PORQUE O GAFI NÃO PRODUZ… GÁFIO

O Parlamento angolano aprovou hoje as alterações à lei sobre a designação e execução de actos jurídicos internacionais, para combater práticas ligadas ao financiamento ao terrorismo, tal como foi recomendado pelo Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI).

Este diploma legal, de iniciativa do Governo, foi aprovado na generalidade e por unanimidade durante na reunião plenária extraordinária da Assembleia Nacional.

A iniciativa legislativa tem como objecto estabelecer o regime de atribuições e competências em matéria de designação, remoção e isenção interna ou internacional de pessoas, grupos e entidades para a aplicação de medidas de combate ao terrorismo, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa.

O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Marcy Lopes, que fez a apresentou da lei no Parlamento, salientou que a sua actualização visa cumprir uma orientação do GAFI “decorrente da avaliação de que o país foi alvo há alguns anos”.

Segundo o governante, a lei visa ainda a definição e a operacionalização de mecanismos “mais eficientes de implementação de sanções financeiras direccionadas”.

Para o deputado do Partido de Renovação Social (PRS), oposição, Benedito Daniel, a alteração desta lei “é mais um passo fundamental no quadro do reforço da estabilidade do sistema financeiro nacional”.

Amélia Pinto, deputada do MPLA (no poder há 49 anos), considerou que a medida é um instrumento político essencial que orienta os órgãos nacionais no reforço da conformidade e efectividade do sistema nacional de combate ao branqueamento de capitais.

Pelo grupo parlamentar da UNITA (o maior partido na oposição que o MPLA ainda permite) interveio o deputado Custódio Kamuango que sinalizou a importância da lei e questionou a eficácia do sistema de combate ao branqueamento de capitais face à presença de Angola na “lista cinzenta” do GAFI.

Marcy Lopes, em resposta ao deputado da UNITA, referiu que a presença de Angola na “lista cinzenta” de monitorização reforçada do GAFI — anunciada em finais de Outubro passado — obriga o Estado a adoptar uma série de procedimentos deste órgão.

O governante apontou a recente aprovação de um decreto presidencial que aprova o estatuto orgânico do Instituto de Supervisão das Actividades Comunitárias, “órgão com finalidade de acompanhar e supervisionar actividades das associações e organizações não governamentais”, como uma das várias acções legislativas em resposta às recomendações do GAFI.

Os deputados aprovaram ainda hoje, na generalidade e por unanimidade, a proposta de lei de alteração da lei da Provedoria de Justiça com o objectivo de conformar a sua organização e funcionamento à Constituição e ao ordenamento jurídico angolano.

No passado dia 15, o Governo disse que estava a desenvolver acções (eventualmente estaria em elevada prevenção combativa) para a “curto prazo” sair da “lista cinzenta” de monitorização reforçada GAFI, garantindo suprir as 17 deficiências em aberto.

A garantia foi apresentada pelo ministro de Estado para a Coordenação Económica de Angola, José de Lima Massano, referindo que o país superou 70 das 87 deficiências constatadas, em 2023, por esta organização que luta contra o branqueamento de capitais.

“E foi dessa avaliação que tivemos o conjunto de recomendações que foram sendo tratadas, muitas delas com intervenção do parlamento, temos inclusive algumas propostas de lei que aqui ainda se encontram e esperamos sejam tratadas e cumprirmos então com as 17 deficiências ainda em aberto”, disse o governante.

No Parlamento, durante a plenária que aprovou na generalidade da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado 2025 com votos contra da UNITA, onde os deputados se manifestaram preocupados com a presença de Angola na “lista cinzenta”, Massano prometeu trabalho para inverter a situação.

De acordo com ministro, à luz deste cenário, existe “um forte compromisso” das autoridades do país de tudo fazerem para que “num horizonte temporal curto” Angola possa sair desta lista de monitoramento reforçado do GAFI.

“E queremos, por isso, contar com a contribuição de todos, incluindo com os senhores deputados”, para rapidamente sairmos dessa condição, frisou, citando igualmente as presenças da África do Sul, Moçambique, Namíbia, Nigéria, Tanzânia, Camarões, Costa do Marfim e RDCongo para sustentar que Angola “não é um caso isolado”.

O Grupo de Acção Financeira Internacional anunciou em finais de Outubro que incluiu Angola na sua “lista cinzenta”, como é conhecida a relação de países que ficam com monitorização reforçada pela entidade.

O anúncio foi feito pela presidente do órgão Elisa de Anda Madrazo, no final de uma reunião plenária em que sublinhou que “o processo de inclusão na lista não é uma medida punitiva”.

Sobre este assunto, a UNITA considerou que há muita lavagem de dinheiro em Angola: “O GAFI é responsável pela fiscalização e cumprimento legal das finanças no mundo, principalmente, sobre o branqueamento de captais (crimes económicos e financeiros dos políticos e outras individualidades bem posicionadas na sociedade) e o financiamento do terrorismo internacional. A entrada de Angola na lista da vergonha internacional, pela segunda vez, terá como consequências entre outras as seguintes:

Impacto negativo na capacidade de Angola em atrair investimento privado estrangeiro e financiamento internacional; aumento do perfil de risco do País pelas agências de classificação de risco internacional; dificuldades na recuperação de activos no exterior.” Por isso, a UNITA pergunta “como se explica que volvidos oito anos, Angola volte a integrar a lista da vergonha?”

