A televisão pública do regime, apesar da designação de Televisão Pública de Angola, tem feito gala – num verdadeiro orgasmo canibal – de difundir, desde sexta-feira, imagens de Luaty Beirão, querendo-o transformar num troféu da sua propaganda pró-MPLA.
L uaty Beirão é um dos 15 detidos em Luanda, acusados de prepararem um golpe de Estado para derrubar José Eduardo dos Santos, presidente nunca nominalmente eleito e que está no poder há 36 anos, e que está em greve de fome há 20 dias.
O jovem activista, músico e engenheiro, de 33 anos, voltou a ser transferido na sexta-feira para uma cadeia-hospital de São Paulo (Luanda), devido ao estado de saúde, segundo informação da família, que afirma encontrar-se “em risco de vida”.
Do ponto de vista do regime, recorde-se que, anteontem, o director-geral dos Serviços Prisionais de Angola, António Fortunato, disse: “Preocupa-nos a situação, mas o estado de saúde não é grave. Só tem a debilidade resultante da falta de proteínas, por não estar alimentado”.
As declarações de António Fortunato revelam, certamente no meio de um orgasmo propagandístico de quem, como bom sipaio do regime, o seu desejo de que Luaty Beirão vá fazer companhia, por exemplo, a Manuel Hilberto de Carvalho, “Ganga”.
“A família continua a poder visitá-lo. O problema que se coloca é que ele mantém a sua posição, recusa-se a comer. Temos de convencê-lo a mudar de atitude e tomar uma medida de força. Obrigá-lo a comer ou levá-lo para um hospital” disse António Fortunato, mostrando a têmpera selvagem de que são feitos os serviçais do regime.
“Não podemos ainda definir qual a medida mais acertada de acordo com a lei penitenciária. Vamos agir consoante os relatórios médicos”, acrescentou António Fortunato, sem esclarecer em que dia o activista foi observado pela última vez.
“Foi há uns dias atrás,” disse com a mesma desfaçatez com que as hienas famintas se riem das suas vítimas, pouco se importando que se trata de um ser humano. Bem. Seres humanos também eram Alves Kamulingue e Isaías Cassule e foi o que se viu.
Entretanto, a televisão pública do regime começou a difundir, nos espaços noticiosos, imagens do activista, na prisão, apresentadas como “exclusivo” e “desmentindo” rumores sobre a morte do jovem.
Luaty Beirão, que assina ainda com os heterónimos musicais “Brigadeiro Mata Frakuzx” ou, mais recentemente, “Ikonoklasta”, aparenta um estado de saúde débil e surge recusando-se a prestar declarações àquele órgão público.
“Admiro a persistência, mas não vou falar”, diz Luaty Beirão, nas declarações emitidas pela televisão pública do regime.
Em causa está a situação de um grupo de 17 jovens – duas em liberdade provisória – acusados formalmente, desde 16 de Setembro passado, de prepararem uma rebelião e um atentado contra o Presidente angolano, mas sem que haja uma decisão do tribunal de Luanda sobre a prorrogação da prisão preventiva.
“O meu marido está em greve de fome há 18 dias [na quinta-feira], porque está detido ilegalmente, porque as autoridades não fazem o seu trabalho. Já se esgotaram os 90 dias [primeiro prazo máximo de prisão preventiva] e não há uma decisão das autoridades dizendo se mantêm a prisão preventiva por mais 90 dias ou se os libertam, com Termo de Identidade e Residência ou com caução, já que a lei assim o permite”, disse na quinta-feira Mónica Almeida, esposa de Luaty Beirão.
Mónica Almeida falava, na ocasião, numa vigília que algumas dezenas de pessoas promoveram em Luanda, junto à igreja da Sagrada Família, a pedir a libertação dos 15 jovens e manifestando preocupação com a situação de Luaty Beirão, o único que permanece em greve de fome, de vários que a iniciaram.
“O Luaty pode morrer a qualquer momento. Numa greve de fome devia ingerir três litros de água, quando nem meio litro consegue. Os órgãos já começam a deixar de funcionar e todos os dias apresenta um quadro diferente”, disse ainda Mónica Almeida.
Luaty Beirão é um dos rostos mais visíveis da contestação ao regime angolano e já chegou a ser preso e selvaticamente agredido pela polícia do regime em manifestações de protesto, desde 2011.
É filho de João Beirão, já falecido, que foi fundador e primeiro presidente da Fundação Eduardo dos Santos (FESA), entre outras funções públicas, sendo descrito por várias fontes como tendo sido sempre muito próximo do Presidente angolano.
“Se o Luaty tiver de permanecer preso mais dez anos, que o digam, não é ficarem mudos. É por isso que ele está em greve de fome, ele tem consciência que pode ficar preso dez, 20 anos, porque sabe que a nossa Justiça não é justa. Mas que o julguem, porque eles não foram condenados”, disse ainda, anteriormente, Mónica Almeida.