O advogado angolano Zola Bambi disse hoje que continuam “detidos arbitrariamente” os activistas que no sábado preparavam a manifestação contra a fome, pobreza e desemprego, em Luanda, pedindo a sua libertação “por não terem cometido qualquer crime”.
O advogado afirma que “continuam a ser detenções arbitrárias, porque você não pode prevenir desta forma, porque as pessoas foram exercer esse direito e simplesmente detiveram as pessoas; privam as suas liberdades e é clara detenção arbitrária ao ponto de considerarmos isso um cárcere privado, por vontade de certas pessoas, o que contraria os princípios de um Estado democrático”.
Em declarações à Lusa, Zola Bambi deu conta que a polícia deteve, no sábado, 12 activistas, enquanto se concentravam no Largo do Mercado de São Paulo e ruas adjacentes, para a realização da manifestação que deveria seguir até ao Largo da Maianga, centro da capital.
O advogado lamentou que os activistas continuem detidos sem qualquer acusação específica, pedindo a sua libertação, receando que, na segunda-feira, possam ser “forjadas provas para os incriminar”.
Zola Bambi sublinhou que os activistas estavam apenas a preparar a manifestação, previamente comunicada às autoridades.
Para o advogado, também coordenador do Observatório para a Coesão Social de Justiça (OCSJ), os manifestantes deveriam ter sido soltos no sábado, por respeito à lei, à Constituição e aos compromissos internacionais que Angola assumiu no domínio dos direitos humanos.
“A polícia adiantou-se no espaço e, quando iam chegando [os manifestantes], conseguiram focalizar as pessoas mais influentes”, afirmou. Assim “aquilo era prender sem nenhuma justificação, era mesmo constranger os direitos dos cidadãos”, apontou.
“Então, esperamos que amanhã [segunda-feira] sejam mandados para a casa, porque não há nada que possa nos levar à convicção de que violaram alguma norma”, conclui o advogado líder do OCSJ.
A polícia angolana dispersou a manifestação contra a fome, pobreza e o desemprego, que estava agendada para este sábado, em Luanda, com disparos de gás lacrimogéneo e “várias detenções”, disseram alguns activistas.
Mais de 50 activistas concentraram-se na manhã de sábado no largo do Mercado de São Paulo, em Luanda, de onde partiria a marcha de protesto contra o elevado custo de vida no país, mas a manifestação foi “travada” por efectivos da corporação antes mesmo do seu arranque.
Segundo o activista Pascoal Figueira, no local estavam já perfiladas quatro patrulhas da polícia nacional, que inicialmente, como afirmou, ameaçaram os manifestantes, passando depois à agressão e à detenção.
Alertar as autoridades para a redução da cesta básica e melhoria das condições de vida dos cidadãos era um dos propósitos da manifestação, convocada pela denominada Unidade Nacional para Total Revolução em Angola (UNTRA), cujo líder também está entre os detidos.
FALAR DE FOME ARROTANDO A CAVIAR
A Frente Patriótica Unida (FPU) disse no dia 27 de Novembro de 2024 que o problema da fome em Angola “é grave” e “não deve deixar ninguém sossegado”, considerando que o país precisa de medidas efectivas e sustentáveis para o seu combate. Será caso para perguntar se faz sentido arrotar a caviar quando se analisa a fome?
A fome em Angola “é um facto, ela é real e não relativa como se tem dito nas vozes oficiais. A caminho de 50 anos de independência, com 22 anos de paz, os nossos cidadãos recorrem à disputa dos contentores de lixo para poderem comer alguma coisa e isso não deve deixar ninguém sossegado”, afirmou na altura o secretário-geral da UNITA, Álvaro Chikwamanga.
Segundo o político da UNITA, o maior partido na oposição que, a muito custo, o MPLA ainda permite, o problema da fome “é grave e o país precisa de medidas efectivas e sustentáveis” para o seu combate.
Medidas que, para Álvaro Chikwamanga, devem incidir em “fortes investimentos” em infra-estruturas que “estimulem a produção e encorajem o investimento”.
O político, que fazia o balanço da manifestação promovida na altura pela FPU, plataforma da oposição que congrega os partidos UNITA, Bloco Democrático (BD) e PRA JA Servir Angola, recordou que milhares de pessoas saíram à rua “por uma Angola livre da fome, da pobreza e da violação sistemática do Estado democrático de direito”.
A marcha foi motivada pelo “problema gritante da fome que afecta perto de 9 milhões de angolanos, fenómeno verificável um pouco por todo o país e não apenas na capital Luanda”, pela “pobreza que cresce todos os dias e afecta cerca de 17 milhões de angolanos” e pelo alto custo de vida, afirmou.
Tal como agora, os protestos tiveram também na origem a violação aos direitos humanos, das liberdades fundamentais dos cidadãos, a existência de “presos políticos nas cadeias de Angola, o desrespeito à vontade popular expressa nas urnas e a não-realização das eleições autárquicas”, acrescentou.
A marcha, que juntou políticos, activistas e membros da sociedade civil e percorreu as ruas da capital angolana sem quaisquer incidentes, teve uma participação “activa, voluntária e entusiasmada” dos cidadãos, sobretudo jovens que respeitaram as instituições republicanas, frisou.
O também deputado à Assembleia Nacional lamentou ainda o que considerou de “presença excessiva e ostensiva de forças especiais” da Polícia Nacional no decurso da marcha e o “bloqueio” destes nas ruas onde passariam os manifestantes.
“Perante este facto, devemos sensibilizar a polícia para que não venha obstruir a liberdade dos cidadãos que se manifestam nos marcos da lei (…). Lamentar o tratamento desigual que a polícia tem dado às marchas organizadas pelo partido no poder (MPLA) em relação às organizadas pelos partidos na oposição e sociedade civil”, concluiu Álvaro Chikwamanga.
No dia 5 de Março de 2024, o Presidente brasileiro, Lula da Silva, fez “um compromisso de honra” de acabar com a fome no país até ao fim do seu mandato, em 2026. Não dará para Lula “emprestar” a estratégia ao seu querido amigo general de três estrelas João Lourenço, para ele fazer o mesmo em Angola?
Lula da Silva, que falava no Palácio do Planalto, em Brasília, durante uma reunião do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, disse peremptoriamente: “É um compromisso de honra, de fé, de vida, a gente acabar com essa maldita doença chamada fome que não deveria existir”.
“Ao terminar o meu mandato, no dia 31 de Dezembro de 2026, a gente não vai ter mais ninguém passando fome por falta de comida neste país”, garantiu. Parafraseando Lula da Silva, será que, em Angola, os 20 milhões de pobres passam fome sem ser “por falta de comida”?
Dirigindo-se ao seu Governo, o chefe de Estado brasileiro disse que este objectivo só não será cumprindo “se a gente virar preguiçoso e a gente não trabalhar”. Boa!. Não se aplica em Angola. Ser preguiçoso e não trabalhar é, há 50 anos, a pedra de toque dos governos do MPLA.
“Nós temos todos os instrumentos para acabar com a fome no país”, sublinhou, referindo-se ao facto de o país ser um dos principais produtores e exportadores de agro-pecuária do mundo.