«As Forças Armadas Angolanas (FAA) continuam engajadas na preparação operativa, combativa e educativo-patriótica da tropa, para a defesa da Nação, com a realização, na Região Militar Centro, do Treino de Comando e Estado Maior», afirma a agência de notícias do MPLA, a Angop, num texto intitulado “FAA engajadas na preparação da tropa para defesa da Nação”.
Vejamos, integralmente, o que o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, João Lourenço, mandou a Angop escrever: «A actividade castrense decorreu de 28 a 31 de Maio último, sob comando do chefe do Estado-Maior do Exército, tenente-general Dinis Segunda Lucama, em representação do comandante do ramo, general João Serafim Kitekulo.
«Com um total de 500 oficiais mobilizados, o treino contou com a participação de todos os Órgãos e Direcções das Grandes Unidades e Sub-Unidades da Região Militar Centro (RMC), incluindo membros do Ministério do Interior das províncias do Huambo, Benguela, Bié e Cuanza-Sul.
«Trata-se do efectivo da Polícia Nacional e dos serviços de Investigação Criminal (SIC), de Migração e Estrangeiros (SME), Penitenciário (SP) e de Protecção Civil e Bombeiros (SPCB).
«O evento, testemunhado pelo comandante da RMC, tenente-general Simão Carlitos “Wala”, serviu para aumentar a capacidade de intervenção militar em todas as vertentes e, ao mesmo tempo, aprimorar a cooperação dos órgãos de Defesa e Segurança.
«O treino visou, igualmente, preparar as forças no quadro das acções conjuntas de combate à criminalidade, socorro à população em caso de sinistros e calamidades naturais, entre outras acções, em prol do bem-estar comum.
«Participaram ainda oficiais das regiões militares Leste (Moxico, Lunda-Norte e Lunda-Sul) e Sudoeste (Cuando Cubango). Para além destas três, as outras zonas castrenses de Angola são as Norte, Sul e Luanda.»
Em Setembro de 2022, como noutras as alturas, as Forças Armadas Angolanas entraram em “estado de prontidão combativa elevada” para evitar incidentes e “proporcionar a manutenção da defesa e segurança”. Estava à vista algum ataque externo contra a nação?
Segundo um despacho datado de 3 de Setembro (2022) e assinado pelo chefe de Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA), general Egídio de Sousa Santos, todas as unidades, estabelecimentos e órgãos das FAA passavam ao grau de prontidão combativa elevada para evitar incidentes pós-eleitorais que ”perturbem a ordem e tranquilidade públicas”.
Neste período foram reforçadas as medidas de segurança dos principais objectivos económicos e estratégicos e das instituições do Estado, controlo do movimento de colunas militares e restrições na saída de aeronaves militares. Foi também reforçado o serviço de guarda e guarnição e “elevado a rigor” a implementação das medidas de controlo do armamento e munições.
O documento indicava também que a polícia militar, em cooperação com a polícia nacional, deveria intensificar o patrulhamento auto e apeado nos centros urbanos e suburbanos, visando a recolha do pessoal e viaturas militares que contrariem as disposições contidas no despacho.
O contexto do “estado de guerra” tinha, afinal, a ver com o contencioso eleitoral face ao requerimento apresentado pela UNITA, que não reconheceu os resultados eleitorais anunciados pela Comissão Nacional Eleitoral, antecedendo a tomada de posse.
João Lourenço, presidente do MPLA e, a este propósito, Comandante-em-Chefe das FAA, afirmou que o partido saiu à rua “para comemorar a vitória do penta” (o MPLA terá – segundo as suas próprias contas divulgadas como sendo do CNE – vencido as cinco deste ano), mas que aguardava “serenamente pela decisão do Tribunal Constitucional”, no qual o MPLA tem uma estrondosa maioria qualificada.
“Depois vamos organizar a segunda festa, a cerimónia de investidura e os actos que se seguem. Angolanos, estamos juntos”, escreveu o “querido líder” na sua conta na rede social Twitter.
Faltava (ainda falta) acabar 1992. É isso, não é?
Porque o MPLA pode assassinar o mensageiro, mas não pode fazer o mesmo à mensagem (que é eterna), recordamos na íntegra um artigo aqui publicado no dia 8 de Fevereiro de 2021, sob o título: «Falta acabar 1992. É isso, não é?»:
«A UNITA, principal partido da oposição que o MPLA ainda (não se sabe se por muito tempo) permite em Angola, classifica de “ataques xenófobos e racistas” o conteúdo do comunicado do Bureau Político do MPLA, partido no poder há 45 anos, sobre os confrontos mortais do passado 30 de Janeiro em Cafunfo, na província da Lunda Norte.
