É positivo o facto de a sociedade angolana estar sensível aos problemas que afectam camadas vulneráveis, em particular as crianças. A sociedade está sensível, mas o regime continua a tapar o Sol com uma peneira.
É de destacar o facto de haver um movimento de solidariedade com os segmentos mais carenciados da população. É importante que na nossa sociedade haja permanentemente disponibilidade para se ir em ajuda daqueles nossos compatriotas que quase nada têm. Que quase nada têm, que têm cada vez menos, mau grado o nosso país ser independente há 40 anos, viver em paz absoluta há 14 anos e ter tido sempre governos do mesmo partido, o MPLA.
Em Angola há ainda muitas pessoas que vivem em situação de extrema pobreza e precisam da solidariedade dos que têm alguma coisa para oferecer. Mas isso parece pouco para que o regime inverta a situação. Continuar a esquecer que o país é feito de pessoas é um suicídio colectivo.
Há ainda muitos e muitos angolanos carenciados, mas felizmente há também compatriotas nossos que estão dispostos a ajudar todos os que têm poucos meios para o seu sustento, fazendo o que deveria caber ao Estado, não estivesse este exclusivamente virado para os poucos que têm milhões e não, como lhe competia, para os milhões que têm pouco ou nada.
O mês da criança é, ou deveria ser, uma boa oportunidade para que as pessoas que têm alguma coisa para dar ao próximo o façam para minorarem o sofrimento de muitos menores de Angola que ainda são discriminados, nomeadamente por um regime de clara vocação esclavagista. Há ainda graves e inúmeros problemas relacionados com as crianças que estão, por exemplo, em conflito com a lei porque, de facto, a lei não foi feita para ser cumprida. O Estado tem criado, em teoria, condições para que os nossos menores em conflito com a lei vivam em ambiente em que esteja garantida a sua segurança e desenvolvimento. Mas, como vemos todos os dias, da teoria à prática vai uma enormíssima distância.
A reeducação da criança em conflito com a lei exige que haja centros especializados que se encarreguem de uma série de tarefas que contribuam para a reintegração desses menores na sociedade e para que eles sejam bons cidadãos. Mas isso não passa de uma discussão académica que muito agrada aos acólitos do regime. Se assim não fosse, as nossas crianças não seriam geradas com fome, não nasceriam com fome e não morreriam pouco depois com… fome.
Sendo complexo o processo de reeducação de menores, importa que se preste atenção ao financiamento de actividades indispensáveis para que as crianças em conflito com a lei tenham um tratamento adequando para que possam amanhã servir bem a sociedade. Não é fácil. E não é porque a miopia do regime não deixa que se veja mais além.
O essencial é que o Estado, em colaboração com organizações da sociedade civil, trabalhe no sentido de se fazer cada vez mais para reduzirmos ao mínimo os casos de menores marginalizados. Mas como a esmagadora maioria dessas crianças marginalizadas não pertence aos angolanos de primeira (os afectos ao partido do regime), o Governo varre o assunto para debaixo do tapete.
O Estado angolano dá a mínima, às vezes nenhuma, importância à defesa dos direitos e à assistência das crianças em todo o país. São inúmeros, estão em todas as esquinas e em todas as lixeiras, os exemplos da criminosa inacção do Estado ao nível da protecção das nossas crianças e da punição de todos os que violaram os seus direitos.
Por outro lado, as organizações da sociedade civil fazem o que podem, e podem pouco, na cultura do respeito pelas crianças. Essas organizações substituem o Estado mas, na verdade, não têm meios para desenvolver a sua actividade.
Se não se deve admitir que adultos estejam a maltratar crianças, que são um segmento vulnerável da nossa sociedade, muito menos se pode tolerar que o Estado/regime se limite a olhar para o lado. Toda a comunidade, a começar por esse mesmo Estado, deve fazer tudo para proteger as nossas crianças. Mas não o faz.
Neste mês da criança todos, ou quase, reflectimos sobre elas. Esquecemo-nos, no entanto, que essa é uma reflexão que deve ser feita todos os dias do ano. E com esse esquecimento estamos a dar cobertura à criminosa actuação do regime.
Não nos esqueçamos que, por alguma razão, por cada 1.000 nados vivos morrem em Angola 156,9 crianças até aos cinco anos, apresentando por isso a mais alta taxa de mortalidade mundial em 2015.
Não nos esqueçamos que Angola aparece na cauda da tabela da mortalidade infantil mundial e foi o país com a segunda mais baixa esperança de vida em 2015, segundo o último relatório anual da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Não nos esqueçamos que a esperança média de vida à nascença em Angola cifrou-se nos 52,4 anos, apenas à frente da Serra Leoa, com 50,1 anos.
Não nos esqueçamos.