SJA DESMENTE O GENERAL PRESIDENTE

Organizações de jornalistas angolanos consideraram hoje existir uma “estagnação e retrocesso” da liberdade de imprensa no país, enquanto cresce o “jornalismo bem-comportado”, contrariando as declarações do general João Lourenço sobre o desenvolvimento do sector. Em defesa do Presidente da República já se manifestaram o Presidente do MPLA, o Titular do Poder Executivo e o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas…

O secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido, diz: “Respeitamos a opinião do Presidente da República, porém a nossa opinião, e olhando para a posição de Angola hoje no ‘ranking’ dos Repórteres Sem Fronteiras, conseguimos concluir que não há crescimento, há uma estagnação e há um retrocesso”.

Em declarações à Lusa, o secretário-geral do SJA disse que se regista um retrocesso em estações televisivas, radiofónicas e jornais cujo principal detentor é o Estado e que não estão disponíveis para o debate plural.

De acordo com Teixeira Cândido, o retrocesso atingiu também os canais Vida TV e Camunda News, cujas actividades “foram encerradas pelo Ministério das Telecomunicações, que supôs ter competências para intervir no âmbito dos direitos fundamentais”.

“Conhecemos, por exemplo, a ZAP, que retirou todos os conteúdos jornalísticos e passou para o entretenimento, o que regrediu o espaço de debate”, salientou.

Apontou também a situação da TV Zimbo, actualmente detida pelo Estado no âmbito do processo de recuperação de activos, referindo que este órgão “não está hoje tão disponível quanto estava para um debate plural”.

Hoje “é difícil vermos vozes discordantes, quer da sociedade civil, quer do sector político, na TV Zimbo, o que é o contrário de tudo o que se foi fazendo”, criticou.

O Presidente de Angola, João Lourenço, considerou que o jornalismo angolano “está a cumprir o seu papel” e que há liberdade de imprensa no país, salientando que os privados participam neste sector. Sejamos rigorosos. O general João Lourenço não disse, concretamente, a que país se referia.

No balanço sobre a sua visita de dois dias à província do Huambo, na sexta-feira e no sábado passados, conforme o Folha 8 noticiou, João Lourenço, questionado sobre as interferências no trabalho dos jornalistas, assinalou que o jornalismo angolano “está a crescer e a cumprir com o papel que lhe cabe”.

Teixeira Cândido apontou também o que considera ser a “ausência de uma política de fomento de crescimento da imprensa”, apesar da Lei de Imprensa prever há 30 anos uma lei de incentivos, observou.

“O certo é que nunca houve uma medida concreta do Estado que visasse fomentar o surgimento de órgãos de comunicação social. Hoje temos vários órgãos detidos por privados, como as rádios, por exemplo, com graves dificuldades”, rematou.

Também o presidente do conselho de governadores do Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA, na sigla inglesa) para Angola, André Mussamo, discordou das declarações de João Lourenço.

Segundo André Mussamo, o que cresceu em Angola foi apenas o “jornalismo bem-comportado”, retomando a expressão usada pelo Presidente do Brasil, Lula da Silva, aquando da sua visita de Estado a Angola, em Agosto de 2023.

“Temos de dizer ao Presidente da República que realmente nós crescemos. Crescemos na implementação de uma nova forma de fazer jornalismo, que sabiamente o Presidente Lula nomeou como o ‘jornalismo bem-comportado’, deste ponto de vista crescemos sim”, disse.

Porque “do jornalismo universal, que é tido por muitos autores como o outro nome da democracia, neste, nós já vamos no pior cenário”, acrescentou o presidente do MISA Angola.

André Mussamo criticou ainda o “colete de forças” que se coloca aos jornalistas, em Angola, todas as vezes que o Presidente da República se disponibiliza a falar, com perguntas de cartilha, que alguns, extraordinariamente, têm de colocar”.

“No tempo do partido único, o jornalismo praticado naquela altura era bem diferente daquele que é praticado hoje. Hoje existe liberdade de imprensa, não é só o Estado quem é detentor de empresas de comunicação social; o sector privado também está neste nicho de mercado”, afirmou o general. É quase caso para, citando João Lourenço, dizer que se “haver” necessidade basta ver as vezes sem conta em que o MPLA, através das suas várias sucursais (Tribunais, ERCA, Polícia etc.), tenta matar o mensageiro para não ler a mensagem. O Folha 8 e o seu Director, William Tonet, são – aliás – o mais acabado exemplo de que João Lourenço sabe o que diz mas não diz o que sabe.

O general João Lourenço disse ainda que o Estado tem feito grandes investimentos na comunicação social (que os seus sipaios teimam em dizer que tem de ser “patriótico”), mas no sector privado são os accionistas que devem fazer os investimentos necessários.

“A comunicação social privada não deixa de ser um negócio – e por sinal rentável, pelo menos noutras partes do mundo -, e aqui não deve ser diferente. Então, os accionistas é que têm de se preocupar em fazer os investimentos que se impõem no seu próprio negócio”, frisou.

Tão bom negócio que o Estado/MPLA (que é o dono das maiores empresas) determina onde é que essas empresas podem fazer publicidade.

A Human Rights Watch apontou no seu relatório mais recente, divulgado há dias, restrições à liberdade de imprensa e criticou as autoridades pelas leis “draconianas” para reprimir e intimidar jornalistas.

Folha 8 com Lusa

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