A UNITA considera de baixaria os ataques à figura do seu presidente e lembra que, devido ao conflito armado, muitos dirigentes, incluindo personalidades do partido governante, viram-se forçados a obter duas ou mais nacionalidades, como aconteceu com Adalberto da Costa Júnior, que, prontamente, renunciou à sua segunda cidadania.
“O comunicado do Bureau Político do partido que governa não fez senão destilar ódio, semear discórdias, desviando as atenções da opinião pública nacional e internacional. O Comité Permanente da Comissão Política conclui que o mesmo reflecte algum nervosismo resultante da extrema exposição causada pela incapacidade de atender às aspirações dos cidadãos e pelo massacre de Cafunfo levado a cabo pelas forças de defesa e segurança, cujas ordens partiram de membros com assento nesse Bureau Político”, lê-se no comunicado da UNITA, que “entende que não é insinuando racismo e xenofobia, nem destilando raiva contra o líder do maior partido na oposição que se resolvem os problemas de Angola”.
Pelos vistos, mau grado o MPLA estar determinado a decapitar (cortar a cabeça) a UNITA, já que as sucessivas tentativas políticas para a transformar num bode expiatório estão a ser um monumental fracasso, parece que ninguém no Galo Negro leva a sério o premonitório aviso de Jonas Savimbi: “Vocês estão a dormir e o MPLA está a enganar-vos”.
O partido fundado por Jonas Savimbi, apela, por isso, “às famílias angolanas, às Igrejas e à sociedade em geral, a não se deixarem levar por essa onda que procura distrair os angolanos e impedi-los de buscar os caminhos para o progresso e bem-estar de todos”.
O comunicado afirma observar “a utilização abusiva dos órgãos de comunicação social sob controlo do Executivo, que assumiram invariavelmente o papel de juízes, condenando os manifestantes de Cafunfo, com base única nas declarações parciais do ministro do Interior e do comandante geral da Polícia, bem como a propaganda baixa e os ataques despropositados e mentirosos que são levados a cabo contra a UNITA e a sua direcção, muito particularmente o seu presidente, Adalberto da Costa Júnior, esquecendo o princípio do contraditório, regra basilar de um verdadeiro jornalismo sério, isento e comprometido com a verdade dos factos”.
A UNITA diz não aceitar “ser transformada em bode expiatório dos problemas de desgovernação do regime, nem da incapacidade congregadora do Presidente da República, João Lourenço” e reitera “o seu compromisso com a liberdade do povo angolano e reafirma a sua pré-disposição para o diálogo com as instituições do Estado para se reverter o actual quadro e abrir caminho para um futuro airoso para os angolanos na sua pátria comum e apela a todos angolanos a manterem-se calmos e serenos”.
No mesmo comunicado a UNITA congratulou-se com as igrejas que prontamente denunciaram os massacres no Cafunfo, “assumindo uma postura de elevação moral e ética, sem quaisquer reservas”.
Esta reacção deve-se ao criminosos comunicado divulgado no fim-de-semana, em que o Bureau Político do MPLA assestou as suas baterias para “líderes políticos sem escrúpulos, que afinal são cidadãos estrangeiros e por isso executam uma agenda política contrária aos interesses de Angola e dos angolanos”.
“Os que querem a instabilidade de Angola deviam saber que quando um grupo de cidadãos nacionais e estrangeiros munidos com armas de fogo, armas brancas e objectos contundentes ataca de madrugada uma esquadra policial, um quartel militar ou algum órgão da Administração do Estado ou algum órgão de soberania, não está a fazer uma manifestação, mas sim uma rebelião armada que merece da parte de qualquer Estado uma vigorosa reacção”, afirmou aquela caixa de ressonância do MPLA num comunicado que acrescenta estar a assistir-se a ”uma tentativa de divisão dos angolanos, de incitação ao tribalismo, ao regionalismo, para quebrar a unidade nacional tão bem preservada até aqui”.
Desde que, em 2002, assinou a capitulação, para a UNITA o “diálogo franco e abrangente foi, é e continuará a ser o melhor caminho para a solução dos problemas que afligem a sociedade angolana, consubstanciados na falta de emprego, elevado custo de vida e o adiamento das autarquias locais vistas como uma ponte para o desenvolvimento das comunidades”.
