TEMPO DE  REFORMAS ACELERADAS

1-O relatório do Fundo Monetário Internacional sobre Angola (Fev.2025). Nenhuma das várias intervenções do FMI em Angola teve sucesso em alterar a estrutura económica do país e ajudar a lançá-lo numa senda de desenvolvimento, demonstrando a fragilidade dos modelos de actuação do FMI em África.[1]

Por Cedesa
Centro de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social de África

Quando os resultados equívocos do FMI surgem, este escuda-se em comunicados ambíguos que permitem leituras diferenciadas e, certamente, desresponsabilizam a instituição. É o que se passa com o mais recente comunicado da organização sobre Angola, que é um verdadeiro exercício de ambivalência.

Contudo, apesar disso, ou sobretudo, devido a isso, o presente comunicado[2] é um instrumento valioso de onde se podem retirar algumas conclusões e pistas para o futuro da economia angolana, essencialmente, a necessidade de aceleração efectiva e real da reforma económica num sentido de concorrência, produtividade e modificação radical do funcionamento financeiro do Estado.

Em 24 de Fevereiro de 2025, o Conselho De Administração do Fundo Monetário Internacional (FMI) concluiu a consulta referente a Angola, ao abrigo do Artigo IV. Nessa sequência produziu um comunicado, agora tornado público.

Como aspectos positivos, o FMI realça que a economia de Angola recuperou em 2024, devido, principalmente, ao sector petrolífero. Estima-se que o crescimento do PIB tenha atingido 3,8 por cento, superando as projecções anteriores, sendo certo que este crescimento se estendeu ao sector não petrolífero. O rácio dívida pública/PIB diminuiu em 2024, beneficiando de um maior crescimento nominal do PIB e de excedentes fiscais primários sustentados. Estas são as boas notícias, a economia a crescer devido ao sector petrolífero, simultaneamente, imprimindo um efeito “spill over” aos restantes sectores.

Ao mesmo tempo, o FMI mostra-se cauteloso e algo assustado com variados problemas em que destaca o seguinte:

– Derrapagem do Orçamento Geral do Estado (contas públicas) derivadas de despesas de capital mais elevadas e atraso na remoção do subsídio aos combustíveis.

– Inflação elevada devido a pressões cambiais e preços dos produtos alimentares.

– Expectativas adversas no mercado e um serviço elevado da dívida externa colocam grande pressão no valor da moeda angolana.

Devido aos perigos iminentes, o FMI “convida” o Executivo angolano a acelerar as reformas estruturais da economia, em que enfatiza a consolidação orçamental (corte nas despesas públicas ou aumento dos impostos), a retirada dos subsídios aos combustíveis, a racionalização do investimento público e a melhoria da eficiência da despesa, o reforço da gestão das finanças públicas, incluindo o quadro de contratação pública e as reformas das empresas públicas. Igualmente, reafirma a necessidade de a política monetária manter um viés de restritivo para garantir uma desinflação duradoura.

A tónica principal, segundo o FMI, deve ser colocada em políticas pró-mercados orientadas para simplificar a regulamentação empresarial, reforçar a governação, combater a corrupção, desenvolver o capital humano e aprofundar a inclusão financeira. É igualmente necessária uma maior capacidade estatística para apoiar a elaboração de políticas sólidas.

2- Para além do FMI. As reformas necessárias. O próprio comunicado do FMI contém contradições que relevam a sua dificuldade em obter uma visão realista da economia angolana. Por exemplo, atribui a inflação à liberalização da taxa de câmbio e à subida dos preços alimentares. Lembremo-nos que foi o FMI que recomendou a adopção abrupta de uma taxa de câmbio totalmente flexível, sem reparar que uma boa parte da alimentação angolana era importada…portanto, é uma política do FMI que segundo o próprio gera inflação….

No entanto, mais abaixo fala da necessidade de uma política monetária restritiva, que é obviamente o grande problema angolano e a fonte final de toda a inflação, a atitude laxista do BNA que convive com taxas de juro de referência negativas em termos reais (taxa de juro de referência BNA, 19,5% para uma inflação de 26,48%) e tem dificuldades em controlar a massa monetária[3].

Também, é de estranhar a obsessão com o subsídio aos combustíveis, sendo evidente que a retirada dos mesmos gerará ainda mais fortes pressões inflacionistas e possíveis convulsões sociais.

Mesmo o alerta para a derrapagem orçamental parece descontextualizado. Se repararmos, o saldo para o Orçamento Geral do Estado (OGE) de Angola para 2025 é de -1,3% do PIB, nada de relevante. Na verdade, Angola não precisa de menos despesa ou de austeridade, pelo contrário, necessita sim de maior despesa eficaz.

