O Governo britânico anunciou hoje sanções à empresária angolana Isabel dos Santos e dois dos seus associados, incluindo a proibição de entrar no país e o congelamento de activos. Em comunicado enviado ao Folha 8 pelo Gabinete Jurídico que trabalha com Isabel dos Santos, a empresária esclarece que “tenciona recorrer e espero que o Reino Unido me dê a oportunidade de apresentar as minhas provas e provar estas mentiras fabricadas contra mim pelo regime angolano”.
As sanções constituem o primeiro passo da nova campanha do Ministério dos Negócios Estrangeiros para combater a corrupção e o financiamento ilícito, segundo o comunicado divulgado pelo Governo britânico, e que mais não é que um “copy paste” das teses do Governo de João Lourenço.
Estão abrangidos pelas sanções outros dois “cleptocratas (…) que desviaram riquezas dos seus países de origem, bem como os seus amigos, familiares e intermediários que os ajudaram”, o ucraniano Dmitry Firtash e o político letão Aivars Lembergs.
Para além de Isabel dos Santos, são ainda alvo de sanções a partir de hoje a sócia e amiga Paula Oliveira e o ex-director financeiro da Sonangol, Sarju Raikundalia.
Por sua vez, o comunicado do Gabinete Jurídico que trabalha com a empresária angolana visada afirma:
«Na sequência das notícias veiculadas, no dia 21 de Novembro de 2024, por diferentes Órgãos de Comunicação Social, que referem que o governo britânico anunciou sanções que a impedem de entrar no país e congelou os seus activos naquele país, Isabel dos Santos declara:
A decisão é incorrecta e injustificada. Não foi dada a oportunidade de me defender destas alegações;
Não me apropriei indevidamente de qualquer dinheiro da Sonangol e também não me apropriei indevidamente de fundos da Unitel;
Nenhum tribunal me considerou culpada de corrupção ou suborno. Estamos perante mais um passo na campanha de perseguição politicamente motivada de Angola contra mim e a minha família;
Tenciono recorrer e espero que o Reino Unido me dê a oportunidade de apresentar as minhas provas e provar estas mentiras fabricadas contra mim pelo regime angolano.»
Já em Maio, Isabel dos Santos contestou o “alerta vermelho” da Interpol, solicitado pelo Estado angolano (leia-se MPLA/João Lourenço), por se basear em “informações falsas”, revelou o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ).
O ICIJ divulgou no dia 15 de Maio uma investigação sobre os bens imobiliários que Isabel dos Santos, a sua mãe e um antigo associado do seu marido (Sindika Dokolo, já falecido) detêm no Dubai, que descrevem como um “porto seguro” para fortunas ilícitas de políticos e cidadãos a braços com a justiça.
Em resposta sobre as propriedades que detém naquele estado dos Emirados Árabes Unidos, a filha do antigo presidente José Eduardo dos Santos afirmou que pretende contestar o pedido da Interpol porque foi emitido com base em “informações falsas” pelas autoridades angolanas.
O “alerta vermelho” (red notice) de que Isabel dos Santos foi alvo em 2022 é um “pedido de aplicação da lei em todo o mundo para localizar e prender provisoriamente uma pessoa enquanto se aguarda a extradição, rendição ou acção legal semelhante”, segundo a Interpol.
Isabel dos Santos afirmou ter adquirido o seu apartamento Sadaf para “uso pessoal” com dinheiro que ganhou nas suas empresas e com aparições públicas e acrescentou que o actual Presidente, general João Loureço, e as autoridades angolanas “têm uma agenda de motivação política” contra a família Dos Santos.
“Eles fabricam provas falsas e não permitem que os tribunais sejam imparciais e independentes”, escreveu a empresária.
A justiça do MPLA/João Lourenço tem rejeitado as acusações e garantiu usar todos os meios possíveis e activar os mecanismos internacionais para trazer Isabel dos Santos de volta a Angola, que deixou em 2017, quando o sucessor do seu pai (e por este escolhido e imposto ao MPLA) subiu ao poder.