Em Março de 2023, o economista Eliseu Vunge considerou que se assiste a um relaxamento da transparência financeira e alertou que Angola deve cumprir a ‘compliance’ para não regressar à lista cinzenta internacional de países que permitem lavagem de dinheiro.

Eliseu Vunge, que falava à agência Lusa sobre os receios de Angola regressar à lista cinzenta do GAFI, da qual saíra em 2018, referiu que é preciso “seguir à risca a questão da exposição das pessoas politicamente expostas no sistema financeiro”, por exemplo, bem como eliminar a falta de segurança, do ponto de vista das transacções.

“Penso que o foco principal continua a ser a transparência do nosso sistema financeiro, é aí onde nós pecamos, nos relatórios dos bancos, no cumprimento das obrigações de reportar junto ao Banco Nacional de Angola (BNA), que tem a responsabilidade de mandar para as entidades internacionais”, disse o economista.

Segundo Eliseu Vunge, as medidas estão mais voltadas para a questão da transparência, mas na medida que se vão ajustando as regras, também surgem “novas formas de distrair ou de fugir às regras”.

“Existem notícias de que não estão muito boas neste momento, relativamente a alguns bancos, o ‘compliance’, quando o nosso sistema financeiro, na verdade, é muito dominado por pessoas politicamente expostas”, salientou.

Em 2018, prosseguiu o economista, sentiam-se as regras “um pouco mais apertadas”.

“O que nós vamos assistindo é que vamos tendo algum retrocesso do ponto de vista de cumprimento, não é de lei, é de cumprimento das regras, uma vez que já foram aprovadas leis até de branqueamento de capitais, que facilitariam o nosso ambiente normal de negócios, no caso mais concreto o sistema financeiro”, vincou.

Para o economista, o que falta é “a continuidade de cumprimento das regras”, lembrando que o país é dotado de legislação para facilitar o processo.

“Se não cumprirmos à risca poderemos voltar a sofrer a mão pesada e entrarmos nessa lista”, opinou, reiterando que “o problema é a acção. Falta esse rigor, não só no controlo, mas do ponto de vista do cumprimento dos próprios bancos, dos avisos do BNA e aquilo que são as regras internacionais de reportes”.

Eliseu Vunge destacou que o ambiente em Angola é “acompanhado de situações do passado”.

“Apesar do esforço de retirar as pessoas politicamente expostas, muitas delas ainda existem e podem sempre exercer alguma influência, não directa, mas do ponto de vista indirecto”, realçou o economista, notando que nos últimos tempos, com a governação do Presidente angolano, João Lourenço, tem existido esse esforço, “em que a autonomia do BNA veio tentar trazer essa transparência”.

“Mas não podemos esquecer que mesmo que existam leis, a acção humana é que prevalece”, apelando a uma maior responsabilidade do órgão fiscal, no caso a Unidade de Informação Financeira, o BNA e demais órgãos.

De acordo com o economista, caso Angola regresse à lista cinzenta terá como consequências os mesmos problemas do passado, nomeadamente dificuldade de acesso aos mercados internacionais.

Um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), citado pelo jornal Expansão, aconselhou Angola a resolver o mais rapidamente possível as deficiências encontradas pelo GAFI no âmbito da inspecção ao país, para evitar o regresso à lista cinzenta.

O FMI no seu relatório destaca as melhorias feitas por Angola nos últimos anos, mas que ainda há muito por fazer.

O secretário de Estado para as Finanças e Tesouro de Angola, Ottoniel dos Santos, referindo-se ao assunto num fórum sobre a banca no ano passado, mostrou-se bastante confiante, afirmando que não existe hoje nenhuma razão para se antever um retrocesso face aos avanços verificados.

Na altura, um responsável do BNA anunciou que Angola já tem um plano para colmatar deficiências identificadas no combate ao branqueamento de capitais e manter-se fora da lista cinzenta de países do GAFI, que inclui alterações à lei e revisão da regulamentação bancária.

Pedro Castro e Silva adiantou que já se encontravam técnicos do regulador angolano em Arusha, na Tanzânia, para a reunião do Grupo de Combate à Lavagem de Dinheiro da África Oriental e Austral (ESAAMLG, na sigla em inglês) que discutirá a partir da próxima semana o relatório de avaliação de Angola.

O organismo intergovernamental do grupo de países da África Austral e Oriental tem como objectivo desenvolver e promover políticas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. É constituído por 17 países, Angola, Botsuana, Etiópia, África do Sul, Namíbia, Tanzânia, Ruanda, Seychelles, Suazilândia, Quénia, Zâmbia, Uganda, Moçambique, Malaui, Lesoto, Ilhas Maurícias e Zimbabué.

“O GAFI vai tomar uma decisão sobre Angola de acordo com o conteúdo do relatório: se ficará como está, sem fazer parte de nenhuma lista ou se terá acompanhamento reforçado. Se o GAFI decidir que é necessário acompanhamento reforçado o país tem um ano para resolver as deficiências que foram identificadas”, destacou o administrador do BNA.

Folha 8 com Lusa

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