O Tribunal Penal Federal suíço inicia segunda-feira o julgamento de um caso de subornos alegadamente praticados em Angola pela empresa suíça Trafigura, acusada de pagar 5 milhões de dólares entre 2009 e 2011 a um alto quadro da Sonangol. Como a corrupção é um assunto menor, faz parte – aliás – do ADN do MPLA, oficialmente o regime só quer que se fale (nós fazemos o contrário) do alambamento que o general João Lourenço deu aos EUA (petróleo e Corredor do Lobito) como dote de casamento.
De acordo com os procuradores suíços, a Trafigura Beheer BV, antiga empresa-mãe do grupo Trafigura, de comércio de mercadorias, pagou cerca de 4,7 milhões de francos suíços em subornos ao então presidente da comissão executiva da Sonangol Distribuidora (filial da Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola – Sonangol), Paulo Gouveia Júnior, que, em contrapartida, aprovou oito contratos de fretamento de navios e um contrato de abastecimento, que terão rendido à empresa suíça aproximadamente 144 milhões de dólares de lucro.
No banco dos réus estarão Paulo Gouveia Júnior, que tem dupla nacionalidade angolana e portuguesa, acusado de corrupção passiva, o antigo director de operações da Trafigura, o britânico Mike Wainwright — que se reformou no início do corrente ano -, por corrupção activa de agentes públicos estrangeiros, um intermediário que terá procedido aos pagamentos, Thierry Guillaume Plojoux, de nacionalidade suíça e residente nos Emirados Árabes Unidos, além da própria empresa Trafigura, cujo fundador, Claude Dauphin, figura de relevo no comércio mundial de matérias-primas durante décadas, e que morreu de cancro em 2015, terá sido o ‘arquitecto’ do esquema de corrupção, segundo os procuradores.
Este processo remonta ao ano passado, tendo o gabinete do Procurador-Geral da Suíça apresentado uma acusação no Tribunal Penal Federal da Suíça em 5 de Dezembro de 2023 contra a Trafigura e “três indivíduos”, mas, tal como é habitual nos processos judiciais suíços, os detalhes da acusação foram ocultados e só revelados agora, em vésperas do início do julgamento.
Esta é a primeira vez que o Tribunal Penal Federal, com sede em Bellinzona, é chamado a julgar a responsabilidade penal de uma empresa por suborno de funcionários públicos estrangeiros.
Segundo a acta de acusação, um documento de 150 páginas, alguns dos mais altos executivos da Trafigura estiveram intimamente envolvidos nesta conspiração criminosa para ganhar contratos governamentais lucrativos em Angola, corrompendo um funcionário público entre 2009 e 2011, através de 16 depósitos no montante global de 4,3 milhões de euros em contas bancárias em Genebra, abertas em nome de Paulo Gouveia Júnior, enquanto 604 mil dólares em dinheiro foram-lhe entregues em Angola.
Segundo a acusação, Mike Wainwright esteve pessoalmente envolvido no esquema de suborno, tendo assinado alguns dos documentos envolvidos nas transacções, algo que o próprio e os seus advogados de defesa negam.
Relativamente a Paulo Gouveia Júnior, a acusação recorda que este exerceu, entre 24 de Julho de 2008 a 22 de Julho de 2010, os cargos de presidente da comissão executiva e membro executivo do conselho de administração da Sonangol Distribuidora SA – auferindo um salário entre 10 mil e 12 mil dólares mensais – e, posteriormente, de 22 de Julho de 2010 a 5 de Outubro de 2012, a presidência da comissão executiva e membro executivo do conselho de administração da Sonagás, Sonangol Gás, ambas subsidiárias da Sonangol.
Caso seja considerada culpada no final do julgamento que agora terá início em Bellinzona, a empresa suíça terá de entregar às autoridades os rendimentos obtidos através deste alegado esquema de corrupção, perto de 150 milhões de dólares, o equivalente a 2% dos seus lucros totais em 2023.
Entretanto, vejamos a história do alambamento e anunciado casamento entre o MPLA e os EUA. De inimigos da Guerra Fria a amigos improváveis, Estados Unidos e Angola mantêm há décadas uma relação que se desenha em torno de interesses económicos mútuos, iniciada com o petróleo e seguindo agora sobre os carris do Corredor do Lobito.
A parceria atinge na próxima semana o seu ponto mais alto com a visita de Joe Biden ao país, entre 2 e 4 de Dezembro – a primeira de um Presidente norte-americano a Angola -, com as atenções voltadas para o reforço e aprofundamento dos laços diplomáticos e económicos.
Durante décadas, o petróleo foi a pedra basilar das relações económicas entre Estados Unidos e Angola (há 49 anos nas mãos cheias de sangue do MPLA), que não se interromperam nem durante a guerra civil de quase 30 anos, iniciada logo após a independência de Angola, em 1975, em que os dois países se encontraram em lados opostos, com os norte-americanos a apoiar os rebeldes da UNITA contra o pró-soviético MPLA.
Embora os EUA tenham reconhecido Angola em 1993, sinalizando a vontade de evoluir para uma relação mais construtiva, o ponto de viragem só se iniciaria a partir de 2002 com o fim da guerra, quando Angola começou a preparar a reconstrução nacional com ajuda dos aliados internacionais (sobretudo chineses).
Com a chegada do general João Lourenço ao poder, em 2017, Angola tem-se mostrado cada vez mais disponível para ser um parceiro polígamo estratégico do Ocidente em África, devido aos seus recursos naturais e localização privilegiada com acesso à costa Atlântica, e o Executivo do MPLA que diz há 49 anos (tantos quantos está no Poder) pretender diversificar a economia e estar menos dependente do petróleo, procura aliados que o ajudem a concretizar essa ambição, ou seja aproximar-se dos níveis de diversificação económica e de equidade social que Angola tinha em 1974.
Agricultura, energias renováveis, tecnologias de informação e comunicação e infra-estruturas são algumas das áreas que o Governo chefiado pelo general João Lourenço quer desenvolver com a ajuda norte-americana, contando já com empresas como a Africell (Telecom) e a Sun Africa (energias renováveis), além dos financiamentos de muitos milhões de dólares da International Development Finance Corporation (DFC) para o Corredor do Lobito.
Os EUA, por seu lado, olham para Angola como um aliado que os poderá apoiar em matéria de segurança e estabilidade regional, reconhecendo igualmente o potencial do corredor ferroviário que atravessa Angola até à República Democrática do Congo e se apresenta como alternativa à iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”, acelerando o transporte de minerais críticos e produtos agrícolas a partir do interior africano.
Ao mesmo tempo, Angola tem tentado equilibrar esta relação com outras alianças, nomeadamente a China e a Rússia, que permanecem parceiros com interesses significativos nos recursos, infra-estruturas e apoio militar.
A visita de Biden, inicialmente prevista para Outubro, acontece já depois das eleições norte-americanas que deram a vitória ao republicano Donald Trump, e não terá por isso o impacto que se esperava, assinalando, ainda assim, a vontade de estreitar os laços e demonstrar o carácter mutuamente vantajoso da relação.
Mas ainda não é claro se a proximidade se manterá no mandato do seu sucessor, havendo oportunidades, num cenário de competição entre potências mundiais, mas também desafios que se prendem com a imprevisibilidade das políticas do futuro ocupante da Casa Branca.