O governo angolano mantém uma política de desrespeito do direito da liberdade de expressão, sustenta o relatório anual da Human Rights Watch (HRW), distribuído hoje. Novidade? Não. Exactamente o mesmo de sempre. No entanto a tendência é para se agravar com a aproximação das “eleições” em 2017. Se a isto se juntar o facto de Angola ser um dos países mais corruptos do mundo…
Por Orlando Castro
S egundo a Organização Não Governamental (ONG), a liberdade de expressão é um direito (apenas formal) severamente restrito em Angola. E porquê? Diz (e bem) a HRW que isso acontece devido à censura e à autocensura dos media estatais (obrigados a serem apenas correias de transmissão de propaganda do regime) e também ao facto de alguns meios de comunicação privados serem controlados por funcionários do partido no poder.
Os que, como nós, não se enquadram em nenhuma destas situações, sujeitam-se a todo uma vasta panóplia de pressões, ameaças e constrangimentos.
“As forças de segurança reprimem os meios de comunicação independentes, activistas de direitos humanos e outros críticos usando processos criminais de difamação, detenções arbitrárias, julgamentos injustos, intimidação, assédio e vigilância”, apontou a ONG.
A HRW lembrou que em Junho de 2015, a polícia prendeu 15 activistas que se reuniram para ler e discutir livros sobre a resistência pacífica.
O jornalista Rafael Marques, outro exemplo citado pela HRW, foi condenado a seis meses de prisão com pena suspensa por calúnia e difamação e por denúncia caluniosa contra empresas de exploração mineira e sete generais expostos por ele num livro.
Na província de Huambo, em Abril de 2015, a HRW diz que a polícia actuou com violência perante alguns críticos, tendo matado um número desconhecido de seguidores de uma seita religiosa. O número exacto é desconhecido mas sabe-se que, como revelou o Folha 8, são várias centenas.
Citando dados positivos, a ONG verificou “pequenas aberturas” no país em 2015, ao relatar que os canais de televisão TPA e TV Zimbo permitiram que grupos de oposição e da sociedade civil participassem em discussões ao vivo sobre direitos humanos.
“No entanto, tais discussões públicas sobre temas sensíveis são extremamente raras. O governo continuou a usar as leis de difamação criminal e outras leis abusivas para silenciar os jornalistas”, frisou.
No contexto internacional, a riqueza gerada pelo petróleo e o poder militar (mais de 100 mil efectivos) mantiveram Angola uma posição de liderança junto dos seus vizinhos africanos e não só. A sua presença co Conselho de Segurança da ONU mostra e demonstra a subserviência internacional a um regime que, embora ditatorial, consideram ser amigo.
“O presidente José Eduardo dos Santos desempenhou um papel importante na região, principalmente em conflitos nos Grandes Lagos, em África”, indica a organização.
Como ponto negativo de sua política internacional sobre direitos humanos, o estudo cita a falta de atenção dada às críticas feitas por alguns parceiros.
Em Maio, após os relatos sobre os confrontos no Huambo, entre polícias e elementos de uma seita religiosa liderada por Julino Kalupeteka, se espalharem pela comunidade internacional, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) pediu ao governo angolano que fizesse um inquérito mais completo.
Angola, por sua vez, acusou a OHCHR de violar os seus próprios procedimentos e exigiu um pedido de desculpas oficial, pode ler-se no relatório da HRW.
O Parlamento Europeu também tentou debater os direitos humanos no país, apelando às autoridades locais que investigassem prisões e detenções arbitrárias realizadas pelas forças policiais.
Em resposta, a ONG refere que membros do governo alegaram que a resolução foi baseada num relatório parcial e subjectivo feito por um parlamentar europeu que visitou Angola.
O levantamento publicado pela Human Rights Watch analisou a protecção aos direitos humanos entre 2014 e 2015, em mais de 90 países.
Serviçais às ordens do regime
O processo de bajulação ao regime do “querido líder”, Eduardo dos Santos, continua a alta velocidade. O MPLA está para a TPA (Televisão Pública de Angola) como a mandioca está para os angolanos de segunda, essa subespécie humana que habita as terras dos senhores feudais.
Não há membro da TPA, comentador do regime, convidado do MPLA, que se preze que não inclua o beija-mão, servil e sabujo, no seu estratégico roteiro de sobrevivência. Não poderia ser de outra forma. A TPA (tal como o Jornal de Angola, por exemplo) podia (se é que podia) viver sem o MPLA, mas não era a mesma coisa.
A TPA, que certamente ainda não reparou que o presidente de Angola está no poder há quase 37 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito, continua a ser aquilo para que foi criada. Trabalhar para os poucos que têm milhões (sobretudo para o clã de Eduardo dos Santos), esquecendo os milhões que têm pouco ou nada.
