A INDIGNAÇÃO POR VEZES SELECTIVA DE ANTÓNIO GUTERRES

Começando pela Ucrânia, Palestina, Saara Ocidental, leste da República Democrática do Congo e sem esquecer Cabinda, a indignação do Secretário-Geral da ONU foi sempre percebida e apreciada de forma diferente pelos observadores políticos informados e pelas próprias vítimas, que esperam mais reconhecimento, solidariedade e não emoções modeladas nas tragédias e dramas do momento.

Por Osvaldo Franque Buela (*)

Na sexta-feira, 25 de Julho, a minha atenção foi atraída pela as palavras do Secretário-Geral da ONU durante um discurso em vídeo na assembleia da Amnistia Internacional.

No seu discurso, António Guterres denunciou a falta de “humanidade” e de “compaixão” para com o povo da Faixa de Gaza, que vive não só uma crise humanitária, mas também “uma crise moral que desafia a consciência global”. “A escala e o alcance estão para além de tudo o que vimos na história recente”, disse o Secretário-Geral da ONU.

Se, no caso da Palestina, estas palavras fortes e significativas de António Guterres são fruto de uma indignação e humanidade sem limites pela tragédia que este povo vive, estas palavras podem também revelar uma incapacidade e perda de poder do Secretário-Geral da ONU (se é que o tem) sobre os conflitos no mundo, numa altura em que outros poderosos actores políticos entraram em cena e tentam encontrar soluções para resolver conflitos no negócio dos recursos geoestratégicos, através do comércio de matérias-primas, sem esperar pelo parecer da ONU…

Como chegámos aqui, ou melhor, como o Secretário-Geral da ONU chegou a esta conclusão, é porque o que está a acontecer em Gaza, o que o Hamas criou e decretou como uma situação de desolação ao esconder-se entre as populações civis palestinianas da Faixa de Gaza, excedeu os limites do que pode ser suportado por um povo, em retaliação pelos actos terroristas do Hamas, como todas as pessoas civilizadas vêem e podem tolerar, esta tolerância já não é aceitável, disse, e a consciência colectiva deve agir no sentido das emergências humanitárias.

Ao ver as imagens de crianças e mulheres decapitadas e feridas por bombardeamentos militares, de homens e mulheres, mortos apenas por procurar comida, a profunda indignidade para o povo palestiniano, com milhares de mortes em 21 meses de guerra, a Cruz Vermelha Internacional não resistiu a comunicar que “nada justifica o que se passa em Gaza, que toda a hesitação política, toda a tentativa de justificar os horrores cometidos sob vigilância internacional será para sempre julgada como um fracasso colectivo na preservação da humanidade em tempo de guerra”.

Sim, o SG está muito afectado pelos contornos de um conflito híper-mediatizado por imagens chocantes e milhares de mortes à vista de toda a comunidade internacional. Se fosse somente pela hipermediatização e pelo choque das imagens e numero de mortes, o conflito na RDC deveria despertar a mesma indignação, o mesmo apelo à solidariedade e à imposição da paz, exigindo que o Ruanda se abstenha de qualquer violação e de qualquer tipo de apoio à instabilidade do leste da RDC, mas apesar do maior e mais grosseiro contingente da ONU alguma vez destacado para qualquer lugar que não fosse a RDC, a ONU falhou na RDC, e é através do acordo mineiro que os EUA de Trump iniciaram o início de uma possível resolução.

MAS SOBRE A TRAGÉDIA HISTÓRICA DE CABINDA…?

Sobre a situação em Cabinda, António Guterres, que tinha uma grande responsabilidade humanitária pelos refugiados de Cabinda na RDC e na República do Congo, o seu primeiro sentimento, quando era Alto Comissário para os Refugiados, foi acabar com o seu estatuto de refugiados, oferecendo-lhes um regresso voluntário indigno a Cabinda, à mercê daquilo que tinham escolhido para fugir das suas aldeias.

Ao interpor as palavras emocionadas de António Guterres sobre a Palestina na situação de Cabinda, só obtive indignação selectiva, porque para ele, o conflito de Cabinda, que não é híper-mediatizado não suscita qualquer emoção ou importância para se pronunciar sobre o nosso destino.

António Guterres tem fortes razões para crer que o povo cabindês não está a morrer o suficiente para merecer a solidariedade internacional e, além disso, a FLEC-FAC, que não é um movimento ao nível do movimento terrorista HAMAS, não está a fazer nada de grave que possa perturbar os negócios das multinacionais que exploram o petróleo de Cabinda, sob a boa guarda e responsabilidade do MPLA que protege esta pilhagem organizada, cujos caciques do regime fizeram de Portugal um centro de lavagem de dinheiro sujo roubado a Angola.

António Guterres terá as mesmas palavras para Cabinda, o dia em que começarmos a morrer como moscas e a morrer só para comer o que a comunidade internacional nos dá como alimento, e certamente o dia em que a FLEC-FAC fará como o Hamas, matando estrangeiros inocentes e outras autoridades angolanas, seja cometendo ataques em Luanda, Benguela, Huambo etc… isso fará manchetes na imprensa e afectará a sua memória como dignitário, pois neste momento pensa que o povo cabindês está demasiado saudável para merecer qualquer solidariedade internacional, além disso não somos nós próprios, seguidores e activistas dentro de todos os partidos políticos angolanos, incluindo dentro do MPLA, em fatos e gravatas de deputados, oficiais generais reformados e outros governadores excêntricos sem poder real?

Sim, aos olhos da comunidade internacional, não se verifica nenhuma situação preocupante em Cabinda. Não comemos de contentores do lixo, dançamos, celebramos, temos uma óptima saúde, temos tudo e, acima de tudo, tornámo-nos pacifistas não violentos. E, acima de tudo, a FLEC não é o Hamas, nem a Al-Qaeda, e não é certamente o Hezbollah, com um apoio da dimensão do Irão ou do Qatar. O que devemos esperar dela?
Que Deus vos abençoe e saibam que só a luta liberta.

(*) Escritor pan-africanista e refugiado político em França

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