Vladimir Tararov, o embaixador da Rússia em Angola, disse hoje que o Presidente do MPLA que, por inerência, também é presidente da República, general João Lourenço, vai visitar o seu país ainda este ano e, sem avançar datas, assegurou que ambos os países têm uma “cooperação muito estreita baseada na irmandade”.
Sem especificar datas, Vladimir Tararov assegurou que a visita de João Lourenço à Rússia deve acontecer durante este ano e foi já confirmada a nível dos canais diplomáticos, sinalizando o “nível político mais alto de cooperação” entre Luanda e Moscovo.
“Existe uma cooperação muito estreita entre os nossos países, que se baseia na irmandade antes de tudo, porque nós também estivemos aqui, nós deixámos aqui o nosso sangue na terra sagrada de Angola e nós já somos irmãos”, disse o embaixador quando questionado sobre o alegado distanciamento do Governo de João Lourenço da Federação Russa.
Vladimir Tararov considerou que a relação de fraternidade entre Angola e a Rússia “dá um grande impulso na cooperação bilateral a todos os níveis, inclusive à um nível político mais alto”.
“Nós esperamos esse ano a visita do Presidente João Lourenço à Rússia. Esta visita já foi confirmada entre ambas as partes, mas não vou dizer as datas”, respondeu o diplomata à Lusa.
À margem da Conferência Internacional sobre o Papel dos Países da Linha da Frente na Libertação Total da África Austral, Vladimir Tararov disse que a Embaixada russa em Angola foi ampliada com a presença de conselheiros ligados à agricultura, para o reforço da cooperação nesse domínio.
“Temos conselheiros dedicados a desenvolver a nossa cooperação nos domínios da agricultura, economia, tecnologias e outros sectores de cooperação”, frisou.
O apoio da Rússia, ex-União Soviética, na libertação da África Austral, e sobretudo Angola, foi um dos temas abordados nesta conferência internacional, promovida, em Luanda, pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social de Angola.
Questionado sobre se existem perspectivas do reforço da cooperação militar entre Angola e a Rússia, Tararov disse apenas que o domínio mais desenvolvido da cooperação entre ambos os países foi e é a formação no domínio militar, recordando que mais de 27 generais angolanos passaram nas academias militares da Rússia.
“E é, por isso, que eles têm e possuem todas as tecnologias e mecanismos de defesa, de construção e de direcção das Forças Armadas Angolanas, nos seus diferentes ramos, por isso mesmo é que esses mecanismos [de cooperação] existiam, existem e parece-me que serão bem desenvolvidos”, concluiu.
O ex-Presidente de Moçambique Joaquim Chissano, o general angolano António dos Santos França “Ndalu”, antigo chefe do Estado Maior das extintas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), e o general cubano Leopoldo Cintra Frias foram alguns dos oradores desta conferência.
EM QUANTOS TABULEIROS JOGA O MPLA?
O ministro das Relações Exteriores, Téte António, recebeu no dia 26 de Janeiro de 2024 o embaixador Vladimir Tararov, com quem avaliou o estado das relações bilaterais e a exploração de novas oportunidades de cooperação entre os dois países.
Pelo sim e pelo não, o MPLA (governo) manteve o suposto ou fictício divórcio com Moscovo em… “stand by”.
Angola (o MPLA, mais exactamente) e a Rússia têm relações privilegiadas desde 8 de Outubro de 1976, data em que foi assinado, em Moscovo, na altura capital da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o Tratado de Amizade e Cooperação.
A 16 de Novembro de 2004, os dois países rubricaram, em Luanda, um acordo para o relançamento da cooperação nos domínios económico e técnico-científico e, no dia seguinte, criaram a comissão intergovernamental de cooperação económica, técnico-científica e comercial.
Actualmente, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores, a cooperação entre os dois países é mais significativa nos sectores da energia, geologia e minas, ensino superior, formação de quadros, defesa e segurança, telecomunicações e tecnologias de informação, pescas, transportes, finanças e banca.
Em 2019, a Rússia garantia que queria reforçar a cooperação com Angola, então baseada sobretudo no sector diamantífero, nos domínios do turismo, extracção de recursos minerais, indústria, formação de quadros e agricultura.
Sobrará ainda alguma coisa para os velhos camaradas do MPLA explorarem?
Na altura, segundo o embaixador Vladimir Tararov, que anunciava a visita a Angola de uma delegação de 18 empresários russos, a cooperação bilateral iria “ajudar a erguer a economia e a indústria”. Disso não tenhamos dúvidas. Eles vão entrar com o “know how” (saber) e nós com as riquezas. Depois? Bem. Depois nós ficamos com o “know how” e eles com as riquezas. Simples. Simples para quem não tem, como acontece com os dirigentes do MPLA, o cérebro nos intestinos.
