GABINETE PRESIDENCIAL, PALÁCIO DA CIDADE ALTA (LUANDA)

Numa sala austera do Palácio Presidencial, onde a luz amarelada reflectia nas pastas de documentos selados, a Ministra das Finanças, Vera Daves, fixava o olhar no Presidente João Lourenço. Ele, sentado atrás da sua secretária maciça de mogno, folheava distraidamente um relatório, sem levantar a cabeça.

Por Malundo Kudiqueba

Vera Daves — Senhor Presidente, permita-me falar sem rodeios — disse ela, a voz firme, sem hesitação.
João Lourenço ergueu os olhos, curioso, mas sem demonstrar surpresa. Ela continuou:
— O que o senhor rouba num só dia, todos os ministros juntos não conseguiriam roubar ao longo da vida.
O silêncio caiu como um peso de chumbo sobre a sala. O ar condicionado zumbia baixinho, mas o ambiente estava carregado.
Lourenço encostou-se na cadeira, cruzou os dedos e esboçou um sorriso frio.
— Vera, estás a acusar-me de quê, exactamente?
Ela pousou um dossiê sobre a mesa.
— Eu sou Ministra das Finanças. Sei de tudo. Sei para onde vai cada kwanza desviado, cada conta fantasma, cada contrato inflacionado. Sei quem são os testas de ferro, os offshores e os esquemas de lavagem.
Lourenço riu, mas os seus olhos traíam um lampejo de desconforto.
— Estás a esquecer-te de quem manda aqui?
Ela recostou-se na cadeira, sem medo.
— E o senhor está a esquecer-se de que os ventos mudam. Os dossiês falam. E há quem já os esteja a ouvir.

JOÃO LOURENÇO:
– Vera… isto já passou dos limites. A situação no Ministério das Finanças está a fugir do controlo. Os rumores, os escândalos… Não posso ignorar. Está na hora de agir.
VERA DAVES:
(Sorrindo de lado, com um toque de sarcasmo.)
– Agir? E o que isso significa, Presidente? Vai-me exonerar para mostrar ao povo que tem mão firme? Vai sacrificar-me como se eu fosse a única culpada?
JOÃO LOURENÇO:
(Desvia o olhar por um segundo, mas recupera a compostura.)
– Precisamos de respostas. A corrupção… os desvios… tudo isto está a manchar o Executivo.
VERA DAVES:
(Interrompendo, ríspida.)
– Ah, Presidente… vamos parar com o teatro. O senhor sabia de tudo. Sabia dos esquemas, das jogadas no Ministério. Ou quer que eu acredite que todas aquelas transferências milionárias, as adjudicações duvidosas, os offshores, passaram despercebidos?
JOÃO LOURENÇO:
(Sério, a voz firme, mas com um leve tremor.)
– Eu não sou responsável pelas tuas acções, Vera. Cada um responde pelos seus actos.
VERA DAVES:
(Ri, balançando a cabeça.)
– Não me faça rir, Presidente. Eu não roubei sozinha. Ninguém rouba sozinha neste país — muito menos no Ministério das Finanças. Se eu caio, levo comigo todos os que partilharam do mesmo bolo. E isso inclui o senhor.
JOÃO LOURENÇO:
(Apertando a caneta entre os dedos, a voz mais baixa, quase um sussurro.)
– Estás a ameaçar-me?
VERA DAVES:
– Não, estou a recordar-lhe que não tem autoridade moral para me exonerar. Como vai justificar ao povo? Vai dizer que descobriu agora? O senhor sabia. Sempre soube. E beneficiou.
JOÃO LOURENÇO:
(Batendo levemente na mesa.)
– Eu tirei os velhos porque roubavam sem vergonha. Pensei que contigo seria diferente. Mas não… Fizeste igual — ou pior.
VERA DAVES:
(Cruza os braços, implacável.)
– E o senhor? Como conseguiu enriquecer tanto em tão pouco tempo? Quer mesmo abrir essa caixa de Pandora? Porque, Presidente, se eu sou bilionária hoje… é porque segui o exemplo de quem está no topo.
(Silêncio. João Lourenço recosta-se na cadeira, passando a mão pelo rosto, pensativo. Vera mantém-se firme, sabendo que, por enquanto, continua intocável.)
VERA DAVES:
(Cruza os braços, inclinando-se ligeiramente para a frente.)
– Presidente, foi afastado do cargo de mediador do conflito na RDC. Aquilo que queria que fosse o seu legado – o grande campeão da paz em África – desmoronou-se em tempo recorde. O senhor devia sentir-se envergonhado.
JOÃO LOURENÇO:
(Exaltado.)
– Vera, não mudes de conversa! Estamos aqui para falar dos roubos na AGT!
VERA DAVES:
(Cruza os braços, impassível, com um sorriso cínico.)
– Ah, então hoje o Presidente quer manter o foco? Óptimo. Vamos falar de roubos na AGT. Mas falemos de todos os roubos, não só dos meus.
(Dá um passo à frente, olhando João Lourenço directamente nos olhos.)
– O Presidente quer mesmo discutir para onde foi o dinheiro? Quer que eu comece a listar os contratos fraudulentos, os esquemas de facturação duplicada, as adjudicações sem concurso que beneficiaram “os amigos do palácio”? Quer que o povo saiba quanto realmente foi parar a certas contas no exterior?
(Faz uma pausa, deixando o silêncio pesar.)
– Ou será que só sou criminosa quando já não sou útil ao sistema?

Artigos Relacionados

Leave a Comment