O país assinala hoje cinco anos de independência e três de uma guerra civil que parece estar longe do fim. Em dois dias morreram 115 pessoas.
O Sudão do Sul assinala este sábado o quinto aniversário da sua independência. Mas não há muitas razões para celebrar: o acordo de paz estabelecido para virar a página de uma guerra civil devastadora está por um fio e a população nunca passou tanta fome.
Várias dezenas de milhares de pessoas foram mortas desde Dezembro de 2013 e o início da guerra civil que destruiu o mais novo país do mundo e a sua economia, levaram o Governo a anular pela primeira vez os festejos da independência.
O International Crisis Group (ICG) apelou aos Estados que garantem o acordo de paz a agir “com toda a urgência” para o salvar e assim “impedir o país de voltar a cair num conflito em larga escala”.
Confrontos violentos eclodiram na quinta-feira à noite na capital, Juba, entre ex-rebeldes da facção de Riek Machar e soldados leais ao Presidente, Salva Kiir, confirmando a fragilidade do acordo de paz assinado a 26 de Agosto de 2015. Na sexta-feira, em vários locais da cidade, prosseguiu a troca de tiros de armas automáticas e de artilharia pesada. “Esta manhã recolhemos e contámos 115 mortos, 35 nossos e 80 das forças do governo”, disse o porta-voz da facção de Machar, William Gatjiath Deng.
Este sábado, as ruas da capital estão praticamente desertas e fortemente patrulhadas pelas forças de segurança.
Os combates provocaram uma crise humanitária, forçando dois milhões de pessoas a abandonar as suas casas e cerca de cinco milhões, mais de um terço da população, a ficar dependentes da ajuda alimentar de emergência.
“As condições de vida nunca foram assim tão más no Sudão do Sul”, resume David Deng, advogado especialista em direitos humanos, enumerando uma inflação galopante, combates diários, a fome e o grau de desconfiança entre as partes em conflito.
“Se não se resolver rapidamente a situação, receio que venhamos a ser confrontados com um conflito tão duro como os 22 anos de guerra dos quais o país saiu recentemente”, alertou, referindo-se à guerra da independência contra o Sudão.
Os preços dos bens e serviços explodiram desde a independência em 2011, com uma inflação actualmente a rondar os 300% e uma moeda que perdeu 90% do seu valor este ano.
“O próprio facto de o Governo não ter dinheiro para celebrar o aniversário [da independência] demonstra a magnitude das dificuldades económicas”, sublinha James Alic Garang, economista do think-tank Ebony Center com sede em Juba.
“Nós sofremos aqui”
Depois de uma guerra civil que durou entre 1983 e 2005, o actual Sudão do Sul conquistou a sua independência de Cartum a 9 de Julho de 2011, na sequência de um referendo. De forma rápida, em Dezembro de 2013, o país mergulhou numa nova guerra civil.
O conflito surgiu no seio do exército nacional, minado por clivagens político-étnicas alimentadas pelo Presidente, Salva Kiir, e pelo seu vice-presidente, Riek Machar.
Em Abril, Riek Machar regressou a Juba no quadro do acordo de paz assinado em Agosto de 2015 e formou com Salva Kiir um Governo de salvação nacional. Mas, no terreno, as hostilidades continuaram.
Babikr Yawa, 31 anos e mãe de três crianças, fugiu dos combates no mês anterior na província de Kajo. Keji, perto da fronteira com o Uganda. “Nós sofremos aqui, não há comida, nem um verdadeiro abrigo. O que queremos é que o Presidente, Salva Kiir, e Riek Machar ponham fim à guerra”, disse à AFP.
Em Junho, na cidade de Wau – que se tornou na segunda do país depois de Malakal, Bor e Bentiu terem sido parcialmente destruídas durante a guerra – os combates forçaram cerca de 88 mil habitantes a fugir de suas casas, dos quais 20 mil procuraram refúgio nas imediações da base das Nações Unidas.
“Uma esperança traída”
O acordo de paz é simplesmente ignorado, denuncia o ICG, e “as antigas partes do conflito (…) preparam-se cada vez mais para um conflito em larga escala”.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lembrou recentemente “o orgulho, o estado de espírito de esperança” que animavam o país há cinco anos.
Mas durante a sua última visita ao país, em Fevereiro, BanKi-moon apenas constatou “uma esperança traída por aqueles que colocaram o poder e o lucro à frente [dos interesses] do seu povo”, denunciando “as violações massivas dos direitos humanos e a corrupção monumental”.
Folha 8 com AFP