“O Presidente João Lourenço disse que isso seria muito útil para as nossas relações bilaterais, temos que virar a cooperação para o domínio económico, e o que é mais importante, o agro-industrial”, frisou Vladimir Tararov.
O embaixador russo em Angola frisou que a cooperação iria ser desenvolvida nos domínios turístico, humanitário, formação de quadros, extracção de diamantes, desenvolvimento industrial e cultura.
Velhos “amigos” das riquezas africanas
O regresso da presença russa a África está hoje claramente marcado pelo investimento, ou seja, venda de armas e envio de “conselheiros” ou mercenários, com Moscovo a competir com a Europa, EUA e China para o papel de principal parceiro do continente africano.
De acordo com um artigo da agência France-Presse, o destaque da crescente presença da Rússia em África surgiu no dia 30 de Julho de 2018, com o assassinato de três jornalistas russos na República Centro-Africana, que investigavam a presença do grupo militar (mercenários) Wagner no país.
Segundo o artigo, de Janeiro a Agosto de 2018, a Rússia terá enviado cinco oficiais militares e 170 instrutores civis – que alguns especialistas acreditam ser mercenários do grupo Wagner -, entregado armas ao exército nacional após uma isenção ao embargo da ONU e assegurado a segurança do Presidente centro-africano, Faustin-Archange Touadéra, cujo conselheiro de segurança era (claro!) de nacionalidade russa.
A entrega de armas aos Camarões para a luta contra o grupo ‘jihadista’ Boko Haram, as parcerias militares com a República Democrática do Congo (RD Congo), Burkina Faso, Uganda e Angola, as cooperações num programa de energia nuclear civil com o Sudão, na indústria mineira no Zimbabué ou no alumínio da Guiné, representam algumas das iniciativas de Moscovo nos últimos anos.
A Rússia tem também diversificado as suas parcerias africanas, expandindo as relações para além das nações com quem tem ligações históricas – como Argélia, Marrocos, Egipto e África do Sul – e procurou aliados na África subsaariana, onde estava “virtualmente ausente”, lê-se no artigo.
“África continua a ser uma das últimas prioridades na política externa da Rússia, mas a sua importância tem vindo a crescer”, de acordo com o historiador Dmitry Bondarenko, membro da Academia Russa de Ciências.
A URSS manteve, durante décadas, uma presença activa no continente. Agora, com outro nome, mantêm-se os objectivos: sacar o máximo e perder o mínimo. Um bom negócio, desde logo porque a carne para canhão é negra e as riquezas africanas são inesgotáveis.
A medida representava uma das armas na guerra ideológica contra o Ocidente, apoiando os movimentos de libertação africanos e, após a descolonização, enviava milhares de conselheiros militares, combatentes e material bélico para esses territórios.
Com a desintegração da URSS, as dificuldades económicas e as lutas internas na Rússia durante os anos 1990, Moscovo abandonou as suas posições em África. Face à falta de fundos, aumentou o número de embaixadas e consulados a encerrar, diminuíram o número de programas e as relações atenuaram.
Foi apenas no novo milénio que o Kremlin começou a reavivar as suas antigas redes e regressou gradualmente a África, procurando novos parceiros à medida que a ideologia era substituída por contratos e pela venda de armas. E, também, à medida em que os “velhos” comunistas (caso do MPLA) se rendiam às benesses do capitalismo, selvagem ou não.
Em 2006, o Presidente russo, Vladimir Putin, viajou até à Argélia, África do Sul e Marrocos para assinar contratos, algo que o seu sucessor, Dmitri Medvedev, estendeu a outros países – Egipto, Angola, Namíbia e Nigéria -, três anos mais tarde. Em Março de 2018, o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, visitou cinco países africanos.
Se a Rússia encontrar interesse económico, permite aos países africanos “ter mais um parceiro, o que significa outro canal de investimentos e desenvolvimento, e o apoio de um país poderoso no cenário internacional”, declarou o analista russo e antigo embaixador em vários países africanos, Evgeni Korendiassov, citado pela AFP.
A Rússia, que não tem um passado colonial em África, espera apresentar-se como uma alternativa para os países africanos face aos europeus, norte-americanos e chineses.
A AFP considera a República Centro-Africana um “excelente exemplo”, dado que este país nunca esteve perto da URSS durante a Guerra Fria e voltou-se para a Rússia para fortalecer as suas forças militares, com dificuldades em enfrentar os grupos armados.
“Desde 2014 e da anexação da Crimeia, a Rússia tem confrontado o Ocidente e declarado abertamente a sua vontade de se tornar novamente uma potência mundial. Não pode, portanto, ignorar uma região”, apontou Bondarenko. Segundo ele, Moscovo está interessado em África não por razões económicas, mas para “um avanço político”.
“Anteriormente, os países com quem o Ocidente não queria cooperar, como o Sudão ou o Zimbabué, só podiam recorrer à China. A Rússia passou a ser uma alternativa tangível”, acentuou, antes de concluir que “este não era o caso antes, e isso pode mudar significativamente a ordem geopolítica do continente”.
