EM CAFUNFO O MEDO É QUEM MAIS ORDENA

Seis em cada 10 jovens em Cafunfo, vila mineira angolana onde em 2021 mais de uma centena de pessoas foram mortas pela Polícia do MPLA num protesto, declararam ter medo de se expressar, segundo um estudo hoje divulgado.

Para 70% dos jovens a pobreza e a violência estão entre os principais problemas, revela-se também no estudo “Akweze Cafunfo. Silêncio Ensurdecedor” sobre a situação dos direitos humanos da juventude nesta zona mineira da província da Lunda Norte, promovido pela organização Mosaiko e apresentado em Luanda.

Foram validados mil inquéritos a jovens com idades entre 15 e 35 anos feitos em vários bairros de Cafunfo, localizado no município do Cuango, onde a incidência da pobreza constitui mais um êxito do MPLA, atingindo 90,4% da população.

A vila mineira, sem estatuto administrativo-político claro, tem uma população estimada de cerca de 150 mil habitantes e localiza-se nas proximidades da Sociedade Mineira do Cuango, uma zona de exploração diamantífera, com uma produção média de 28 mil quilates/mês.

Os jovens inquiridos, dos quais apenas 22% completaram o ensino médio, estão na sua maioria desempregados (60%), havendo 23% com empregos informais, 4% com empregos formais e 8% que se dedicam ao garimpo (actividade ilegal de exploração de diamantes), enquanto 5% afirmaram não ter idade para trabalhar.

Cerca de 30% declararam ganhar por mês menos de 15 mil kwanzas (15 euros) e 16% conseguem entre 26 mil e 40 mil kwanzas e 39% responderam que os rendimentos não são suficientes para sustentar a família.

No relatório do Mosaiko, 44% dos participantes disseram que os direitos humanos são completamente desrespeitados ou pouco respeitados pelas autoridades locais e pelo Governo de Luanda e 27% prefeririam não responder.

Entre estes direitos destaca-se a maior insatisfação com o acesso à energia pública (91%), acesso a água potável e direito ao saneamento básico (87%), enquanto 83% se declararam pouco ou nada satisfeitos com o direito ao lazer e espaços públicos, com o direito a não ser detido arbitrariamente e com o direito à justiça.

A liberdade de ir e vir recolheu um maior grau de satisfação com 40% de satisfeitos ou muito satisfeitos.

Os problemas são normalmente apresentados à polícia (53%), indica-se no estudo, segundo o qual “este resultado aponta para um cenário de conformidade numa vila altamente securitizada, quer por forças de ordem publica, quer por empresas privadas, onde a desconfiança reina”.

A maioria dos inquiridos fez uma apreciação negativa de Cafunfo: 57% pensam que a vila não é pacífica, segura e tranquila; 69% afirmam que há muita pobreza, 69% dizem que há muita violência, 57% indicam que a vida é complicada por causa dos imigrantes e 45% consideram que a vida é difícil por causa da indústria mineira, que dizem não contribuir para o desenvolvimento (67%).

Aos jovens foi também perguntado sobre a liberdade de expressão, com 58% a declararem que as pessoas têm medo de participar e de se expressar livremente, enquanto 18% mostraram opinião contrária e 24% optaram por não responder.

Foram também questionados sobre os acontecimentos de 31 de Janeiro de 2021, que ficou conhecido como “Massacre de Cafunfo” e 54% consideraram que não foi feita justiça, 20% responderam “não sei”, 17% preferiram não responder e apenas 9% disseram que sim.

O massacre, que causou um numero indeterminado de pessoas em Cafunfo (entre menos de dez na versão oficial a mais de 100 na versão de organizações não-governamentais e activistas) teve diferentes versões: a Polícia disse que se tratou de um ataque à esquadra num acto de rebelião do Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe, enquanto moradores e membros do movimento falavam numa tentativa de manifestação contra as más condições de vida que foi reprimida com violência.

Em Fevereiro de 2921, a delegação da União Europeia em Angola escreveu ao ministro da Justiça e dos Direitos Humanos do MPLA a deplorar os incidentes de Cafunfo e a solicitar-lhe uma reunião para “abordar a questão directamente”, revelou um porta-voz comunitário.

“A delegação da União Europeia em Luanda, em nome da UE e dos Chefes de Missão, endereçou uma carta ao ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola a deplorar os acontecimentos, recordando a importância das normas internacionais em matéria de direitos humanos, e a solicitar uma reunião para abordar a questão directamente com o ministro”, revelou o porta-voz.

O mesmo porta-voz assinalou ainda que “a UE mantém um diálogo regular sobre direitos humanos com as autoridades angolanas, e a violência policial encontra-se entre os tópicos discutidos”.

