, no Brasil, o regime militar conduziu ao STF profissionais de orientação mais contida e que dificilmente obstruiriam seus desígnios.
Como o cargo de ministro é vitalício, a renovação da Corte foi demorada, intensificando-se apenas em 2003, quando o último empossado antes da redemocratização se aposentou. Se, antes, o compromisso era decidir na forma da lei, hoje, ministros estão mais preocupados em expor, em longos votos, o conteúdo dos actos normativos, atribuindo-lhes sentidos cada vez mais abrangentes.
A legitimidade do Poder Judiciário é central para a higidez do Estado Democrático de Direito, com seu papel de guardião da Constituição e, nesse sentido, actuando para moderar as acções dos demais poderes constituídos, comprometidos com agendas partidárias e eleitorais. Quando nomes de ministros de Suprema Corte são mencionados em interceptações (escutas) telefónicas como passíveis de supostos acordos e negociações (relevando as bravatas), é de fundamental relevância que não paire qualquer dúvida sobre a integridade de seus integrantes, sob pena de perda da legitimidade de suas decisões, supostamente imparciais, em especial, por razão de a sociedade brasileira actualmente estar tão dividida e belicosa. Esse foi um dos motivos que levou o justice, actualmente aposentado, David H. Souter a declarar ao seu colega Stephen Breyer que magistrados de Suprema Corte jamais se afastam de seus deveres profissionais. Parece indicar que vida pública e vida privada de justices caminham sempre juntas.
A permissividade dos membros do STF gerada pela superexposição e pela proximidade com o mundo político desencadeia no imaginário popular teorias da conspiração que começaram a se propagar entre defensores e opositores do processo de impeachment. Portanto, o risco de perda de legitimidade (e credibilidade) é elevado e questionamentos podem ser suscitados.
Não menos importante é o exemplo dado pelos integrantes da alta cúpula do Poder Judiciário, uma vez que acaba por “autorizar” que toda magistratura também possa se comportar de forma semelhante, gerando uma politização exacerbada da actividade jurisdicional. Nos últimos meses, também cresceu a exposição pública de juízes de primeira instância que atuam em causas de forte conteúdo político.
A cada crise pela qual o Estado brasileiro passa há uma oportunidade para que suas instituições avancem, aperfeiçoem-se e consolidem-se no jogo democrático. Ainda que a sociedade brasileira esteja carente de expressivas figuras republicanas, de fato, dependemos do Poder Judiciário efectivando – com imparcialidade – a pacificação social, dirimindo conflitos cotidianos e resolvendo impasses excepcionais. Não precisamos de super-heróis, “juízes-hércules” ou salvadores da pátria, necessitamos de magistrados capacitados, de homens comuns de boa-fé
(*) Alexandre Fadel (professor e mestre em Direito/PUC-Rio), Antonio Sepulveda (professor e doutorando em Direito/UERJ) e Henrique Rangel (mestre em Direito/UFRF) são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – Letaci/PPGD/UFRJ.