Embora não nominalmente eleito, o Presidente angolano, general João Lourenço, numa posição igualmente subscrita pelo Presidente do MPLA, general João Lourenço, e pelo Titular do Poder Executivo, general João Lourenço, apelou hoje aos partidos, igrejas e sociedade civil que repudiem “discursos negativistas” e encorajem as “famílias camponesas”, realçando que a agricultura familiar tem mostrado “bons resultados” e deve ser incentivada para aumentar a produção nacional.
O general João Lourenço, que é igualmente fazendeiro, discursava na abertura do 2º Conselho da República, órgão decorativo e dito consultivo que se reúne para (supostamente) discutir assuntos importantes para o país, dedicada hoje ao tema da segurança alimentar.
Segurança alimentar que, em relação aos 20 milhões de pobres, é peixe podre, fuba podre e porrada se refilarem, mas que em relação aos membros do Conselho da República, por exemplo, é do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas e umas garrafas de Château-Grillet 2005.
O general presidente salientou que o governo quer continuar a apoiar a agricultura familiar e que o surgimento de novos municípios no âmbito da Divisão Política Administrativa (com a qual Angola passara de 18 para 21 províncias e de 164 para 324 municípios), permitirá continuar a construir escolas, postos médicos e outras pequenas infra-estruturas no meio rural para “fixar as famílias ali residentes e atrair as que se encontram ansiosas e desempregadas nas cidades para aumentar a força de trabalho no campo”.
Ou seja, como costuma dizer, fazer em 50 anos de desgovernação do MPLA mais do que os portugueses em 500. E tem razão. Os portugueses não tiveram visão para criar mais províncias e mais municípios, bem como 20 milhões de pobres…
“O executivo, partidos políticos, igrejas e sociedade civil devem repudiar o discurso negativista e tomar a dianteira no encorajamento das famílias camponesas pelos bons resultados do trabalho que a agricultura familiar apresenta hoje em todas as províncias”, prosseguiu.
Fica, contudo, uma dúvida. Será que o MPLA já autoriza os camponeses a plantar as couves com a raiz para baixo, como faziam os portugueses?
O Presidente afirmou que o sucesso da luta contra a pobreza e a fome (a tal que João Lourenço primeiro disse não existir e depois passou a “relativa”) “não depende do aumento das importações ou da política fiscal e cambial”, mas sim de uma maior oferta de alimentos produzidos localmente. Essa de concluir que a fome se combate com mais alimentos é brilhante.
“Portanto o segredo é trabalharmos mais e com melhores práticas de cultivo para tirar o maior rendimento possível por hectare”, salientou, lamentando que quase nunca sejam homenageados “aqueles que de Sol a Sol se curvam de enxada da mão para garantir que não faltam os alimentos na mesa dos angolanos”.
Saberá o general João Lourenço que, em 2022, o ministro da Agricultura e Florestas, António de Assis, afirmou: “No Bailundo [província do Huambo] as enxadas estão a ser alugadas à hora para se poder cultivar”?
A agricultura familiar contribui com mais de 80% dos produtos alimentares da cesta básica angolana, composta por 16 produtos, muitos importados, com os quais Angola gasta 200 milhões de dólares/mês.
“Com a paz de que desfrutamos há 22 anos o campo de batalha de hoje devem ser os campos agrícolas onde fazendeiros e camponeses com o seu abnegado trabalho extraem os produtos alimentares que nos precisamos de continuar a importar temos de olhar para as famílias camponesas com outro respeito e consideração (…) por nos proporcionarem o pão nosso de cada dia, o país já está a produzir bastante mas não o suficiente”, instou João Lourenço.
O também (é claro!) chefe do executivo apresentou aos conselheiros um ponto de situação em matéria de segurança alimentar e produção nacional, destacando que as políticas do executivo visam estimular a produção interna de bens alimentares e reduzir as importações.
“A nossa ambição é ver os produtos da cesta básica e da reserva estratégica alimentar constituídos essencialmente por produtos produzidos, transformados e embalados localmente”, salientou, estimando que os fertilizantes e vacinas para animais passem a ser produzidos localmente até 2027 com o arranque da indústria de fertilizantes no Soyo e a conclusão do centro de vacinas no Huambo.
O executivo está também apostado, diz o general dos generais, em criar mais matadouros, plataformas logísticas e unidades de descasque de arroz e trigo e silos de armazenamento, não só no Corredor do Lobito mas também noutros locais estratégicos para absorver a produção nacional de cereais e grãos como milho, arroz, trigo, sorgo e soja.
