O Presidente da República revogou a promoção a brigadeiro de um dos autores (António Manuel Gamboa Vieira Lopes) do homicídio de dois opositores ao regime, Alves Kamulingue e Isaías Cassule, e que levou o Tribunal Provincial de Luanda (TPL) a declarar-se incompetente para fazer o julgamento. O Folha 8 fez manchete do assunto. José Eduardo dos Santos leu e ficou engasgado. Mais uma vez, embora de forma indirecta, deu-nos razão. E agora quere que o general Geraldo Sachipengo Nunda, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, explique a tocaia em que foi envolvido sem nada saber (como se isso fosse possível), ao que diz.
António Manuel Gamboa Vieira Lopes, “Tó” para os mais chegados, foi promovido ao Grau Militar de Brigadeiro por decisão de José Eduardo dos Santos na sua qualidade de Comandante em Chefe das Forças Armadas que, tal como as que tem tomado na qualidade de Presidente da República, revelam que no nosso país o crime compensa.
Pelos vistos, segundo fontes próximas de Eduardo dos Santos, o Presidente foi enganado pelos seus assessores que, como se nota cada vez mais, privilegiam a subserviência e são alérgicos à competência. O assunto fez com que o Chefe de Estado desse um murro na mesa e mostrasse que, tanto quanto parece, está a ficar farto de tanta mediocridade. A ser verdade, se começar a despedir os medíocres que o rodeiam acabará por ficar sozinho. Mas será caso para, obviamente, dizer que mais vale só do que (tão) mal acompanhado.
Os raptores de Kamulingue foram António Manuel Gamboa Vieira Lopes, então delegado do SINSE em Luanda, Paulo Mota, delegado adjunto do SINSE Luanda, Comissário Dias do Nascimento, 2º comandante provincial de Luanda, Manuel Miranda, chefe de Investigação Criminal da Ingombota e Luís Miranda, chefe dos Serviços Sectores do Comando de Divisão da Ingombota.
Com base nas diligências realizadas e na matéria de facto carreada para o processo, no dia 5 de Novembro do ano passado processaram-se as primeiras detenções de Lourenço Sebastião, chefe do SINSE-Viana, Paulo Mota, delegado adjunto do SINSE-Luanda e Loy, agente do SINSE-Luanda.
Nas suas primeiras declarações, em acto de interrogatório, na Procuradoria-Geral da República, todos foram unânimes em acusar Sebastião Martins e António Manuel Gamboa Vieira Lopes, como mandante dos assassinatos.
A informação da anulação da promoção de António Manuel Gamboa Vieira Lopes consta de uma ordem assinada pelo Comandante-Em-Chefe e Presidente da República, de 22 de Setembro. Além da revogação, a ordem 30/14 determina a abertura de uma investigação à instrução do processo de promoção por, à data, António Manuel Gamboa Vieira Lopes já se encontrar detido.
Alves Kamulingue e Isaías Cassule foram raptados na via pública, em Luanda, nos dias 27 e 29 de Maio de 2012, quando tentavam organizar uma manifestação de veteranos e desmobilizados contra o Governo do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos.
À data do crime, Vieira Lopes – um dos sete suspeitos que continuam em prisão preventiva à conta deste processo, de rapto e homicídio – exercia funções de chefia no Serviço de Inteligência e de Segurança do Estado, em Luanda.
Agora, o documento em que José Eduardo dos Santos anula a promoção que tinha concedido a 27 de Maio de 2014, determina que o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas “mande averiguar as circunstâncias em que foi elaborada a proposta de promoção desse oficial e tome as medidas administrativas e disciplinares pertinentes”.
Com esta ordem, o general Geraldo Sachipengo Nunda, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, tem uma bota difícil de descalçar, se bem que possa ele próprio ter sido apanhado nesta ratoeira da promoção. Muitos dos seus supostos subordinados nas Forças Armadas, todos com a escola e a educação “patriótica” das FAPLA, nunca engoliram que José Eduardo dos Santos tivesse dado o mais alto cargo militar a um oficial oriundo das FALA. Como há muito se diz, cá se fazem, cá se pagam.
A mesma ordem presidencial considera “inconveniente e inoportuna” a promoção concedida, ao grau militar de brigadeiro, por Vieira Lopes estar na condição de arguido. Provavelmente por saber mais do que é público, José Eduardo dos Santos não alega, nem indicia mesmo que tenuemente, a presunção de inocência até o veredicto transitar em julgado.
Esta decisão surge numa altura em que o autodesignado Movimento Revolucionário, contestatário do regime, anunciou nas redes sociais uma manifestação, para 04 de Outubro, para protestar contra esta promoção e por a mesma ter inviabilizado o julgamento do processo.
Por se tratar de um oficial general – devido à promoção – e por isso sujeito à Justiça Militar, o TPL declarou-se incompetente para continuar com o julgamento, que se iniciou a 01 de Setembro.
“Caberá agora ao Tribunal Supremo decidir o próximo passo, se o julgamento continua na esfera dos tribunais comuns ou se passa para um tribunal militar”, explicou a 08 de Setembro, fonte ligada ao processo. Outros dois suspeitos neste caso continuam foragidos e um terceiro viria a falecer.
Em comunicado de Dezembro de 2013, aquando das primeiras detenções, a Procuradoria-Geral da República angolana referiu que os dois ex-militares (Alves Kamulingue e Isaías Cassule) terão sido assassinados por agentes da Polícia Nacional (PN) e da Segurança do Estado.
Antes do início do julgamento, o advogado das famílias das vítimas, assistentes neste processo, disse que seguiam para tribunal elementos da Polícia Nacional e do Serviço de Inteligência e de Segurança do Estado, bem como um membro do comité provincial de Luanda do MPLA, o partido no poder desde a independência, em 1975.
David Mendes, que integra uma equipa de três advogados da associação “Mãos Livres”, explicou que estes elementos são suspeitos da autoria material e envolvimento nos crimes de rapto e homicídio. Os familiares querem ainda apurar a “autoria material” dos crimes, disse o advogado e activista.
Nas manifestações de contestação ao Governo liderado por José Eduardo dos Santos, convocadas nos últimos meses pelo Movimento Revolucionário, as mortes de Kamulingue e Cassule foram sempre recordadas, com os activistas a reclamarem por “justiça”. Os corpos dos dois homens nunca foram recuperados.