O líder da agência da ONU para os refugiados (Acnur) alerta sobre abandono deliberado das leis da guerra: número de deslocados atinge recorde de 122 milhões no mundo; cortes no financiamento ameaçam resposta humanitária e integração de refugiados.
O chefe do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, Acnur, Filippo Grandi, ressalta o “abandono deliberado” das leis de guerra em conflitos actuais. Grandi fez a declaração no encontro da agência em Genebra, na Suíça.
Segundo ele, a comunidade internacional não é impotente diante das violações em curso. Para o alto-comissário, a missão da agência, que é fornecer refúgio e soluções a quem foge do perigo, continua relevante após 75 anos.
Segundo o alto-comissário, o número de pessoas deslocadas por guerras e perseguições quase duplicou em uma década, atingindo 122 milhões em 2024. A situação expõe falhas globais na resposta ao deslocamento forçado e reacende o debate sobre a Convenção sobre Refugiados de 1951, que alguns governos têm tentado reformar ou descartar.
Grandi relembrou que o acordo internacional obriga os países a proteger quem foge da guerra, violência ou discriminação. O líder demonstrou preocupação com as atuais políticas de deportação, em vigor nos Estados Unidos e Europa, que, segundo ele, não obedecem ao direito internacional.
Segundo ele, o Acnur está disponível para aconselhar e apoiar qualquer medida que os Estados adotem, desde que permaneçam dentro da legalidade.
Em muitos casos, a violência indiscriminada tem sido considerada aceitável desde que cumpra objetivos militares. Filippo Grandi declara que nenhum custo humano é demasiado elevado, nenhuma imagem de morte ou destruição é demasiado chocante. O chefe do Acnur comparou o cenário actual a um momento de “desumanização sistemática”, onde as normas humanitárias são ignoradas e o multilateralismo sob ataque.
O impacto da redução de fundos humanitários no contexto actual de emergências globais foi também mencionado. Segundo Filippo Grandi, é essencial adoptar uma resposta mais inclusiva e sustentável, focada na integração económica e social dos refugiados, garantindo que a mesma não funciona se “os países de acolhimento isolarem os refugiados ou os privarem de oportunidades.”
Os cortes na ajuda externa foram também associados à desilusão das pessoas com as instituições internacionais, que deveriam proteger e representar as pessoas mais vulneráveis. Recordando a crise de refugiados na Síria, em 2015, o alto-comissário mencionou Alan Kurdi, o menino que foi encontrado numa praia da Turquia, lamentando a politização e manipulação do tema dos refugiados.
A agência, criada em 1950, celebra 75 anos de actuação em defesa dos refugiados. No seu discurso final, Filippo Grandi reafirmou que a protecção dos deslocados e a preservação das normas humanitárias é uma responsabilidade coletiva. O alto-comissário deixa o cargo em Dezembro.