José Eduardo dos Santos até vislumbra na sua sombra um golpe de Estado. João Lourenço vive sob o efeito do mesmo fantasma. É típico dos ditadores que estão a ver o seu regime a chegar ao fim da picada. E há 45 anos que Angola tem o mesmo regime. Talvez por isso Eduardo dos Santos tenha tido ao seu lado gente como os generais Zé Maria (chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar – SISM), Kopelipa (chefe da Casa de Segurança do presidente da República), Eduardo Octávio (chefe do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado – SINSE) e João Lourenço como ministro da Defesa.
E talvez por isso, como em Maio de 1977, mandou decapitar, fuzilar, ou entrar na cadeia alimentar dos jacarés todos os que sonhavam com um futuro melhor, mais igualitário e mais fraterno para os angolanos. Os seus generais até mataram um miúdo, um menino, que só queria saber porque é que deitaram abaixo a cubata dos seus pais.
É este o regime que João Lourenço mantém incólume no essencial, tendo apenas alterado algumas partes acessórias.
A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau no carácter de alguém, no modus operandi de um partido que domina o país há 45 anos. Permitiu ao MPLA perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que a guerra era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.
É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.
Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e Europa, ajudou a dotar o MPLA com o rótulo de grande partido com lugar cativo na Internacional Socialista. Rótulo que não corresponde minimamente ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.
É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder dezenas de anos, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É, como acontece desde sempre com o MPLA, muito mais fácil negociar com o líder de uma seita que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.
Desde 2002, o MPLA tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.
Angola esteve, está e estará (faz parte do ADN do MPLA) entre os países mais corruptos do mundo. A taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo. E, é claro, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome.
Recordemos que, por exemplo, o então ministro Georges Chikoti disse não estar preocupado com a campanha internacional para a libertação dos então presos políticos (Revús) em Angola, jurando que eles estavam a preparar um golpe de Estado. Nada mais, nada menos. Um golpe de Estado.
Os activistas, então detidos, não eram presos políticos, afirmou o na altura ministro das Relações Exteriores, mantendo – como lhe foi ordenado pelo “querido líder” e por uma questão de sobrevivência – a tese de que os jovens activistas tinham mísseis escondidos nas lapiseiras, Kalashnikovs camufladas nos telemóveis e outro armamento pesado e letal disfarçado nos blocos de apontamentos. Só assim se compreende que estivessem a preparar um golpe de Estado.
A campanha internacional pela libertação dos activistas mostrou, aliás, que todos se esquecem que o MPLA é o único representante de Deus na Terra e que, por isso, tem poderes adivinhação que o levam até a saber com exactidão milimétrica o que as pessoas pensam.
Foram, aliás, esses poderes que permitiram a prisão dos jovens em flagrante delito: estavam nesse momento a pensar numa solução para derrubar o MPLA. E isso constitui só por si matéria de facto para os mandar matar.
Além disso, não foram necessárias outras provas. Para que serviriam ao regime as armas (as tais que estavam camufladas), ou os milhões de guerrilheiros (os tais que estavam no quintal debaixo da mangueira)? Saber o que os jovens pensavam foi condição sine qua non.
Vejamos a explicação de Georges Chikoti: “Angola é um país democrático, tem partidos políticos que participam no Parlamento. O que não se pode aceitar é que as pessoas queiram utilizar a violência como via de atingir ou alcançar o poder político”.
Quando Georges Chikoti falava, com todo o conhecimento de causa, de violência estava, obviamente, a referir-se à revolta militar que o tal exército dos jovens tinha em mente, caso não estivesse tanto calor debaixo da mangueira.
Vir agora dizer-se que o regime não sabe conviver com o contraditório e revela uma das suas facetas mais marcantes, a intolerância, é não compreender o ADN do MPLA, em que o ponto mais alto foi o massacre de milhares e milhares (talvez 80 mil) de angolanos no dia 27 de Maio de 1977.
É, aliás, não compreender que o regime do MPLA está de tal maneira moribundo que até manda prender e matar a sua própria sombra. Aliás, até mandou assassinar a tiro um “puto” que não gostou de ver os militares deitarem abaixo a “casa” dos seus pais.
De facto, tudo isto mostra que o regime do MPLA está morto, só ainda não sabe. E, convenhamos, como ainda não sabe não terá problemas em completar o que deixou a meio em 1992: o aniquilamento de cidadãos Ovimbundus e Bakongos, onde morreram 50 mil angolanos, entre os quais o vice-presidente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário-geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili.»