O economista angolano Daniel Sapateiro considerou que não há condições para fazer ajustes nos preços dos combustíveis este ano e que os preços do petróleo comprometem a execução orçamental, prevendo a necessidade de um Orçamento rectificativo.
Daniel Sapateiro falava aos jornalistas à margem da conferência sobre o Balanço e Perspectivas da Política Monetária organizada pelo Banco Nacional de Angola (BNA) e salientou que os indicadores apresentados foram optimistas, nomeadamente crescimento do Produto Interno Bruto para 2025 superior a 3% e uma inflação de 17,5%, quando a inflação de 2024 foi fixada em 27,5%.
No entanto, o economista acrescentou que há riscos internos e externos. Entre estes lembrou que o novo Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, ambiciona uma industrialização cada vez mais rápida e forte e vai incentivar a produção de petróleo e de gás de xisto, o que significa baixar o preço da gasolina e “inundar o mundo com petróleo”.
O economista notou a este propósito que as previsões do Fundo Monetário Internacional são de 69,76 dólares para o preço médio do petróleo em 2025, enquanto o OGE parte de um pressuposto de 70 dólares, admitindo que a evolução dos preços possa não ser positiva.
“Há esse risco do petróleo. E se o petróleo estiver abaixo dos 70 dólares, ou mesmo estando dos 70 a 73 dólares, está em risco, aqui, a questão da execução orçamental de 2025. Desde Outubro, Novembro, que eu prevejo que haja um orçamento rectificativo em Angola, para a correcção da receita pública”, destacou o também docente universitário.
Em termos de riscos internos, apontou o mês de Abril como um “pré-Natal”, devido à implementação dos aumentos prometidos aos funcionários públicos com retroactivos a Janeiro, com impacto nos níveis de inflação, já que a liquidez no mercado vai “carregar bastante na procura”.
“As pessoas vão ter mais dinheiro e vão procurar mais bens e serviços. A inflação vai sentir esse peso. Se nós aumentarmos os preços dos combustíveis, piorará a situação e nós não temos economia nem produtividade”, considerou Daniel Sapateiro, avisando para o impacto da retirada dos subsídios aos combustíveis sobre a economia.
Defendeu, por outro lado, uma política de preços fixos e vigiados na área da saúde, em que a inflação foi significativa, devendo ser igualmente definidos os produtos que devem contemplar uma cesta básica para fazer uma “programação, em termos de preço e de controlo de preços” desses produtos.
PARA MANTER A TRADIÇÃO… DE RECTIFICATIVO EM RECTIFICATIVO
No dia 29 de Janeiro de 2019, o Governo anunciou que iria avançar com uma revisão do OGE desse ano “no primeiro trimestre”, devido à “tendência baixista” do… preço do barril do petróleo, que continuava abaixo da previsão dos peritos do Governo, estabelecida nos 68 dólares. Nada melhor do que ter peritos que para contarem até 12 têm de se descalçar.
“Vamos entrar para o segundo mês do ano, estamos a analisar a situação e estamos numa posição de organizar já um Orçamento que tenha um preço de referência do petróleo, que não seja aquele que apresentamos em Dezembro”, disse na altura Manuel Nunes Júnior, ministro de Estado para o Desenvolvimento Económico e Social de Angola.
De acordo com o governante, a perspectiva da revisão do OGE de 2019, cuja versão em vigor estimava receitas e fixava despesas em 11,3 biliões de kwanzas (32,2 mil milhões de euros).
Elaborado com o preço médio do barril de 68 dólares – previsão de receitas com a exportação petrolífera -, o Orçamento Geral do Estado foi aprovado pelo Parlamento a 14 de Dezembro de 2018 e durante as discussões nas comissões especializadas do Parlamento o Governo já aventava a possibilidade de avançar com um orçamento rectificativo.
Provavelmente o próximo orçamento rectificativo vai igualmente aventar a possibilidade de um novo orçamento rectificativo que, por sua vez, aventará… e assim sucessivamente.
No dia 29 de Janeiro de 2019, Manuel Nunes Júnior, que falava aos jornalistas no final da visita de constatação ao Entreposto de Madeira de Luanda, no município do Icolo e Bengo, deu conta que o Governo já realizava “estudos e consultas” para a revisão do Orçamento no primeiro trimestre de 2019, o que certamente não teve tempo de fazer em relação ao OGE que apresentara há muito tempo, ou seja, há pouco mais de um… mês.
“Estamos a estudar um novo preço de referência e a fazer consultas com alguns organismos no mundo que são especializados nesta matéria para que o preço de referência que apresentarmos seja o mais próximo da realidade”, argumentou.
Registe-se, em defesa da competência do Governo de João Lourenço, que em Dezembro de 2018 não foi possível “fazer consultas com alguns organismos no mundo que são especializados nesta matéria” porque, nessa altura, esses organismos ou não existiam ou estavam de férias.
Manuel Nunes Júnior defendeu ainda “ser muito difícil fazer uma revisão do OGE perfeita”, porque “até os grandes especialistas mundiais nesta matéria falham”. Nem mais. Basta, aliás, verificar que esses especialistas tiveram um estrondoso fracasso quando, por exemplo, disseram que Angola era um Estado de Direito.
