A Polícia Nacional de Angola, no município do Talatona apreendeu equipamentos do Folha 8 e da TV 8, durante a cobertura jornalística que os repórteres António Mbinga e Domingos Miúdo faziam à greve dos trabalhadores do Ministério das Pescas e Recursos Marinhos. Os nossos jornalistas procuravam saber o que se passava e, por isso, não são imbecis. E como, sabendo o que se passa, não se calam, não são (ao contrário de quem dá ordens à Polícia Nacional) criminosos.
Por Orlando Castro
Como muito bem sabe o general João Lourenço, o Folha 8 resiste desde 1995 na sua versão identitária, em papel. À Internet chegámos mais tarde e os resultados estão a ser muito bons, para desgosto dos assessores do Presidente. Hoje, ao contrário das velhas práticas do MPLA, confiscar equipamentos ou edições, cortar a electricidade, impedir acesso à Internet ou até incendiar as nossas instalações… já não resulta
Por isso, com orgulho, dizemos Obrigado amigos! A todos. Aos que nos lêem todas as semanas na edição em papel (no mundo através do PressReader) e aos que fazem o mesmo com a nossa edição digital diária, nas nossas redes sociais e na TV8.
Estamos a tentar levar a carta a Garcia. A carta está cada vez mais perto do destinatário? Talvez esteja. Pelo caminho continuamos a ter de derrotar os que, de forma violenta (com risco da própria vida), nos querem obrigar a deitar a carta na primeira valeta. E, acredite presidente João Lourenço, não adianta alegar desconhecimento.
É claro que, no meio de todos, apareceram alguns que – solícitos – nos estendem a mão para nos ajudar a erguer depois de um tropeção (e consequente queda) nas pedras da picada. Pedras que, em alguns casos, ali foram colocadas pelos mesmos que nos estenderam a mão. Mas essa é outra história.
Pena é que nem sempre conheçamos todos aqueles que retiram as pedras da picada antes de passarmos. Mesmo assim, mesmo que anónimos, merecem a nossa gratidão. E são muitos. Muitos mesmo.
Como muito bem afirmou Joseph Pulitzer, “com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta” (tipo Jornal de Angola, TPA, Angop, RNA) “formará um público tão vil como ela mesma”. Também foi Pulitzer que hoje nos ajuda a compreender porque é que o MPLA tem tantos néscios com o cérebro ligado aos intestinos: “A única profissão para a qual nenhum tipo de treino é necessário é a de idiota.”
Em 2024 continuamos a tentar o impossível (o possível fazemos todos os dias) para ajudar a construir um país há 49 anos adiado. Não sabemos se temos engenho e arte para tal, sobretudo numa sociedade em que todos dizem saber mais e fazer melhor do que nós. Mas de uma coisa temos a certeza: não há comparação entre o que perdemos por fracassar e o que perdemos por não tentar. E tentar é coisa a que estamos todos habituados. Por isso… estejam à vontade camaradas do MPLA.
Embora grave, muito grave, a prática é bem antiga. Jornalistas e meios de comunicação social estão a ser sujeitos a crescente violência por parte de políticos que estão no Poder (no caso de Angola, do MPLA há 49 anos) e que, por isso, se julgam deuses. Em Maio, a organização não-governamental (ONG) Repórteres sem Fronteiras (RSF) revelou que Angola, que no ano passado foi o pior classificado dos lusófonos no mapa da liberdade de imprensa, subiu 21 posições para 104.º lugar (125.º em 2023).
Com a criminosa conivência da comunidade internacional, são cada vez mais os países africanos assinalados a vermelho no Índice Mundial da Liberdade de Imprensa de 2024 publicado pela organização não-governamental, o dobro do número registado em 2023.
A RSF salienta a Nigéria, onde cerca de 20 jornalistas foram atacados no início de 2023, apesar de o país ter subido 11 lugares para o 112.º, e Madagáscar (100.º), onde dez jornalistas foram visados durante os protestos pré-eleitorais.
Na República Democrática do Congo (123.º), a detenção do jornalista Stanis Bujakera, a aguardar julgamento devido a uma acusação forjada, é dado como um exemplo das tentativas frequentes dos políticos de intimidação da comunicação social.
Noutros casos, salientou a ONG, os políticos tentam instrumentalizar a comunicação social criando os seus próprios meios, como no Senegal (94º), na RDCongo e na Nigéria, ou, no caso do Togo, usaram os reguladores para tomar “medidas arbitrárias e desproporcionadas” contra jornalistas e empregadores.
Zimbabué (116.º lugar), Gabão (56.º) e Guiné-Conacri (78.º) subiram no Índice, mas a RSF afirma que as autoridades políticas desses países reforçaram o controlo sobre as notícias e a informação no período anterior às eleições, desligando arbitrariamente a Internet, expulsando jornalistas estrangeiros ou interferindo nas emissões de rádio e televisão.