Todo aquele político, ou simples sipaio, que almeje pertencer à casta superior do regime, não pode passar sem uma prova pública, na TPA, de fidelidade canina ao “escolhido de Deus”. Isso mesmo nos provaram recentemente João Pinto, António Luvualo de Carvalho, Adelino de Almeida, Norberto Garcia, Luís Neto Kiambata e Alexandre Cose.
A não bajulação pública é, aliás, uma grave lacuna no curriculum de qualquer sipaio que vê, como o regime, na Coreia do Norte ou na Guiné Equatorial exemplos de democracia de elevado nível de pureza. E, além disso, eles entendem que bajular é sinónimo de democracia. Portanto…
Todos eles, com a perspicácia típica e uniforme de quem para contar até 12 tem de se descalçar, mostram que se não fosse o MPLA Angola ainda estaria no Século XIX, e África não constaria do mapa. E contra estes “factos” não há argumentos.
Alegam estes autómatos que o relatório aprovado pelo Parlamento Europeu (550 votos a favor, 14 contra e 60 abstenções) revela “pouca honestidade” da eurodeputada portuguesa Ana Gomes (o complexo de inferioridade até os levou a dizer que nem sabiam o nome da eurodeputada).
A mando de Eduardo dos Santos, os sipaios de serviço na TPA, reagiram raivosamente contra o relatório, acusando de conivência os únicos representantes (eram seis contra dois) da Oposição, Adalberto da Costa Júnior (UNITA) e Leonel Gomes (CASA-CE). Estiveram bem. Desempenharam a contento o papel para o qual foram contratados.
Todos esses especialistas de elevado potencial canino, distintos discípulos de Eduardo dos Santos e de Kundi Paihama, mostraram que os eurodeputados que por acaso, só por acaso, até foram eleitos, ainda têm muito a aprender com os democratas do MPLA, de modo a não fazerem um conjunto de afirmações gratuitas e não confirmadas.
Ficou evidente que a eurodeputada socialista (da mesma família política do MPLA) fez um conjunto de declarações, muitas delas gratuitas, de que é exemplo a insistência nas centenas de mortos nos incidentes com a seita Kalupeteka no Monte Sumi. Como se sabe, citando a irmã siamesa da TPA, a portuguesa TVI, nem sequer terá havido mortos entre os seguidores de Kalupeteka.
Ao admitir que o relatório aponta situações e críticas ao Governo de Angola, algumas que são de ter em conta e “em relação a elas o Governo tem estado já a trabalhar”, o ministro Bornito de Sousa mostrou que está a necessitar de umas aulas de reeducação patriótica. Ao contrário, é claro, de João Pinto, António Luvualo de Carvalho, Adelino de Almeida, Norberto Garcia, Luís Neto Kiambata e Alexandre Cose.
O titular da pasta da Administração do Território de Angola disse, entretanto, que o Governo angolano conhece o carácter da eurodeputada Ana Gomes, que respeitam, mas em alguns casos tem criado dificuldades.
“Nós sabemos que a senhora deputada Ana Gomes insistiu durante muito tempo quando era primeiro-ministro, o seu secretário-geral também, o José Sócrates, com os supostos voos da CIA numa das bases dos Açores [Portugal], isso não ficou provado”, citou Bornito de Sousa, exemplificando uma das dificuldades.
“A senhora deputada Ana Gomes uma vez foi uma das observadoras em eleições da Etiópia, e por ter feito uma declaração antes mesmo da produção dos resultados eleitorais provocou um incidente gravíssimo que desestabilizou gravemente a situação naquele país”, acrescentou.
O ministro esqueceu-se, como é conveniente, do que Ana Gomes também disse sobre as eleições em Angola. Nem tudo lembra, não é senhor ministro? Esqueceu-se ele como se esqueceram João Pinto, António Luvualo de Carvalho, Adelino de Almeida, Norberto Garcia, Luís Neto Kiambata e Alexandre Cose.
Mas nós lembramos. Ana Gomes, que integrou a missão da União Europeia, disse que eram “legítimas as dúvidas que foram levantadas por partidos políticos e organizações da sociedade civil sobre a votação em Luanda”, ou que “posso apenas dizer que a desorganização foi bem organizada”.
Mas Ana Gomes foi mais longe: “À última da hora, foram credenciados 500 observadores por organizações que se sabe serem muito próximas do MPLA e parece que alguém não quis que as eleições fossem observadas por pessoas independentes”.
Ou, “as eleições em Luanda decorreram sem a presença de cadernos eleitorais nas assembleias de voto e isso não pode ser apenas desorganização…”