Centenas de pessoas assinaram uma petição dirigida aos presidentes dos Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e à comunidade internacional, a favor da “dignidade da CPLP e não à presidência da organização por Umaro Sissoco Embaló”.
Na petição lê-se: “Nós, cidadãs e cidadãos dos Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), comprometidos com os valores da democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos, manifestamos a nossa profunda preocupação com a possibilidade de Umaro Sissoco Embaló assumir a presidência em exercício da CPLP na próxima Cimeira em Bissau”.
Para as centenas de signatários, “tal nomeação representaria uma legitimação política de práticas autoritárias em flagrante contradição com os princípios fundamentais da Comunidade”.
Os signatários acusam, designadamente Sissoco Embaló, de “protagonizar, na Guiné-Bissau e também no estrangeiro (nomeadamente em França, Portugal e no Reino Unido), actos sistemáticos de repressão política, perseguição de opositores, ataques à liberdade de imprensa, raptos, tortura e detenções arbitrárias, atingindo jornalistas, membros da oposição e simples cidadãos”.
Depois de salientarem que o que está em causa na petição “não é uma condenação generalizada da CPLP, onde já coexistem realidades políticas muito distintas entre os Estados-membros”, os signatários alertam para “o perigo concreto de promover institucionalmente um chefe de Estado que usa o poder para perseguir, silenciar e reprimir, manchando a imagem da própria comunidade”.
“Por isso, apelamos veementemente aos órgãos competentes da CPLP para que recusem essa nomeação, e, no estrito respeito pelos estatutos da comunidade, considerem as soluções alternativas já previstas” estatutariamente pela organização lusófona.
São três as alternativas invocadas na petição: transferência da Cimeira para a sede da CPLP, em Lisboa, a prorrogação do mandato da actual presidência, por São Tomé e Príncipe, e o adiamento da realização da Cimeira em Bissau, “até que estejam reunidas condições adequadas”.
“Esta decisão será um sinal claro de que a CPLP está com os povos e com os princípios que diz defender — e não com práticas que os violam abertamente”, vincam.
Entre os signatários da petição estão dois antigos primeiros-ministros da Guiné-Bissau, Aristides Gomes e Geraldo Martins, membros de vários governos guineenses como Ruth Monteiro, Agnelo Regala, Carmelita Pires, Odete Semedo, dirigentes políticos como Silvestre Alves, Califa Seidi, Octávio Lopes, e personalidades da sociedade civil, intelectualidade e da academia de países da CPLP e da diáspora africana como João Conduto, Beatriz Furtado, Carlos Sangreman, Ana Gomes, Fátima Proença, Luísa Teotónio Pereira, Pedro Rosa Mendes e Sumaila Djaló.
Os ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados-membros da CPLP reúnem-se hoje, em Bissau, na véspera da XV Cimeira de chefes de Estado e de Governo, na qual a Guiné-Bissau tem previsto assumir a presidência rotativa da organização, sucedendo a São Tomé e Príncipe.
O tema escolhido para esta cimeira é “A CPLP e a Soberania Alimentar: Um Caminho para o Desenvolvimento Sustentável”.
Integram a CPLP Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Guiné-Bissau quer CPLP transformadora que vá além da retórica
Enquanto isso, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau, Carlos Pinto Pereira, defendeu hoje que a CPLP deve assumir um papel transformador que vá além da retórica.
O governante guineense assumiu hoje a liderança do Conselho de Ministros da CPLP, no âmbito da transição da presidência da comunidade de São Tomé e Príncipe para a Guiné-Bissau.
A sucessão ocorreu na abertura da 30.ª reunião do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros, em Bissau, que antecede a Cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP, marcada para sexta-feira na capital guineense.
Bissau acolhe pela segunda vez a reunião do Conselho de Ministros, em que a tónica da abertura foi o tema escolhido para a presidência guineense, “A CPLP e a Soberania Alimentar: um Caminho para o Desenvolvimento Sustentável”.
O lema escolhido, salientou o ministro, expressa a preocupação comum com um dos maiores desafios que enfrentam os povos da CPLP: o direito à alimentação adequada, segura e sustentável.
Para o governante guineense, “garantir a soberania alimentar é mais do que assegurar a produção de alimentos, é garantir a dignidade dos povos, a resiliência das nações e a estabilidade das sociedades”.
A fome, a insegurança nutricional e a dependência externa, continuou, “afectam directamente o desenvolvimento das (…) economias e a saúde das (…) populações, particularmente dos países africanos de língua portuguesa”.
Carlos Pinto Pereira destacou o potencial da comunidade em termos de cooperação técnica, científica e solidária, enquanto espaço de concertação político-diplomática, mas defendeu que é preciso mais em matéria de soberania alimentar.
“Queremos que a CPLP vá além da retórica e se afirme como um instrumento concreto de transformação. A soberania alimentar deve ser um direito garantido e não apenas um ideal”, defendeu.
Durante a reunião que decorre hoje em Bissau, os ministros dos Negócios Estrangeiros da CPLP vão reflectir e deliberar sobre acções práticas e mensuráveis, indicou.
Entre elas, destacou o reforço da cooperação no sector agrícola e agro-alimentar com intercâmbio de boas práticas, tecnologia e políticas públicas eficazes.
Em discussão está também a promoção de uma plataforma técnica CPLP para soberania alimentar e combate à fome, a aposta na formação de quadros e capacitação institucional, aproveitando as sinergias dos centros de pesquisa e universidades.
Esta reunião servirá também para avaliar o estado do acordo sobre a mobilidade na CPLP, e novas dinâmicas de cooperação económica, especialmente em sectores estratégicos como a saúde, as energias renováveis e o investimento sustentável.
O ministro expressou ainda “a certeza de que a Guiné-Bissau está preparada para liderar com responsabilidade”.
Na passagem da pasta, Ilza Amado Vaz, ministra dos Negócios Estrangeiros de São Tomé e Príncipe, destacou a coincidência da data de hoje, em que se assinalam 29 anos da criação da CPLP, no ano em que se celebram os 50 anos da independência da maioria dos Estados de língua oficial portuguesa.
A governante lembrou que, ao assumir a presidência, em agosto de 2023, São Tomé e Príncipe definiu uma estratégia inspirada no lema “juventude, sustentabilidade”, que norteou todas as iniciativas e deliberações.
“Durante os dois anos do nosso mandato colocámos a juventude no centro das prioridades da CPLP, reconhecendo-a como força transformadora das nossas sociedades e afirmámos a sustentabilidade como caminho inadiável para o desenvolvimento”, declarou.
Segundo afirmou, São Tomé e Príncipe espera “deixar um legado para uma CPLP mais unida e uma visão para enfrentar os desafios com confiança, solidariedade, de maneira estratégica”.
“A cooperação económica, que mereceu um impulso na nossa presidência, precisa de mais espaço na nossa agenda, é urgente mobilizar o comércio entre a CPLP, atrair investimento e valorizar cadeias de valor locais”, afirmou.
Ilza Amado Vaz considerou ainda “um imperativo reforçar” a resposta conjunta na área da soberania alimentar.