Ex-combatente nas matas do sul de Angola e actual secretário provincial da UNITA em Mavinga, Bastos Ngangwe lamenta que, 50 anos após a independência, a reconciliação esteja por concretizar e que a história do país seja uma narrativa unilateral.
Por Raquel Rio (texto) e Ampe Rogério (foto),
da agência Lusa
Em entrevista à Lusa, afirmou que “estamos num país em que aquele que está no poder é o único que está a contar a história”, criticando a narrativa ditada pelo MPLA, partido que chegou ao poder em 1975 e governa Angola desde essa data.
Ngangwe (o nome significa pedras preciosas, recurso abundante naquele território), natural do Bié, saiu da sua terra natal devido à guerra civil angolana e seguiu o pai, antigo comandante na guerra de libertação e militante da UNITA desde os primórdios, até à Jamba, juntando-se também às fileiras do partido fundado por Jonas Savimbi.
A sua formação académica iniciou-se nas chamadas “Terras Livres de Angola” – zonas sob controlo da UNITA durante a guerra civil – e aprendeu as “primeiras letras” nas matas do Cuando Cubango.
Mais tarde ingressou no Instituto Polivalente Loth Malheiro Savimbi, então a maior escola da UNITA, onde concluiu os estudos, seguindo depois a formação militar na Jamba, onde se especializou como comissário político.
“Cabia-me a responsabilidade de sensibilizar a tropa para ter aquela vivacidade, aquele moral de ir à frente de combate”, conta.
Bastos Ngangwe diz que se vivia uma vida “normal” no quartel-general da UNITA e afirma que existia liberdade de circulação, com civis a deslocarem-se até ao Bié e outras províncias, rejeitando que existisse repressão.
“Eu que vos falo, desde pequeno vivi na Jamba e aí havia liberdade. Essas histórias de dizer que oprimiam as pessoas, que metiam na cadeia, isso não corresponde à verdade”, insiste.
A Jamba, situada no sudeste de Angola, na província do Cuando Cubango foi o quartel-general da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) durante grande parte da guerra civil angolana, funcionando como um verdadeiro centro administrativo, militar e político do movimento liderado por Jonas Savimbi, que lutou até à data da sua morte, a 22 de Fevereiro de 2002, contra as forças governamentais.
Bastos Ngangwe descreve o fundador da UNITA como “um homem aberto que lidou com todas as camadas, desde o soldado até ao povo” e que dava grande importância à educação.
“Preocupava-se muito com esta área da formação integral do homem, em todas as vertentes” e gostava de ir às escolas “encorajar os estudantes”, afirma.
Quanto às denúncias de violações de direitos humanos nas matas da Jamba, rejeita a existência de crimes.
“É normal que quando alguém estivesse a comportar-se mal tivesse merecido alguma repreensão, mesmo dentro de uma casa um pai repreende o filho, mas crime no verdadeiro sentido da palavra não existiu”, assegura, reconhecendo que existiram mortes, mas negando responsabilidade directa de Savimbi.
“O dr. Savimbi foi um homem íntegro que sabia valorizar a vida humana. Digo isto de cabeça erguida”, reforça.
O dirigente recorda com orgulho que, durante a guerra civil de quase 30 anos que Angola viveu no pós-independência, a Jamba permaneceu intocada apesar dos violentos confrontos entre as FALA (UNITA) e as FAPLA (MPLA) no sul do país e das ofensivas militares apoiadas por Cuba e União Soviética cujo objectivo era atingir Mavinga e tomar a Jamba.
Bastos Ngangwe diz que a estratégia da UNITA era “desgastar o inimigo e fazer ataques à retaguarda” para forçá-lo a recuar e salienta que na última ofensiva das FAPLA — o mal sucedido “Último Assalto” — as forças governamentais foram “perseguidas até ao Cuíto Cuanavale”.
“O próprio regresso só foi possível porque as FALA [Forças Armadas de Libertação de Angola, braço militar da UNITA] abriram um corredor para eles poderem passar. Se isso não acontecesse, talvez tivesse havido um aniquilamento definitivo. Mas, como o Dr. Savimbi valorizava, inclusive, a vida de um militar, então abriu-se um corredor para poderem regressar. Esta é uma história real”, enfatiza.
Questionado sobre o memorial da Batalha do Cuíto Cuanavale — onde as referências à UNITA são escassas — critica a omissão e salienta que se o Governo de Angola estivesse interessado em contar a história de forma realista teriam de contactar também os generais da UNITA.
“Mas nós temos uma história apenas contada na versão do MPLA, que não corresponde à verdade”, lamenta.
Discorda também do simbolismo atribuído pelo Governo angolano à Batalha do Cuíto Cuanavale como marco da libertação da África Austral: “não dependia da luta nem de Angola nem do Cuíto Cuanavale já que os próprios africanos estavam a lutar pelas suas independências. Fica um bocado absurdo alguém dizer que a batalha do Cuíto Cuanavale é que determinou a libertação da África Austral”, contesta.
Mavinga, onde reside actualmente, tornou-se este ano na capital da nova província do Cuando, criada a partir da divisão do Cuando Cubango.
A UNITA, no entanto, não subscreveu a medida e o secretário provincial defende que deveriam ter sido primeiro criadas condições mínimas, como estradas, para se poder chegar até ali.
O dirigente do Galo Negro afirma que “é preciso vencer muitas dificuldades” para sair desde Menongue (capital do Cubango) até Mavinga, onde à população falta “de tudo um pouco”, e sobre a construção da nova cidade capital considera que “não passa de uma ideia”.
Numa altura em que Angola está prestes a celebrar os 50 anos de independência, que se assinalam no próximo dia 11 de Novembro, Bastos Ngangwe lamenta ainda que não esteja a ser praticada a verdadeira reconciliação nacional, ou seja, “aquela que reconhece o outro”.
E critica que figuras como Jonas Savimbi ou Holden Roberto, que liderou a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), tenham sido apagadas da história oficial e sejam esquecidas nos actos de condecoração.
“Querendo ou não, fizeram parte da libertação e também contribuíram para este país. Onde é que está o espírito da verdadeira reconciliação nacional?”, remata, acrescentando que “chegará o momento em que a história será contada pelos historiadores e, sobretudo, pelos que fizeram parte dela”.