Ao contrário do que fazem franceses e ingleses, os portugueses têm por hábito deixar para depois de amanhã o que deveriam ter feito ontem. Não existe uma conjugação estratégica de objectivos. Cada um rema para o seu lado e, é claro, assim o barco comum (a Lusofonia) não chega a nenhum porto.
Há projectos sobrepostos, e muitas áreas onde ninguém chega. Ninguém não é verdade. Chegam os amigos dos donos do poder, ou sejam os do PS e do PSD em Portugal, do MPLA em Angola, da FRELIMO em Moçambique, do PAIGC na Guiné-Bissau, da FRETILIN em Timor etc..
É claro que o futuro de Portugal passa também, diríamos essencialmente, por África. Acontece que, nesta altura, a União Europeia continua a mandar muito dinheiro para Portugal. E, ao contrário de outros tempos, Lisboa não está interessada em dar luz ao mundo.
Ao contrário de muitos outros países que estão na UE mas também em África, Portugal está adormecido com o sonho europeu, esquecendo que a sua História está também e sobretudo em África. Agora, com o tsunami que atingiu Angola, Portugal acordou. Não sabemos se terá sido suficiente para que Lisboa percebesse que o regime de Angola é uma coisa bem diferente de Angola e, sobretudo, dos angolanos.
Por isso, quando os habitantes (socialistas, sociais-democratas, democratas-cristãos, comunistas e oportunistas) das ocidentais praias lusitanas acordarem vão ter um enorme pesadelo.
Portugal ainda não percebeu que foi o «pai» mas que os «filhos» já são independentes. Os países africanos ainda não compreenderam que o «pai» errou em muitas coisas mas que não é por isso que deixou de ser «pai».
A Lusofonia, essa realidade que em muito ultrapassa os 250 milhões de cidadãos em todos os cantos do planeta, parece condenada a ser ultrapassada, ou até mesmo aniquilada, por qualquer outra fonia.
Tudo porque Portugal, mais do que dar nova luz ao Mundo, parece preocupado apenas com os limites físicos das ocidentais praias lusitanas. Portugal não pode (ou, pelo menos, não deve) esquecer que tem responsabilidades na defesa e na dignificação de povos que (ainda) nascem, crescem e morrem a sentir em português.
Esquecer, ou lembrar uma vez por ano, todos aqueles que dão corpo e alma à Lusofonia não passa de um vil crime. E é um crime porque, afinal, é preciso que Portugal trabalhe para os milhões que têm pouco e não, como vai acontecendo cada vez mais, para os poucos que têm milhões.
Parafraseando Luís de Camões, em português se canta o peito ilustre lusitano e, na prática, importa recordar que a ele obedeceram Neptuno e Marte. Além disso, importa dizê-lo, manda cessar (se para tal todos os lusófonos tiverem engenho e arte) «tudo o que a Musa antiga canta».
Quando será que, de forma consciente e consistente, Portugal entenderá que «outro valor mais alto se alevanta»?
Por culpa (mesmo que inconsciente) dos poucos que não vivem para servir e que, por isso, não servem para viver, continuam os milhões que se entendem em português a comer e a calar, amordaçados pela mesquinhez dos que se julgam detentores da verdade.
É claro que, como em tudo na vida, não faltarão os que dirão que não é possível entregar a carta a Garcia. Dirão isso e, ao mesmo tempo, apontarão a valeta mais próxima. A História do Mundo desmente-os. A História de Portugal desmente-os. Além disso, não custa tentar o impossível, desde logo porque o possível fazemos nós todos os dias.
Mas não será com esses que se fará a História da Lusofonia apesar de, reconhecemos, muitos deles teimarem em flutuar ao sabor de interesses mesquinhos e de causas que só se conjugam na primeira pessoa do singular.
Para nós a Lusofonia deveria ser um desígnio de todos quantos têm uma história em comum. Defender esta tese é, provavelmente, pregar para os bagres. Mas, cremos, vale a pena continuar a lutar. Lutar sempre, apesar da indiferença de (quase) todos os que podiam, e deviam, ajudar a Lusofonia.
Cá estamos para ver, esperando que não se repita a história do burro que quando estava quase a saber viver sem comer… morreu.
E se cá estamos para ver, também cá estaremos para dizer quem foram os que estavam a cantar no convés enquanto o navio se afundava. Resta-nos acreditar (continuar a acreditar) que a Lusofonia pode dar luz ao Mundo e que, por isso, não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar.