O Fundo Monetário Internacional (FMI) e ministros das Finanças africanos, reunidos hoje em Washington, defendem que a mobilização dos recursos internos deve ser “uma prioridade central” para angariar mais receita e financiar investimentos que promovam crescimento económico.
Numa declaração emitida pela directora executiva do FMI, Kristalina Georgieva, e pelo ‘caucus’ africano, que representa os ministros das Finanças dos países da região, lê-se que “o reforço da mobilização de recursos internos continua a ser uma prioridade central, apoiada por reformas de governação para melhorar a gestão das finanças públicas, aumentar a transparência fiscal e reforçar a responsabilização”.
No comunicado, divulgado no âmbito dos Encontros Anuais do FMI e do Banco Mundial, que decorreram esta semana na capital dos Estados Unidos, assumem que “as estratégias orçamentais de médio prazo terão como objectivo equilibrar a consolidação com o crescimento e criar espaço para investimentos prioritários, complementados por reformas estruturais para promover o desenvolvimento do sector privado, aprofundar a integração comercial e gerar empregos”.
No texto, defendem “que também é essencial construir resiliência aos choques climáticos, uma vez que os eventos climáticos extremos já estão a reduzir a produção em um a dois pontos percentuais anualmente nas economias mais vulneráveis”.
Num “contexto global difícil”, os responsáveis salientam o crescimento de África acima dos 4%, a estabilização do rácio da dívida face ao Produto Interno Bruto (PIB) nos 65% e a redução da inflação para uma média de 4%, mas reconhecem que há muitos desafios.
“As vulnerabilidades continuam a ser significativas: em muitos países de baixo rendimento, os pagamentos de juros absorvem cerca de 15% das receitas, enquanto o financiamento externo é limitado pelos elevados custos de financiamento e pela diminuição da ajuda oficial”, num contexto em que “os Estados frágeis e afectados por conflitos enfrentam desafios particularmente graves, e o rendimento ‘per capita’ em muitos países ainda não recuperou os níveis pré-pandemia”.
O FMI tem em curso uma reforma da sua capacidade de financiamento aos países mais pobres, tendo lançado nos últimos anos um conjunto de iniciativas para facilitar os desembolsos e aumentar os instrumentos de ajuda financeira.
Entre estas medidas está a criação do Fundo Fiduciário para a Redução da Pobreza e o Crescimento, que deverá garantir empréstimos anuais de mais de sete mil milhões de dólares, cerca de seis mil milhões de euros, aos países mais pobres, que beneficiarão de maturidades mais longas e financiamento sem juros.
Para além disso, o Fundo também lançou o Fundo Fiduciário para a Resiliência e Sustentabilidade, destinado a fortalecer as economias particularmente afectadas por desafios estruturais, e que tem como objectivo “fortalecer a preparação para pandemias e construir resiliência climática, com 26 programas aprovados até o momento, quase metade deles em África”.
Recorde-se que o representante do FMI Angola, Victor Lledo, disse no passado dia 5 de Junho que não há negociação com Angola para um novo programa de apoio, mas que a instituição financeira “segue muito próximo como aconselhador”.
Victor Lledo referiu que apresentou o Relatório sobre as Perspectivas Económicas Regionais da África Subsaariana, com foco na sua Recuperação Interrompida, explicando que “o que fazemos regularmente é partilhar com o Governo, com as autoridades de Angola, quais seriam as opções de financiamento caso queira requisitar formalmente um programa com o Fundo Monetário Internacional”.
À margem da apresentação feita nesse dia, em Luanda, na Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto, Victor Lledo disse que o FMI continua também a facultar ao Governo de Angola capacitação dos seus quadros.
Relativamente às perspectivas económicas, o especialista referiu que África, e Angola, iniciaram em 2024 um processo de recuperação económica bastante encorajador, passando de 3,6% em 2023, para 4% em 2024, e Angola neste período acelerou o seu crescimento económico de 1% para 4,5%.
Essa recuperação foi acompanhada de uma redução de desequilíbrios macroeconómicos, como a inflação, níveis da dívida pública e de reservas e maior estabilidade cambial, realçou, resultando numa melhoria do acesso aos mercados internacionais, apoiados por “medidas de política económicas difíceis”, como flexibilização da taxa de câmbio e redução de subsídios.
“Infelizmente, essa recuperação incipiente, tanto em África como em Angola, corre o risco de ser interrompida este ano, em função do cenário global actual de acentuação da guerra tarifária, na medida que gera incertezas, impactando negativamente as perspectivas de crescimento global e os preços das matérias-primas, inclusive o petróleo”, referiu.
As projecções de crescimento, para este ano, do continente africano e, em particular, de Angola, tendo em conta esses efeitos, “devem abrandar para 3,8% e 2,4%”, respectivamente, cenário “agravado pelo declínio da ajuda externa”.
Victor Lledo destacou a necessidade de mitigar esses choques externos, com maior mobilização das receitas domésticas, reformas para o aumento da eficiência e a transparência na gestão das finanças públicas, de forma a reduzir os custos de financiamentos externos, e reformas estruturais para acelerar a diversificação económica e aumentar a integração comercial da região.
Sobre o desafio da inflação em Angola, o representante do FMI sublinhou que a taxa continua alta, mas tem apresentado gradualmente uma tendência “fortemente declinante”, passando “de um pico de 30%, em Julho de 2024” com os últimos dados a apontarem “um pouco acima de 22%”.
“Em grande medida por uma política monetária restritiva adoptada pelo Banco Nacional de Angola e a nossa posição é que essa política monetária é bem-vinda e deve ser continuada até que a inflação demonstre uma queda para perto de um dígito”, frisou.
Quanto à retirada da subvenção aos combustíveis, Victor Lledo frisou que os subsídios “são extremamente regressivos e tendem a beneficiar camadas de renda mais elevada da população”, consumindo “espaço fiscal necessário e fundamental” para despesas de protecção social e de infra-estruturas.
A ministra das Finanças angolanas, Vera Daves, afirmou, em Abril passado, que haverá ainda este ano mais cortes nos subsídios aos transportes, que ocorre desde 2023 de forma gradual.
De acordo com a responsável, é importante que esta reforma prossiga, enfatizando que aumentos adicionais do preço dos combustíveis devem reflectir na melhoria das condições das camadas mais vulneráveis.
“O que o Governo de Angola tem feito foi, a par e passo com o aumento do subsídio dos combustíveis, a expansão do Kwenda [programa de transferências monetárias para famílias vulneráveis]. É muito importante que esta situação siga, não só em zonas rurais, mas também em zonas urbanas, essa e outras modalidades de compensação”, salientou.
Victor Lledo enfatizou a necessidade também de uma boa comunicação dos seus objectivos, e reformas de gestão das finanças públicas, para aumentar a transparência fiscal dos recursos, “muito importante para dar confiança à população de uma forma geral, de que o dinheiro está a ser gasto no destino correcto”.