A República de Angola, do ponto de vista constitucional é um Estado laico, embora a sua laicidade devido às práticas ridículas dos gestores do estado, continue questionável.
Por João Kanda Bernardo
D e facto, na qualidade dum ex-seminarista pela Igreja Católica Romana e inclusive ex-Decano num dos Seminários Religiosos com sede na Itália, assustei-me quando em pleno século XXI, portanto na idade contemporânea, apreciei numa sociedade religiosa como Angola um líder religioso que defendendo a verdade pelo tamanho do seu bolso ainda continua a passar a mensagem de que “Respeitar as autoridades instituídas, é um imperativo divino”.
Esta mensagem nem mesmo nos estados teocráticos constitui qualquer fundamento teológico nem político na idade moderna, porque foi apenas um fundamento do discurso filosófico da idade média, quando a religião era principal esfera da vida humana. O cristianismo comandava a formação da mentalidade e do imaginário, e pela Igreja passa a formação da civilização europeia. Por esta razão, o conceito de cristandade mostra-se bastante adequado. A Europa era, a despeito das singularidades de cada povo, um Reino cristão. E como a religião cristã era o motor da civilização medieval, ela atinge também a política.
Portanto é de salientar que, na “era moderna”, as “autoridades instituídas” queriam dizer autoridades criadas. Isto significa que as autoridades angolanas foram instituídas pelos cidadãos que através de um pacto entre eles criara, instituíram esta autoridade (Teoria Contratualista). Todas as vezes que as autoridades não respeitam o povo, não garantem a justiça e a segurança, não garantem o bem estar, o povo tem o direito de apelar-se ao mais alto magistrado (Deus) e aos céus (revolução/rebelião).
Foi esta a ideia defendida por John Locke, e foi esta a ideia que esteve na base da revolução americana que deu origem à revolução de Virgínia e à constituição norte americana de 1776.
Ora, respeitar as autoridades instituídas, era apenas um imperativo divino na Idade Média, onde qualquer atentado ou ofensa que o cidadão proferia a Deus por meio do Príncipe, enquanto este representava a vontade de Deus na terra por ter sido esta a fonte da legitimação do seu poder, constituía um crime de Lesa-Majestade “crimen laesae maiestatis”
Qual é o fundamento de um Crime de Lesa-Majestade num estado contemporâneo onde a fonte de legitimação do Poder é o povo, e a fonte de legalidade é a Constituição da República?
Aproveitando-se desta oportunidade que sempre me é dada neste espaço público que é o Folha 8 para me comunicar com os angolanos, gostaria de dar o meu mero contributo para ajudar a dar sentido aà laicidade no Estado angolano.
O mundo tem acompanhado a forma equivocada como o Estado angolano tem promovido a sua parceria com a religião, que até certo ponto dá a entender que o actual Governo de Angola (MPLA) pretende através das suas práticas despir os angolanos das suas virtudes teologais tais como a fé, a esperança e a caridade. Digo isto tendo em conta a prática das forças policiais que vandalizaram os jovens que recentemente pretendiam solidarizar-se com os nossos irmãos activistas cívicos, que encontram-se detidos em Luanda desde 20.06.15, através duma suposta vigília onde procederiam o ao apelo ao Céu (Appeal to Heaven – John Locke).
Com relação ao assunto já houve várias intervenções das autoridades políticas e religiosas, e inclusive a própria Igreja Católica já desmentiu a versão de que a polícia tivera entrado no templo de S. Domingos onde inclusive o celebrante sentiu-se obrigado a interromper a missa naquele momento.
Por isso eu quero deixar a seguinte mensagem:
• O Estado não pode interferir na religião e vice-versa, portanto, o governo angolano não pode subvencionar cultos religiosos, sejam eles de qualquer espécie. A impossibilidade do custeio da religião pelo Estado é indicativa dessa separação entre crença e governo, que nos leva directamente para a existência de um estado laico.
• Todo o lugar/recinto/templo onde é desenvolvido actividades religiosas é sagrado, porque o Espírito Santo não habita apenas dentro de “quatro paredes” (templo) como alguns podem pensar. Portanto a acção da polícia é interpretada como um sacrilégio se o recinto onde ela actuou pertence à Igreja em causa. E se houve sacrilégio, logo, a iIgreja é alvo de desconsagração assim como também aconteceu com o Santuário da Muxima e também com a Paróquia da Imaculada Conceição em Cabinda, onde o actual Bispo da Diocese de Benguela, nas vestes de administrador apostólico da Diocese daquele enclave do norte de Angola foi agredido com violência no dia 18 de Julho de 2005.
Na altura os agressores do então responsável da diocese cabindense, de origem italiana, incorreram na pena de interdito latae setentiate, que implica a proibição de participar de qualquer modo nas celebrações da Eucaristia e de “qualquer outra cerimónia de culto público” e de “receber os sacramentos”.
E porque é que os repressores dos jovens num recinto religioso não podem ser penalizados?
Também importa recordar que em consequência das agressões contra o bispo católico, a Igreja havia suspendido das suas funções o padre angolano Jorge Casimiro Congo, da Diocese de Cabinda, no norte do país, por alegadamente ter assistido indolente ao espancamento do administrador apostólico local Dom Eugénio Dal Corso por alguns crentes.
E porque é que a igreja não aplica uma “pena canónica” contra um sacerdote que defende sacrilégio, para inocentar o Estado?
É importante que os angolanos saibam que, desde 1957, a Santa Sé vem assumindo exclusivamente a dupla representação, tanto do “Estado da Cidade do Vaticano” quanto da “Igreja Católica”, porém a Igreja Católica é a única confissão religiosa com representações diplomáticas, logo, ela é um sujeito do Direito Internacional Público (DIP), por isso os seus patrimónios não podem ser invadidos na sequência da defesa dum regime totalitário
Para perorar gostaria de lembrar os angolanos que as igrejas são entidades morais duma sociedade, por isso é importante encontrarmos um posicionamento certo para monitorarmos melhor a relação entre o Estado e a Religião em Angola, pois o comportamento conhecido de ambas partes reflecte uma usurpação de Competências e pode fazer com que num futuro muito próximo as pessoas lúcidas prefiram ao Ateísmo.
Finalmente sendo a Igreja Católica a única confissão religiosa com representações diplomáticas deve esforçar-se mais em promover todos os seus Princípios que Constituem uma Espécie de Corpus da Moral Internacional da Santa Sé.
[…] Fonte: https://jornalf8.net/2015/angola-e-um-estado-laico/ […]