O jornalismo moçambicano enfrenta inúmeros desafios. Segundo a organização não-governamental Decide, a polícia tem reprimido todas as manifestações com violência. Mais de 300 pessoas foram mortas e cerca de três mil ficaram feridas. Muitos jornalistas fazem parte destes números. O Instituto de Comunicação Social para Africa Austral em Moçambique relata que os crimes contra a liberdade de imprensa agravaram com os processos eleitorais em 2023 e 2024.
Até Dezembro do ano passado, foram contabilizados 18 crimes contra a liberdade de imprensa, incluindo agressão, ferimento à bala, ameaças e intimidação a jornalistas, destruição de equipamentos de trabalho bem como o impedimento de cobrir eventos públicos e políticos.
Herculano Mário Marregula , operador de câmara da TV Glória na cidade de Maputo, foi uma das vítimas da actuação policial. No dia 21 de Outubro, durante uma das manifestações (convocadas para protestar contra o duplo homicídio de cunho político), Marregula foi atingido na perna pela polícia. Ele acredita que a acção policial tenha sido intencional, uma vez que foi direccionada para o local onde os jornalistas entrevistavam o candidato presidencial.
“Era uma simples homenagem aos assassinados, mas a polícia estava equipada como nunca”, conta Marregula: “Nós estávamos numa transmissão ao vivo e de repente vimos a polícia a disparar. Eu vi o comandante da unidade de intervenção rápida a dar ordens para se atirar, eu estava a captar imagens e fui logo atingindo”. O jornalista ficou dois dias internado, precisou de ser engessado e ainda enfrenta dificuldades para trabalhar.
A jornalista de direitos humanos Sheila Wilson, que trabalha no Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), tem feito a cobertura das manifestações, sofreu com o gás lacrimogéneo e viu colegas serem atingidos por balas da polícia.
“Essa é uma prova de que a liberdade de imprensa em Moçambique não é efectiva. Cobrir assuntos ligados às eleições não tem sido fácil, antes mesmo das eleições de Outubro, era difícil chegar aos locais dos factos e quando lá chegávamos éramos barrados pelas autoridades policiais”, explica Sheila Wilson.
“É constitucional que a imprensa deva ser livre. Mas nós jornalistas temos assistido dias difíceis, porque vemos sempre uma resposta violenta das autoridades,” afirma a jornalista.
Quem pratica jornalismo de cidadania tem sido ainda mais prejudicado. “Temos o caso do blogueiro Shottas que foi morto a tiros, quando estava a exercer o seu direito, denunciando actos de violência”, relembra Sheila Wilson.
A jornalista diz ainda que o jornalismo em Moçambique tem existido na base da coragem e determinação: “Há situações em que os jornalistas não conseguem publicar determinada matéria porque o material foi confiscado pela polícia”. Para ela a situação deixa traumas sobretudo pela falta de capacitação dos profissionais para cobertura de cenário de conflitos.
O responsável pela comunicação do Instituto de Comunicação Social para Africa Austral (Misa) em Moçambique, Armando Nhantumbo, denuncia que a polícia durante as manifestações não cumpre o seu papel, uma vez que devia tomar as medidas necessárias para que a repressão contra os manifestantes não atingissem os jornalistas.
“Os jornalistas não estão nas ruas porque querem, ou porque gostam, e nem porque apoiam os manifestantes, mas estão nas ruas porque a profissão obriga. Infelizmente a polícia age de maneira violenta”, diz Armando Nhantumbo. Ele cita o quanto foi difícil prestar socorro a um jornalista ferido justamente durante o funeral do blogueiro Shottas e considera grave “o fecho do país para o exercício das liberdades fundamentais”.
Armando Nhantumbo apresenta outros exemplos de violação aos direitos da imprensa, quando em Gilé, na Zambézia, jornalistas portugueses foram expulsos pelas autoridades com a desculpa de falta de visto. “A fotografia geral é muito trágica de uma enorme intolerância, em que não só se procura silenciar os cidadãos que tentam exercer o seu direito de manifestação, mas também os jornalistas,” explica Armando Nhantumbo.
Nas eleições autárquicas de 2023, durante a contagem dos votos, alguns activistas denunciaram um corte de internet por alguns minutos. Este corte voltou a ocorrer durante as manifestações. O Governo justificou que a acção foi feita pelas operadoras de telefonia móvel para que não fossem usadas como veículo de informação para destruir o país. Organizações no país ligadas à liberdade de expressão submeteram uma providência cautelar junto do tribunal de Maputo, que decidiu proibir as operadoras de bloquearem a internet.
“A internet foi desligada por ordens superiores e foi difícil porque eu trabalho online, faço lives. Ainda pior para quem não tem literacia digital e não sabia que era possível aceder por via de VPN”, explica Sheila Wilson. “Nós jornalistas tivemos que no reinventar para transmitir informações aos cidadãos, mas acima de tudo é nosso papel como jornalistas informarmos que o corte da internet é uma violação de direitos humanos”, recorda.
“Quando os relatórios de avaliação do estado da liberdade de imprensa e de expressão, da democracia em Moçambique saírem em 2025 continuaremos a ser tratados como um regime autoritário”, diz Nhantumbo, pois “enquanto país, temos que lutar para mudar isso, porque não podemos dizer ao mundo que somos uma democracia enquanto disparamos contra jornalistas”.