O Presidente angolano, general João Lourenço, considerou hoje a fome e a pobreza como um dos maiores problemas da Humanidade, e defendeu que sejam combatidos com “uma abordagem corajosa” e “sem tabus”. Lata não lhe falta. Angola tem 20 milhões de pobres, há 49 anos que o MPLA ensina (sem sucesso, acrescente-se) o Povo a viver sem comer, e o general que também é Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas não tem vergonha na chipala.
O Presidente angolano, que discursou num debate sobre a fome e a pobreza no mundo durante a cimeira do G20 que decorre no Brasil, destacou que o combate contra a fome e a pobreza requer “uma abordagem corajosa” para identificar “sem tabus” as principais causas do problema e soluções pragmáticas e duradouras para evitar o recurso ao assistencialismo que considerou não resolver o problema na raiz.
A fome é um flagelo que não afecta apenas os países em vias de desenvolvimento, salientou, podendo ser observado nos países desenvolvidos e industrializados, e sendo, por isso, imperioso olhar “para a questão do combate à fome e à pobreza, sob a mesma óptica e com a mesma sensibilidade”.
O general chefe de Estado saudou a criação, por iniciativa do Brasil, da Aliança na Luta contra a Fome e a Pobreza, da qual Angola é membro fundador, salientando que é fundamental olhar para a “urgente necessidade de se criarem condições que favoreçam o desenvolvimento de uma agricultura sustentável” para garantir a segurança alimentar e erradicar a fome.
“Para isso, existe a necessidade da mobilização de esforços e recursos para apoiar os países na implementação de políticas públicas eficazes que assentem essencialmente na realização de acções estruturais e transversais, com vista à redução das desigualdades”, indicou o chefe do executivo angolano.
O general João Lourenço elogiou a experiência do Brasil no combate à fome e à pobreza “bastante inspiradora pelos resultados práticos que tem alcançado”, afirmando que demonstra que o investimento na agricultura “é a opção certa” para promover o desenvolvimento e melhorar as condições de vida das populações.
Apontou também o caso de Angola, realçando o esforço das autoridades nacionais em matérias de aposta na agricultura para reforçar a segurança alimentar e reduzir a “grave dependência” da importação de bens alimentares.
João Lourenço focou o “enorme potencial” de Angola no sector agrícola, com terras férteis e água abundante, o que torna o país num “destino atractivo e interessante para o investimento estrangeiro” na produção alimentar e mostrou-se convicto de que o país vai cumprir o objectivo da erradicação da pobreza, estabelecido na Agenda 2030 das Nações Unidas sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) e na Agenda 2063 da União Africana.
Sobre as mudanças climáticas, frisou que agravam a pobreza das comunidades inteiras e afectam negativamente a realização da actividade agrícola, acrescentando que o governo angolano está a implementar um programa que consiste na transferência de água para as zonas mais afectadas pela seca, no sul do país, a partir do rio Cunene.
“Isto permitiu que populações geralmente nómadas, que se dedicavam essencialmente à pastorícia, se fixassem nestas zonas, que passaram a ter pasto e água para os seus animais e a possibilidade de produzirem bens agrícolas para o seu consumo”, afirmou, indicando que já está construído um primeiro canal e albufeiras de retenção de água (Cafu), prevendo-se a conclusão de projectos similares em 2025.
No quadro do combate à seca, o Presidente disse Angola tem ainda prevista a construção de seis grandes albufeiras no Namibe, estando em curso a mobilização de financiamento, e para mitigar as dificuldades que as populações está em curso um programa de transferências monetárias à famílias mais vulneráveis (Kwenda) que comparou ao programa “Bolsa Família” do Brasil.
Vejamos, entretanto, o que, em 2019, afirmou a propósito da fome o Padre Jacinto Wacussanga (a voz dos pobres no sul do país):
«Agora já sabemos porque nós os das periferias não somos pessoas, somos simples cartões eleitorais! Quando vêm as eleições, votar com força, quando vem a desgraça, não há fome em Angola. O pior é que isto não vem de um Governador ou de um ministro distraído, mas do próprio titular do poder!