Na altura, deputados da UNITA, da CASA-CE e do PRS, que integravam a oposição política que o MPLA ainda (não se sabe por quanto tempo) permite, afirmaram que as forças policiais “dispararam indiscriminadamente contra os cidadãos”.

Em comunicado, o Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA tornou público na altura o seguinte comunicado de imprensa:

«1. A Constituição da República de Angola, no seu artigo 47º, consagra o direito de Liberdade, de Reunião e de Manifestação; tendo o legislador reconhecido os mesmos direitos como fundamentais;

2. Ademais, no seu artigo 59º, também, dos direitos fundamentais, consagra a proibição da pena de morte.

3. Nesses termos, o Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, condena com veemência o acto bárbaro perpetrado por agentes das forças de defesa e segurança, contra populações indefesas, que procuravam apenas exprimir a sua vontade de ver os problemas das suas comunidades resolvidos, ou quanto menos, as autoridades prestarem atenção devida as populações;

4. O Secretariado do Comité Permanente da UNITA, manifesta perplexidade pelo conteúdo do Comunicado emitido pelo Comando da Polícia Nacional na Lunda Norte, que prioriza a justificação do acto bárbaro com informações que à partida começam a ser desmentidas no terreno. É triste e de lamentar a falta de atitude humanista, que deveria caracterizar os agentes da autoridade do Estado nestas circunstâncias, pois é notório o comportamento de falta de comoção e de indignação que o comunicado revela;

5. Diante de informações que apontam para um balanço provisório de cerca de quinze (15) mortos e dez (10) feridos; perante as imagens horrendas, com corpos de seis (6) cidadãos, expostos em hasta pública, ensanguentados e com indícios de fuzilamento; e um agente da Polícia Nacional a torturar um ferido que se encontrava entre os mortos, o Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, manifesta repulsa e profunda indignação, pois, nada em tempo de Paz, justifica o uso desproporcional da violência contra cidadãos nacionais;

6. Diante da gravidade dos factos alegados no comunicado do Comando Provincial da Polícia Nacional na Lunda-Norte e das imagens que circulam nas redes sociais, assim como, os depoimentos de alguns populares locais, o Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, insta a Assembleia Nacional, a criar com carácter de urgência, uma Comissão Parlamentar de Inquérito para “in loco”, constatar e esclarecer a opinião pública Nacional e Internacional sobre o ocorrido;

7. O Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, exige do Presidente da República a tomada de uma posição perante o ocorrido e apela a solidariedade dos angolanos, com vista a exigir-se do Estado a responsabilização dos autores morais e materiais deste crime hediondo.

8. O Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, manifesta a sua profunda preocupação que em tempos de paz, actos contínuos de assassinatos ocorrerem sempre que haja qualquer manifestação de intenção de reunião ou de expressão pelos cidadãos;

9. O Secretariado Executivo do Comité Permanente da UNITA, lembra aos angolanos, que estes actos são recorrentes, sempre que o país entra em períodos pré-eleitorais, o que denuncia, práticas que visam semear o medo no seio das populações, foi assim com o “monte sumi” e agora Cafunfo.

10. O Secretariado Executivo do Comité Permanente UNITA, reafirma que a Democracia e a Paz são conquistas inalienáveis que não podem ser subvertidas, pelo que, exorta os cidadãos angolanos, a saber que é obrigação do Estado proteger e garantir os direitos fundamentais dos angolanos e não o contrário.»

Também o Colégio Presidencial da CASA-CE, terceira força parlamentar angolana, reagiu com “incontida preocupação” às denúncias de buscas e assassinatos de vários activistas da Lunda Norte.

A CASA-CE destaca a “gravidade das denúncias, suportados por conteúdos audiovisuais, que reportam episódios de autêntica selvajaria à moda primitiva” com cidadãos “gravemente feridos” expostos a humilhação e carentes de assistência médica, sob custódia de agentes da Polícia Nacional e das Forças Armadas Angolanas.

A CASA-CE insta as autoridades angolanas a instaurar um inquérito no sentido de apurar a verdade das denúncias e, caso se confirmem, responsabilizar civil e criminalmente os seus autores.

Apela ainda ao poder legislativo para agendar “com carácter de urgência, o debate parlamentar sobre o exercício dos direitos de cidadania em Angola” e encoraja o povo Lunda a manter a serenidade.

O Bloco Democrático, força que integra a CASA-CE, lamentou o massacre de cidadãos “que exerciam o direito a manifestação”, um “acto que choca a consciência nacional” e em que o actual regime “mostra a sua verdadeira essência, recorrendo às armas para calar as vozes discordantes”.

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

Leave a Comment