As restrições são frequentemente alargadas a meios estrangeiros, como vários países do Sahel fizeram a meios de comunicação social estrangeiros, principalmente franceses, como a France 24, a RFI e a TV5 Monde.
O Níger (80.º lugar), Burkina Faso (86.º) e Mali (114.º) desceram no Índice em consequência das medidas adoptadas pelas juntas militares que tomaram o poder através de golpes de Estado para obstruir o trabalho dos jornalistas.
No norte de África, jornalistas que criticam a manutenção do Presidente da Tunísia (118º), no poder desde 2019, foram detidos e interrogados, à semelhança do que acontecia antes da revolução de 2010/11.
A RSF elogiou melhorias na Tanzânia (97.º lugar), que subiu 46 posições, e na Mauritânia (33.º).
Marrocos (129º) registou uma subida no indicador político, mas apenas devido à ausência de novas detenções, pois a perseguição de jornalistas, nomeadamente judicial, mantém-se naquele país.
O Índice Mundial da Liberdade de Imprensa, publicado anualmente pela Repórteres sem Fronteiras, avalia as condições para o jornalismo em 180 países e territórios.
Entre os oito dos nove Estados da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que constam desta tabela publicada anualmente, a qual não inclui São Tomé e Príncipe, Portugal é o único assinalado a verde.
Portugal subiu duas posições, para 7.º lugar, regressando assim ao grupo de oito países com uma “situação muito boa” em termos de liberdade de imprensa, do qual tinha saído no ano passado.
Timor-Leste continua o segundo entre os lusófonos, mas desceu dez lugares para o 20.º, seguido por Cabo Verde, que também desceu, para a 41.ª posição (33.ª em 2023).
O Brasil subiu 10 lugares, para 82.º, tendo sido substituído na 92.ª posição pela Guiné-Bissau, que desceu 14 posições em relação ao ano anterior.
Angola, que no ano passado foi o pior classificado dos lusófonos no mapa da liberdade de imprensa, subiu 21 posições para 104.º lugar (125.º em 2023).
Moçambique registou uma descida de três posições, ocupando agora o 105.º lugar, e a Guiné Equatorial, desceu sete lugares para a 127.ª posição.
A China, à qual pertence a região de Macau, subiu para 172.º (179.º em 2023), mas continua entre os 10 países do fundo da tabela.
Jornalismo não é ser equidistante. É ser verdadeiro
O Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) estava – continua a estar? – preocupado com o tratamento de questões políticas nos órgãos de comunicação social públicos e privados e lamentava os “actos de censura” que se têm registado.
O posicionamento consta numa deliberação aprovada no VI Congresso do SJA, na qual o sindicato se manifestou preocupado com “a maneira como alguns órgãos de comunicação social públicos e privados têm estado a posicionar-se perante questões políticas, assumindo-se parte, violando deste modo a deontologia profissional bem como a Constituição, que impõe tratamento igual e imparcial”.
O Sindicato deplora também os actos de censura que se registam em vários órgãos de comunicação social e recomenda aos jornalistas que “invoquem a cláusula de consciência quando são chamados a cobrir actos que violem a deontologia, reserva última para a credibilidade da profissão”.
“A liberdade de expressão exige um nível de responsabilidade acrescido e uma maior literacia mediática, que possibilite a cada cidadão distinguir o tipo de informação que consome. Produzir informação não é fazer jornalismo e, por si só, não faz do produtor de informação um jornalista”, afirma por sua vez o Sindicato dos Jornalistas (SJ) de Portugal.
Segundo o SJ, “neste contexto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas alertam para a proliferação de meios e formas de comunicação no meio digital que se apresentam como sendo órgãos jornalísticos não o sendo e que transmitem informação não verificada, sem fundamento científico e/ou sem qualquer independência face a interesses nunca revelados, porque nada os obriga a isso”.
“O jornalismo é uma actividade sujeita a escrutínio público e legal, que começa na formação do profissional e se desenvolve, na tarimba, diariamente, com alto grau de exigência técnica e ética, devendo o jornalista profissional cumprir o Código Deontológico dos Jornalistas e agir dentro do quadro ético-legal previsto no Estatuto do Jornalista, consolidado na Lei 1/99, de 13 de Janeiro. O desrespeito pelas normas que regem a actividade está sujeito a um quadro sancionatório regulado na lei, além da responsabilização ética, hierárquica e até judicial (em alguns casos)”, prossegue o SJ.
Assim, “dentro do cumprimento do quadro ético-deontológico, o jornalismo é a marca de água que distingue informação de desinformação, o contraste que autentica os factos face às falsificações que o contexto das redes sociais promove, não obstante o esforço de algumas em conter a pandemia da desinformação”.