«Homenagem seja feita ao mais velho Afonso Sova, vítima da fome falecido em Dezembro de 2018 no hospital da Chibemba, a quem eu pessoalmente levei, à irmã mais nova da tia Cristina Mwahuka do Fimo, falecida em princípios de Janeiro de 2019, a criança de três anos que em Janeiro de 2019 engoliu o caroço de Nhonho para aliviar a fome e morreu asfixiada, ao pobre homem do Fimo que morreu há duas semanas, depois de ter engolido tanta semente de nombé tendo ficado com o sistema digestivo obstruído, ao mais velho Maurício Tyapondakana por ausência de alimentos, e por todos os anónimos da periferia cuja fome não conta.
«Irmãos, Deus que vos trouxe ao mundo, a esta Angola que não vos tratou como filhos queridos, nem ao menos como enteados, vos conceda a eterna paz que vos foi negada! Ámen!»
Recorde-se que o Presidente João Lourenço mentiu quando, na entrevista à RTP, disse que não há fome em Angola, retratando que o que havia, apenas aqui ou ali, é uma ligeiríssima má-nutrição. Provavelmente João Lourenço deve ter feito estas declarações à RTP depois de um frugal e singelo almoço, do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e várias garrafas de Château-Grillet 2005.
Compreende-se (isto é como quem diz!), que o general tenha arrotado esta (e outras) mentira em solidariedade com os nossos 20 milhões de pobres que, por sua vez, arrotam à fome e morrem a sonhar com uma refeição.
Em 2018, os próprios dados governamentais davam conta que Angola tinha uma taxa de desnutrição crónica na ordem dos 38 por cento, com metade das províncias do país em situação de “extrema gravidade de desnutrição”, onde se destacava o Bié, com 51%.
As províncias do Bié com 51%, Cuanza Sul com 49%, Cuanza Norte com 45% e o Huambo com 44% foram apontadas, na altura, pela chefe do Programa Nacional de Nutrição, Maria Futi Tati, como as que apresentavam maiores indicadores de desnutrição.
“São cerca de nove províncias que estão em situação de extrema gravidade de desnutrição, sete províncias em situação de prevalência elevada e duas províncias em situação de prevalência média”, apontou Maria Futi Tati, em Junho de 2018.
Um recente relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) indicava que, em Angola, 23,9% da população passa fome.
Em Angola, segundo a FAO, “23,9% da população passa fome”, o que equivale a que “6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos”.
Reparou Presidente João Lourenço? 6,9 milhões?
Recordemos que o então ministro da Agricultura e Florestas de Angola, Marcos Alexandre Nhunga, disse no dia 12 de Setembro de 2018 que o país tinha alguma “população considerável que não passa fome como tal”, mas que “se encontra numa situação difícil”.
Sendo então Marcos Alexandre Nhunga ministro de João Lourenço, tinha com certeza toda a razão. Mesmo assim… “Não passa fome como tal”? Ou passa fome ou não passa, dizemos nós. Essa coisa de “fome como tal” não existe. Queria o ministro dizer que passa fome às segundas, quartas e sextas e come qualquer coisa às terças, quintas e sábados? E que “como tal” aos domingos faz jejum?
Marcos Nhunga falava aos jornalistas depois de questionado pela agência Lusa sobre o relatório de segurança alimentar e nutrição elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o qual indica que, em Angola, 23,9% da população passa fome. Passa forme. Não “fome como tal”.
“É uma realidade, mas não temos essa realidade. A FAO divulga os seus dados e não queremos fazer comentários. Mas a FAO, quando divulga, tem dados com base num levantamento a nível mundial”, afirmou o governante. E o que é que um levantamento a nível mundial afecta, “como tal”, os dados relativos a cada país?
Repetimos e repetiremos sempre. Em Angola, segundo a FAO, “23,9% da população passa fome”, o que equivale a que “6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos”.
Marcos Nhunga sustentou que a constatação é diferente da que pode parecer… “como tal”.
“[Angola] ainda tem alguma população considerável, que não digo que passem fome como tal, mas que está numa situação difícil. Exactamente por isso é que o governo quer melhorar e está a fazer intervenções no meio rural no quadro da actividade produtiva, para que possa resolver os problemas ligados à fome e à pobreza”, disse o então ministro numa tese corroborada pelo general João Lourenço.