MPLA EM JOGO (PELO MENOS) DUPLO
No dia 28 de Abril de 2022, Vladimir Putin falou ao telefone com o seu camarada João Lourenço, por iniciativa do Presidente angolano. Bons e velhos amigos serviam (na altura) exactamente para isso. Na altura admitia-se a possibilidade de o MPLA usar em Angola a estratégia russa na Ucrânia, alegando que a única maneira de se defender era “desnazificar” a UNITA… No entanto, Putin falhou. João Lourenço virou-se para Joe Biden.
Segundo a agência russa RIA Novosti, a pedido de João Lourenço, o Presidente Putin informou, na altura, “sobre as causas e objectivos da operação militar especial para proteger o Donbass e também fez avaliações fundamentais da situação das negociações com representantes ucranianos”.
A “satisfação com o nível de relações amistosas” entre Angola e Rússia “foi expressa por ambos os lados”, indicou a agência russa. “Por ambos os lados”, recorde-se.
“Os compromissos com o seu desenvolvimento, incluindo a cooperação das esferas comercial, económica, científica e técnica” foram igualmente assinalados na conversa, adiantava a agência de propaganda do regime russo.
Antes, a 3 de Março, Sergei Lavrov acusou os líderes ocidentais de terem planos para uma “verdadeira guerra” contra a Rússia, que só poderá ser nuclear. Eritreia, Bielorrússia e Coreia do Norte subscrevem sem rodeios. Angola e Moçambique também subscreveram mas de forma não formal, como o MPLA explicou em “off” ao chefe Putin. Entretanto, apesar de general formado, condecorado e formatado pelos russos, João Lourenço mandou (até ver…) o seu querido líder (Putin) dar uma volta ao bilhar grande.
“Se algumas pessoas estão a planear uma verdadeira guerra contra nós, e eu penso que estão, deveriam pensar cuidadosamente”, disse Lavrov. “Não deixaremos que ninguém nos desestabilize”, assegurou. Bem que poderia parafrasear Agostinho Neto e dizer que “não vamos perder tempo com julgamentos”.
Se calhar, porque a UNITA tinha, na altura, sobre este assunto uma posição diametralmente oposta à do MPLA, admitia-se que os sipaios do MPLA iriam utilizar na campanha eleitoral a tese de que UNITA era um partido neonazi. Não o fizeram com todas as letras, mas andaram lá perto. Mas, afinal, a UNITA também tinha razão nesta matéria da Rússia/Ucrânia, tal como viria a reconhecer João Lourenço.
Na altura, o embaixador norte-americano em Luanda, Tulinabo Salama Mushingi, afirmou que a posição assumida por Angola (MPLA) de não-condenação da invasão russa da Ucrânia não afectaria a relação com os Estados Unidos, garantindo que os dois países iriam “continuar a trabalhar juntos”.
Angola, disse Tulinabo Salama Mushingi, é uma das quatro parcerias estratégicas dos EUA em África e irá prosseguir dessa forma. “Para nós, um voto sobre este assunto não afecta a nossa relação, vamos continuar a trabalhar juntos”, afirmou.
Depois, Angola absteve-se na votação da Assembleia Geral da ONU que condenou a invasão da Ucrânia pela Federação Russa com 145 países a favor e cinco contra. No total, 35 países abstiveram-se, incluindo 17 africanos. Ao abster-se de condenar o agressor, ao contrário da UNITA, o MPLA assumiu a condenação do agredido. Só seria preocupante se Angola não fosse uma sólida democracia como é a Rússia, a Eritreia ou a Coreia do Norte…
“Sobre esta questão, todos nós podemos concordar com os factos quanto ao que aconteceu nesta região: um país atacou o outro, um país está a bombardear outro e a destruir o seu modo de vida. São factos. Mas quando chegamos ao momento do voto, cada país tem direito de decidir como votar. O que é claro é que a maioria dos países do mundo votaram a favor desta resolução e só cinco votaram contra, mas não vale a pena passar muito tempo a discutir como votou cada país”, sublinhou o diplomata norte-americano.
Tulinabo Salama Mishingi adiantou que o assunto tinha sido falado com a contraparte angolana: “Nós explicámos a nossa posição e Angola explicou a sua, é isso que fazemos. No que concordamos, vamos avançar; quando não concordamos vamos esperar e continuar a discutir”. Previa-se que até que o mundo livre conseguisse “transformar” Vladimir Putin de bestial em besta, o MPLA continuaria a considerá-lo bestial. Entretanto, João Lourenço percebeu que Putin estava muito perto de ser considerado uma besta e que, nessa qualidade, não poderia superar o valor da Oferta Pública de Compra (OPC) oferecido pelos EUA em relação a Angola.