“O jornalismo tem um papel fundamental no Estado de Direito e o seu compromisso é com a (busca da) verdade. Por isso a Constituição assegura o direito dos jornalistas às fontes de informação e à protecção da sua independência. A independência é um valor fundamental do jornalista e primeiro garante da veracidade da informação que produz”, diz o Sindicato dos Jornalistas portugueses.
Conclui o SJ que, “posto isto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas condenam a usurpação do bom nome colectivo dos Jornalistas e apelam às autoridades competentes, nomeadamente à Procuradoria-Geral da República e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que investiguem e fiscalizem as condutas e os grupos que promovam a desinformação”.
Este texto, divulgado pelo SJ de Portugal, deve merecer a atenção do Sindicato dos Jornalistas de Angola, bem como de todas as entidades ligadas ao sector, começando pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, já que por cá é comum as organizações oficiais, e pelos vistos até mesmo o SJA, confundirem a obra-prima do Mestre com a prima do mestre-de-obras.
Desde quando (como é regra nos países que são Estados de Direito e democracias), com excepção dos órgãos de comunicação social públicos, os jornais, rádios e televisões privados “não podem posicionar-se perante questões políticas, assumindo-se parte”? Não só podem como devem assumir de que lado estão, não ficando sempre em cima do muro, informando disso os seus leitores, ouvintes ou telespectadores.
Em Angola (ou a partir de Angola, ou tendo como fulcro Angola) existe uma enxurrada de meios que se auto-intitulam de comunicação social e que mais não são do que bordéis onde o dinheiro compra tudo. Não é, aliás, difícil ver que são antros putrefactos de negócios que nada têm a ver com Jornalismo.
Basta ver, se alguém estiver preocupado com isso (no caso angolano o Sindicato dos Jornalistas, a ERCA – Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana e a CCE – Comissão de Carteira e Ética) que esses meios não têm – por exemplo – Ficha Técnica, nem Estatuto Editorial nem Código de Ética e Deontologia específico. Já para não falar dos que vivem (à grande e à MPLA) à custa do dinheiro que vão buscar ao bolso de todos nós.
Pois é. Para o bem e para o mal (muito mais para o mal, reconhecemos) quem quiser saber o que é o Folha 8, onde está, o que faz, quem faz, como faz, basta consultar – por exemplo – a nossa edição digital diária.
Por vontade do Estado/MPLA, para além de Angola só precisar de ter um partido, também lhe basta a honorável existência do Jornal de Angola (do MPLA), da TPA (do MPLA), da RNA (do MPLA) e da Angop (do MPLA). Por isso, para os altíssimos e divinais donos do país (“O MPLA é Angola e Angola é do MPLA”), jornalista bom é jornalista morto.
Convém, contudo, salientar que o Titular do Poder Executivo tem nesta matéria de ensinar os angolanos e, é claro, também os jornalistas, a viver sem comer. Certamente não lhe faltará o apoio do Presidente do MPLA e do Presidente da República. E, se necessário, do Comandante-em-Chefe das Forças Armadas. Todos eles esperam, aliás, que quando estiverem quase, quase mesmo, a saber viver sem comer, os jornalistas… morram.
Em Abril de 2020, (alguns) jornalistas angolanos, sobretudo de órgãos privados, manifestaram-se confiantes que a “situação crítica” do sector, agravada pela Covid-19, com “dificuldades para pagar salários”, seria ultrapassada, após reunião com o ministro que tutela a Comunicação Social sob indicação do Presidente general João Lourenço.
“Esperamos que sim, porque este sinal que o Presidente da República, João Lourenço, deu pressupõe que sim, vamos acreditar que sim, que realmente os dias de aflição e dificuldades que vivemos sejam ultrapassadas”, afirmou na ocasião Teixeira Cândido, secretário-geral do SJA.
Na altura, falando à Lusa no final de uma reunião que mantiveram com o reputado e perito ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, o sindicalista observou que o actual cenário da imprensa privada angolana “é crítico e emergencial”.
Passados vários meses, o SJA reiterava que a imprensa privada “vive dias difíceis, como nunca antes viveu” (antes era no tempo do marimbondo-mor, José Eduardo dos Santos), realidade semelhante à de outros países, razão pela qual “muitos decidiram apoiar a imprensa privada por reconhecer o seu papel estruturante para a promoção das liberdades e democracia”.
A ingenuidade do SJA (embora louvável) reflecte a crença, muito bem disseminada pelo MPLA (o único partido que governou o país nos últimos 49 anos), de que Angola é aquilo que, de facto, não é: um Estado de Direito Democrático. E não o sendo, está-se nas tintas para que a liberdade de imprensa seja um pilar basilar da democracia.
Cremos (ingénuos que também somos) que a imprensa livre é de facto um pilar da democracia. O problema está quando, como é um facto em Angola, a democracia não existe, ou existe de forma coxa e apenas formal, numa reminiscência da União Nacional de Salazar ou, talvez, do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, de Hitler.