QUEM PAGA O FIADO É MESMO O POVO

A ministra das Finanças angolana, Vera Daves, disse hoje que o acordo celebrado com as instituições chinesas, os maiores credores de Angola, tem uma duração de 12 meses e é renovável, permitindo ainda pagar a dívida mais rapidamente.

Em declarações à Lusa, à margem da 3.ª edição Angola Economic Outlook, a ministra Vera Daves adiantou que o acordo de princípio prevê uma renovação de 12 em 12 meses, permitindo ao Tesouro angolano reduzir a reserva de garantia (“escrow account”) e assim dispor de entre 150 a 200 milhões de dólaes (182 milhões de euros) por mês dessa conta até ao fim da maturidade do financiamento.

Esta conta refere-se a recursos financeiros que ficam depositados no banco credor para assegurar o cumprimento dos compromissos de Angola com a China.

Segundo Vera Daves, Angola vai também pagar mais rapidamente a dívida já que sempre que o preço do barril de petróleo estiver acima dos 60 dólares o Estado angolano pode fazer pagamentos adicionais.

O acordo com o Banco de Desenvolvimento da China foi negociado em Março e o ministro de Estado e da Coordenação Económica disse na altura que os efeitos deste alívio iriam já sentir-se a partir de Abril.

Hoje, José de Lima Massano garantiu que os efeitos do acordo com os credores chineses nas contas públicas já se fazem sentir.

“Nós estávamos a prever uma entrada de fundos de 200 milhões de dólares e nós tivemos o triplo, isso permitiu-nos que, na relação com os nossos credores, na gestão da divida pública tivéssemos capacidade de honrar as nossas responsabilidades com fundos próprios”, disse o governante aos jornalistas.

Ou seja, “não se pressionou o mercado interno e externo para cumprir essas responsabilidades e isso leva a libertação de mais recursos da economia para apoiar o sector privado”, explicou.

José de Lima Massano notou, contudo, que embora do lado da economia “os sinais” do alívio já sejam visíveis o impacto na vida das pessoas “não é de um dia para o outro”.

A República Popular da China é o principal credor de Angola, com 17 mil milhões de dólares (15,62 mil milhões de euros ao cambio actual), representando cerca de 27,41% do ‘stock’ da divida governamental, que é de 62 mil milhões de dólares.

Luanda conseguiu, durante a visita este ano do Presidente angolano, general João Lourenço a Pequim, celebrar acordos com as instituições credoras chinesas para flexibilizar o modelo de constituição de garantias com base no fornecimento de petróleo, relativamente a 10 mil milhões de dólares (9,2 mil milhões de euros) contratados com o Banco de Desenvolvimento Chinês, CDB.

Com o acordo reduz-se o volume da reserva de garantia, constituída pelo excedente entre o fornecimento de petróleo e o valor necessário para o serviço dessa dívida, cujo calendário se mantém inalterado, explicou na altura o Tesouro angolano.

Passam a vigorar novas regras para a libertação pela parte chinesa dos saldos da reserva de garantia, permitindo ao Tesouro angolano dispor, mensalmente, de 150 a 200 milhões de dólares adicionais.

Sobre a dívida angolana, segundo Associação CEDESA, há um facto indesmentível. Angola procedeu a uma redução substancial do capital em débito desde 2017. Na realidade, nesse ano o montante de capital devido era de 23 204,9 mil milhões de dólares enquanto no final de 2023 apenas se situava nos 17 921,0 mil milhões de dólares, tendo havido assim uma redução exacta de 5 283,9 mil milhões de dólares segundo os dados oficiais do Banco Nacional de Angola (BNA), só em capital, não contabilizando juros. Isto significa que mesmo durante anos de crise-não esquecer que a economia angolana se contraiu entre 2016 e 2020 – o estado angolano teve capacidade e quis pagar a sua dívida à China.

Portanto, a questão não se coloca ao nível da capacidade, mas do sacrifício, ou melhor dizendo, do custo de oportunidade. O capital retirado do Orçamento Geral do Estado para pagar à China é capital que não é utilizado noutros sectores, como por exemplo, na área do desenvolvimento humano, educação, saúde, saneamento, etc.. Além disso, obviamente, a instabilidade orçamental derivada da oscilação dos preços do petróleo coloca sempre uma grande pressão na liquidez do tesouro para cumprir os pagamentos.

É por essa razão, e após o grande esforço angolano de mais de 5 mil milhões de dólares, efectuado durante a presidência de João Lourenço, que este deveria ser o tempo de descompressão no pagamento da dívida à China.

Diz a CEDESA que, a este acresce outro facto, já suficientemente tratado, que é o da chamada “dívida odiosa”. Parece hoje demonstrado que uma boa parte da dívida contraída à China por Angola, terminou de forma ilegal na posse de entidades privadas angolanas que não usaram os fundos para o bem comum, mas para lucro próprio indevido. Notícias recentes dão conta que a estruturação de todo o mecanismo de desvio de fundos teve a participação de entidades chinesas mandatadas pelo Comité Central do Partido Comunista Chinês.

A confirmar-se, e não está devidamente certificado, tal acção coloca os montantes de “dívida odiosa” numa categoria à parte, que deverá ser objecto de negociação separada pelas diplomacias dos dois países, para não dar origem a nenhum processo em tribunal arbitral, como está previsto nos acordos bilaterais de financiamento.

Enquadrada a questão da dívida, torna-se evidente que este é o tempo de ir para além da dívida e criar um novo paradigma para as relações entre Angola e China

Poder-se-ia pensar que a aproximação de João Lourenço a Joe Biden, promovendo um efectivo estreitamento das relações de Angola com os Estados Unidos, levaria a um necessário agastamento e afastamento da China.

Folha 8 com Lusa

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