“Queremos é ter precaução e cuidado necessário para que o preço que apresentarmos seja com alguma solidez e que não seja facilmente ultrapassado pela realidade”, adiantou Manuel Nunes Júnior, esquecendo-se de pedir desculpa por prometerem fazer agora o que deveriam ter feito em Dezembro.
Recorde-se que, de acordo com dados do relatório de fundamentação da proposta de Orçamento Geral do Estado para 2019, o Governo estimava a exportação de cada barril de crude a um preço médio a 68 dólares, face aos 50 dólares inscritos nas contas de 2018. O sector petrolífero representava mais de 80% das receitas do Estado/MPLA.
As tretas genéticas do MPLA
No dia 16 de Outubro de 2018, o Governo estimou que a dívida pública do país rondava os 70.000 milhões de dólares, garantindo que o Programa de Estabilização Macroeconómica “vai reduzir o peso da dívida”, prevendo já para 2019 um Orçamento sem défice. Boas contas. Nem sequer é um défice pequeno. É, pura e simplesmente, sem défice.
A banha da cobra foi-nos então vendida pela secretária de Estado para o Orçamento, Aia Eza da Silva, quando procedia à apresentação do Quadro Macroeconómico 2019 e os Limites da Despesa para Elaboração do Orçamento Geral do Estado (OGE) 2019.
Aludindo aos 83 programas estruturantes constantes no Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, a governante recordou que, no documento, estavam expressos limites para as despesas, tendo exortado os ministros e governadores provinciais a estabelecerem prioridades.
“O plano é o mundo ideal, é o mundo em que, se pudéssemos, realizaríamos tudo. Mas, depois, temos de caminhar no mundo real, que é a limitação dos recursos que temos”, afirmou.
Apesar da subida do preço nos mercados internacionais do “Brent”, índice de referência das exportações do petróleo em Angola, a secretária de Estado para o Orçamento pediu “ponderação”, recordando que o país se endividou muito nos últimos anos.
“Lembram-se que andamos a pedir muitos empréstimos, a nossa dívida governamental hoje está a rondar os 70.000 milhões de dólares. Não conseguiremos resolver isto se se continuar a fazer a despesa com o dinheiro que estiver a ganhar hoje”, disse.
“O Governo empenhou-se num Plano de Consolidação Fiscal, no quadro do Programa de Estabilização Macroeconómica (PEM), e estamos a querer provar à sociedade e aos parceiros financiadores de que estamos sérios no nosso plano”, acrescentou.
Falando nesse dia num encontro de auscultação com os parceiros sociais do Governo sobre a proposta do OGE 2019, Aia Eza da Silva salientou que o PEM visava, entre vários propósitos “reduzir o nível de dívida” que o país tem.
“Não queremos continuar envolvidos em défices fiscais. Se ponho a despesa que o Governo todo pede para 2019 no OGE, ficamos com um défice fiscal que é próximo dos 10% do Produto Interno Bruto (PIB)”, explicou.
No domínio dos pressupostos de referência para o OGE de 2019, a secretária do Estado para o Orçamento fez saber que o exercício económico de 2019 “provavelmente não terá défice”.
“O OGE não terá défice. Mas, depois, os governantes e sociedade civil virão a nós e dirão: ‘se não há défice podemos fazer despesas’. Quer dizer que a receita está já a ficar maior do que a despesa”, vaticinou.
Segundo as projecções do Governo, reveladas pelo próprio Titular do Poder Executivo, a economia angolana poderia registar, em 2019, um défice igual ou inferior a um 1% do PIB e um aumento das receitas fiscais na ordem de 9,8%.
De acordo com o também Chefe de Estado, a redução do défice implicaria menor necessidade de endividamento do Estado, com efeitos positivos em toda a economia, sobretudo no que diz respeito à redução das taxas de juros a serem praticadas no mercado nacional.
No seu discurso sobre o Estado da Nação, João Lourenço lembrou que em 2017 houve um défice de 5,7% do PIB, contra 3,4% de 2018.
Aia Eza da Silva observou que o excedente das receitas dos Orçamentos, a partir de 2019, serviria para liquidar as dívidas contraídas pelo país em anos anteriores.
“O que não podem esquecer, sobretudo nos próximos dois ou três anos, é o passivo. Vamos ter as contas acertadas, bonitas para 2019. Todavia, todo o excedente que se conseguir dessa receita vai para começar a liquidar o passivo”, argumentou.
Por sua vez, o ministro de Estado para o Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior, que presidiu ao encontro, referiu que, em relação à dívida pública, “só será pagável de maneira sustentada se o país crescer”.
“Se o país não crescer, teremos uma situação bastante difícil do ponto de vista fiscal. Há uma regra básica que indica que, se a taxa de juro com que nós pedimos emprestado for superior à taxa de crescimento económico, estaremos numa situação complicada”, salientou.
“Temos de garantir que o nosso crescimento económico seja suficientemente dinâmico para permitir que esta dívida seja paga com nova riqueza criada pelo crescimento económico”, concluiu.