João Lourenço falou sobre a redução considerável de importação de carne bovina “que exauria as divisas” (segundo dados do governo a importação de carne bovina, reduziu-se em 43% no ano passado) e salientou que os grandes projectos de infra-estruturas no Cunene e futuramente no Namibe e na Huíla no quadro do combate aos efeitos da seca não se destinam apenas a salvar vidas humanas, mas devem também servir para produzir alimentos e peixe em larga escala.
“Estamos a falar de uma capacidade de armazenamento de 1.896 milhões de metros cúbicos de água de 440 quilómetros de canais” quando os quatro projectos em curso da província do Cunene estiverem concluídos no próximo ano.
O Conselho da República integra 23 personalidades, incluindo líderes políticos e religiosos, empresários e jornalistas, a esmagadora maioria ligada ao MPLA (partido do poder há 49 anos), e outros que para lá caminham.
NEM ENXADAS, NEM CATANAS
Recordamos ao general presidente que o ministro da Agricultura e Florestas, António de Assis, afirmou no dia 18 de Março de 2022 que agricultores do interior do país disputavam enxadas e catanas, por falta de produção local, considerando que este é um dos factores que limita o desenvolvimento do sector. Nem enxadas nem catanas. Coisas da crise… que já dura há 49 anos, não é senhor general João Lourenço? O melhor mesmo é pescar com enxadas e semear com anzóis. Ou, então, fazer como faziam os tugas – plantar as couves com a raiz para baixo…
Para António de Assis, a falta de fabrico interno de meios de produção agrícola, nomeadamente catanas, enxadas, carros de mão, agulhas e de fertilizantes e pesticidas condiciona o fomento da produção agrícola, levando os agricultores a disputarem estes meios.
Segundo o governante, a falta de conhecimento e de mercado constam também entre os factores que inviabilizam o crescimento da agricultura em Angola, defendendo que as acções das autoridades deviam convergir com o sector que dirige.
“A nível de Catabola [província do Bié] encontrar sementes e pesticidas é difícil, nas principais regiões onde se produz não há enxadas e no Bailundo [província do Huambo] as enxadas estão a ser alugadas à hora para se poder cultivar”, contou António de Assis.
O país “não produz enxadas, precisamos fazer diplomacia económica para atrair investimentos e produzir localmente enxadas, catanas, carros de mão, machados, regadores, facas, agulhas para coser os sacos e outros meios de produção”, frisou.
“Há alguns passos positivos nesse sentido, mas ainda insuficientes para as necessidades do país”, salientou.
O ministro falava durante a segunda edição do Café CIPRA (Centro de Imprensa da Presidência da República de Angola), que abordou o “Fomento da Produção Nacional e a Sustentabilidade da Reserva Estratégica Alimentar (REA)”.
A ausência de um “mercado sólido, que é todo o conjunto que congrega leis, normas, procedimentos, centrais logísticas, estradas e o ambiente em si onde a produção é levada” também emperram o desenvolvimento da agricultura, segundo o ministro. “Há esforços nesse sentido, hoje é possível verificar acções nesse domínio, mas precisamos de mais”, realçou.
Em relação ao que considerou de “défice acentuado de conhecimento” para a agricultura, António de Assis apontou que, no interior de Angola, a sementeira do milho e da mandioca “não obedece às normas técnico-científicas” do sector.
Com uma “sementeira correcta do milho”, exemplificou, a produção cresce a 100%: “A plantação da mandioca nos campos agrícolas é incorrecta, digo isso do ponto de vista técnico-científico e o mesmo se aplica à plantação da banana”.
“Angola tem de ser um país virado para a agricultura e todo o momento precisamos de analisar o sector para definir parâmetros de actuação conjunta, todos os sectores ministeriais devem estar ligados à agricultura por ser um sector transversal”, disse.
Apesar dos actuais constrangimentos”, observou António de Assis, “nos últimos anos foram dados passos significativos no domínio da agricultura e pescas e mesmo durante a pandemia o país não teve falta de alimentos”. Nada foi dito – corroboramos – sobre se os agricultores, contrariando as ordens superiores do MPLA, já plantam as couves com a raiz para… baixo.
“E pelo país há bastante produção local, há produtos agrícolas com alguma frequência e qualidade a nível do país. No país, há um despertar pela necessidade de se produzir, sobretudo devido às dificuldades do passado e a consciência de se consumir produtos locais”, apontou.