A nova suposta investigação do ICIJ, Dubai Unlocked (Dubai desbloqueado), revela como têm sido adoptadas políticas que ajudaram a transformar o Dubai num porto seguro para supostos criminosos e políticos corruptos, ao mesmo tempo que os Emirados Árabes Unidos (EAU) se tentam livrar da reputação de destino preferencial para lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, depois de serem retirados da “lista cinzenta” do Grupo de Acção Financeira (GAFI), entidade financeira intergovernamental.
Os dados recolhidos pelo ICIJ (com apoio oficioso das autoridades angolanas) revelam que Isabel dos Santos e sua mãe, Tatiana “Kukanova” Regan, são co-proprietárias de um apartamento num prédio chamado Sadaf, hoje avaliado em mais de 570 mil dólares.
Os registos imobiliários do Dubai contêm também informações sobre Konema Mwenenge, parceiro de negócios do falecido marido da empresária, Sindika Dokolo, e empresas às quais está associado.
No início deste ano, a justiça do MPLA acusou Isabel dos Santos de 12 crimes e de causar um prejuízo de 219 milhões de dólares durante o período em que liderou a petrolífera estatal, Sonangol.
Em Junho de 2023, o Procurador-Geral da República de Angola, general Pitta Gróz, foi ao Dubai tentar deter Isabel dos Santos. A ordem para a deslocação foi do próprio Presidente general João Lourenço, mas as autoridades dos Emirados Árabes Unidos acabaram por não cooperar.
O general Hélder Pitta Gróz, adiantou na altura o Jornal de Negócios, viajou num avião fretado pela presidência de Angola, fazendo-se acompanhar de dois procuradores na certeza de que as autoridades dos Emirados Árabes Unidos iriam colaborar com a Justiça angolana. Contudo, à chegada ao Dubai, o PGR foi travado pelas forças policiais dos Emirados.
Apesar de Angola e EAU não terem qualquer tratado de extradição, o mesmo jornal referiu que teriam sido dadas garantias ao PGR do MPLA de que o país iria colaborar, o que acabou por não acontecer.
O Estado do MPLA alega no mandado de captura que Isabel dos Santos terá lesado o seu país em mais de 200 milhões de euros e acusa-a de peculato, associação criminosa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.
Esta foi a segunda vez que Hélder Pitta Gróz tentou deter Isabel dos Santos, tendo sido detida e ouvida pelas autoridades judiciais dos Países Baixos na sequência de uma queixa apresentada pela PGR angolana que solicitou a sua prisão e posterior detenção, mas o pedido não foi aceite pelas autoridades neerlandesas.
O Presidente general João Lourenço considera que Isabel dos Santos é “apenas uma” entre vários cidadãos a contas com a justiça e não é sua rival, rejeitando acusações (mais do que verdadeiras e comprovadas) de perseguição pessoal e política.
“Eu não a vejo como minha rival política. Perseguição política? Persegue-se um opositor e os opositores do MPLA são conhecidos”, afirmou a o chefe do executivo angolano, numa entrevista conjunta à Agência Lusa e jornal Expresso.
“Vamos deixar que a Interpol faça o seu trabalho. Costuma-se dizer que a justiça às vezes é lenta a agir, confiamos na idoneidade e capacidade da Interpol em cumprir o seu papel”, diz João Lourenço, acrescentando que “há trâmites a seguir”, pelo que é preciso “aguardar pacientemente pelo desfecho”.
O general chefe do executivo angolano e do MPLA refuta alegações de perseguição política, como se tem queixado a empresária, salientando que há muitos cidadãos que estão a braços com a justiça e o caso de Isabel “é apenas mais um”.
Isabel dos Santos tem reafirmado (basta ver o que o Folha 8 escreveu sobre o assunto) que aceitou liderar a Sonangol porque era “preciso salvar” a petrolífera e não para “resolver problemas financeiros” seus ou da família, negando ainda ter ordenado qualquer transferência depois de afastada de funções.
“Eu acho que houve um aproveitamento e má-fé por parte do meu sucessor [Carlos Saturnino], que quis em algum momento, por razões muito próprias suas, eu acho que foram razões pessoais não foram razões empresariais, criar um clima de desconfiança sobre a anterior gestão”, criticou Isabel dos Santos.
