Por mais que se tente disfarçar, a verdade sempre encontra um modo de atravessar fronteiras. E foi isso que aconteceu: a dor e a indignação dos angolanos na diáspora atravessaram oceanos e hoje bateram, em forma de carta aberta, à porta do Presidente da República, João Lourenço. Assinada por cidadãos da sociedade civil, movimentos juvenis, acadêmicos, profissionais da educação, saúde e cultura, essa carta não é um simples pedido – é um grito de socorro. Um clamor colectivo contra práticas discriminatórias e atentatórias à dignidade humana, perpetradas por figuras que deveriam, em teoria, servir ao povo.
Por António Mbinga Cunga
É curioso e triste que sejam justamente os filhos distantes da pátria que precisem lembrar aos governantes de suas obrigações mais básicas. Aqueles que estão fora, mas que nunca deixaram de olhar para dentro, vêem o que muitos no poder fingem não enxergar: a desconexão entre o governo e o povo, entre o discurso e a prática, entre a promessa e o abandono.
Enquanto ministros se revezam em cargos como se fossem herança de família, a juventude angolana amarga o desemprego, a falta de oportunidades e o desrespeito à sua voz. E quando essa juventude decide falar, o que recebe é silêncio-ou, pior, repressão. O mesmo acontece com a diáspora: quando não é ignorada, é estigmatizada. Como se pensar diferente fosse um crime. Como se exigir respeito fosse um acto de traição.
Os governados na diáspora, ao pedirem exonerações, não estão sendo radicais. Estão sendo conscientes. Estão dizendo: “não aceitamos ser governados por quem não nos representa, por quem nos trata como invisíveis, por quem confunde cargo público com trono.” Estão fazendo política no sentido mais nobre da palavra: participando, opinando, fiscalizando. Estão lembrando ao governo de Angola que legitimidade não se compra com propaganda, mas se conquista com compromisso real com a dignidade humana.
Cabe ao presidente ouvir. E mais do que ouvir, agir. Porque ignorar esse apelo seria perpetuar a lógica da exclusão, do autoritarismo disfarçado de estabilidade. Seria insistir em um modelo de poder que já não cabe mais no século XXI-e muito menos no coração de quem acredita que Angola merece mais.