Os problemas da economia angolana não se situam nestes eixos, mas noutros que o FMI também aborda, mas não destaca.

O primeiro problema da economia angolana é o da racionalização da despesa pública. Uma boa parte da despesa é descontrolada, não se sabe o seu destino, é resultado de sobrefacturação, esquemas corruptos, negociatas endógenas[4]. Muito mais do que nos Estados Unidos de América, é em Angola que seria fundamental um programa como o de Elon Musk e o seu DOGE (Departamento de Eficiência Governamental) com vista reduzir a burocracia e optimizar a máquina pública de Angola cortando gastos fantasmas e inventados e reformulando agências governamentais.

Ao nível da contratação pública é essencial introduzir mecanismos de concorrência. Se, porventura, o concurso público é demorado e um obstáculo ao desenvolvimento, permita-se uma contratação simplificada, mas com concorrência, talvez realizada através de leilões ou mecanismos electrónicos, revendo profundamente a actual lei da contratação que é burocrática, lenta e inaplicável.

Outro aspecto relevante é o da renegociação da dívida externa. Não se pode continuar a pagar os biliões em capital todos os anos, com o custo de oportunidade que é o desenvolvimento angolano. O pagamento da dívida externa nos termos em que está a ser feito é um obstáculo ao crescimento do país.

A nível interno, a economia privada tem de ser estimulada, criando-se as condições pró-mercado de que fala o FMI, com um grande esforço de desburocratização, liberdade de criação de empresa, fomento do crédito bancário, despolitização do empresariado e algum proteccionismo às indústrias nascentes em Angola. Mercado livre interno com protecção externa, tem de ser a receita para os anos iniciais.

Igualmente, há que perceber a rentabilidade das grandes companhias estatais, Sonangol, TAAG, entre outras, promovendo a eficiência da sua gestão e privatizando pelo menos 1/3 do capital.

Ainda agora, a presente demonstração de resultados da Sonangol apresenta mais dúvidas do que certezas, Sonangol encerrou 2024 com uma dívida de 4,5 mil milhões de dólares representando um aumento de 15,4% face ao ano anterior. Ao mesmo tempo, viu ainda as receitas caírem até aos 10 mil milhões de euros no ano passado, num recuo de 8,6% no espaço de um ano. O EBITDA (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) também recuou 8,8% em termos anuais até aos 3,2 mil milhões de euros[5]. Sejamos claros, estes resultados não são bons. Não é a catástrofe de 2015, mas é algo de pouco estimulante.

A eficiência das empresas pode ser optimizada através da privatização parcial, uma vez que uma gestão com parceiros privados tende a ser mais ágil e focada em resultados, possivelmente, a inovação será incentivada em empresas mistas. A introdução da concorrência de visões (estatal e privada) pode levar à redução de custos e à eliminação de burocracias desnecessárias. De igual modo, a venda de partes de empresas estatais pode gerar receita para o governo, aliviando restrições orçamentais e reduzindo a necessidade de financiamento público. A privatização parcial pode levar a melhorias na qualidade dos serviços, pois as entidades privadas concentram-se na satisfação do cliente. Finalmente, as empresas mistas apresentarão maior flexibilidade para se adaptarem rapidamente às solicitações do mercado.

No essencial, haverá que reestruturar totalmente a função financeira do Estado, quer ao nível de gastos, quer ao nível de dívida, quer ao nível de contratação, possivelmente, criando um departamento de eficiência como o de Elon Musk nos EUA.

Introduzir em Angola um mercado livre com perfeita independência para os empresários criarem e gerirem as suas empresas sem burocracia e interferência do Estado e a criação de mecanismos que lhes tragam capital (bancos, bolsas, capital de risco, fundos e parcerias estatais autónomas).

Privatizar até 1/3 do capital das grandes companhias estatais, incluindo a Sonangol.

Todas estas reformas deveriam ser aceleradas nos dois anos e meio que faltam para o Presidente da República João Lourenço terminar o seu mandato.

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[1] Cfr. https://actionaid.org/publications/2023/fifty-years-failure-imf-debt-and-austerity-africa

[2] Ver https://www.imf.org/en/News/Articles/2025/02/24/pr-2541-angola-imf-executive-board-concludes-2024-article-iv-consultation?cid=em-COM-123-49743

[3] https://www.makaangola.org/2024/03/bna-o-culpado-da-inflacao-em-angola/

[4] Exemplo recente de puro desperdício: https://www.makaangola.org/2025/02/os-consumiveis-do-saque-no-kuando-kubango/

[5] https://www.jornaldenegocios.pt/economia/mundo/africa/detalhe/sonangol-ve-divida-aumentar-para-43-mil-milhoes-em-2024

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