Em 28 de Fevereiro de 2018, Carlos Saturnino, então presidente do Conselho de Administração da Sonangol e que foi apresentado por João Lourenço como o perito dos peritos, denunciou a existência de uma transferência de 38 milhões de dólares (34,4 milhões de euros) feita pela administração cessante, liderada por Isabel dos Santos, após a sua exoneração.
“Eu quando fui para a Sonangol fui com um grande sentido de dever e sobretudo com um espírito de missão. Eu já trabalho há mais de 20 anos, já construi vários negócios de maneira bem-sucedida, portanto, com certeza que não iria para a Sonangol para ser o meu primeiro emprego ou para efectivamente resolver problemas financeiros meus ou da minha família”, afirmou.
Em 15 de Novembro de 2017, cerca de 18 meses depois de nomeada pelo ex-Presidente José Eduardo dos Santos, pai da empresária, Isabel dos Santos foi exonerada do cargo de presidente do Conselho de Administração da Sonangol por João Lourenço, que tinha assumido as funções de chefe de Estado angolano há cerca de um mês e meio e que no mesmo dia nomeou para o cargo Carlos Saturnino.
Em Março de 2018, a Procuradoria-Geral da República anunciou a abertura de um inquérito para apurar as denúncias feitas por Carlos Saturnino (afastado da Sonangol em Maio de 2019), mas não foi conhecido qualquer desenvolvimento desde então.
Sobre a decisão de aceitar, em Junho de 2016, o convite do pai e chefe de Estado de então, José Eduardo dos Santos, para liderar a petrolífera angolana, garante que ficou a dever-se à necessidade de “salvar a empresa”, mas que representou “algum custo pessoal e reputacional”.
Ainda assim, diz que voltaria a aceitar o desafio: “Voltaria porque acredito que nós fizemos um trabalho extraordinário. Nós quando chegámos à empresa não havia dinheiro para pagar salários. Eu, como angolana, sempre admirei a Sonangol, achei e acreditei que era a maior empresa do nosso país, que era realmente o nosso pilar, era a empresa que nos inspira, era o nosso orgulho, e eu não tinha noção efectivamente que não havia dinheiro sequer para pagar salários”.
Acrescentou ainda que quando chegou à Sonangol a petrolífera tinha uma dívida de quase 20.000 milhões de dólares e que os contratos com a banca estavam a entrar em incumprimento. Aponta mesmo o exemplo da carta de “um dos maiores bancos de Inglaterra” que recebeu no terceiro dia em funções, dando 48 horas para um pagamento.
“Pagamento para o qual não havia dinheiro. Nem imagina, eu tive de me enfiar num avião, ir fazer uma reunião de urgência com este banco e dizer: ‘olhe, dê-me tempo. Preciso de 15 dias, preciso de 10 dias, deixe-nos encontrar soluções’. E trabalhámos muito arduamente com o sector financeiro, com a banca, trabalhámos muito forte na restruturação”, disse, garantindo que nos 18 meses em funções, no âmbito da reestruturação da maior empresa angolana, cortou 40% nos custos e reduziu a dívida para metade.
“Fizemos uma diferença muito grande. Portanto, não tenho arrependimento nenhum”, assumiu.
A exoneração de 2017 explica com a anunciada privatização da petrolífera estatal angolana: “O Governo pretende privatizar a Sonangol, nós não fomos um ‘board’, um conselho de administração, que foi colocado para privatização, nós fomos colocados para a reestruturação. Efectivamente, hoje entendo que o projecto era privatizar a Sonangol e nós também não teríamos sido, eu pessoalmente não teria sido, o ‘board’ certo para esse trabalho”, disse ainda.
Além da reestruturação do grupo Sonangol, garantiu que em 18 meses de gestão foram feitos, com o apoio da consultoria externa, vários projectos, como a criação da Agência Nacional de Petróleos, entretanto criada.
“É uma iniciativa que partiu de mim, da minha equipa (…) e foi implementada. Está aí hoje e existe”, afirmou.