Enquanto a Ordem dos Advogados de Angola (OAA) ordenou hoje, em Luanda, a instauração de um inquérito para a responsabilização disciplinar dos agentes e oficiais envolvidos na detenção dos sindicalistas enquanto participavam da greve geral em curso no país, o MPLA, na sua qualidade de “dono” da Assembleia Nacional rejeitou os requerimentos da UNITA sobre a greve geral convocada pelas centrais sindicais, que entra hoje no segundo dia, e dos votos de saudação à concertação social.
Num “apelo urgente”, a OAA considerou, apesar da constatação dos factos não serem ainda conclusivas, que a intervenção da Polícia (que de nacional tem pouco e que do MPLA tem tudo) “indicia um comportamento institucional arbitrário, ilegal e desproporcional”, porque “violou a lei ao deter cidadãos sem mandado e que não estavam no cometimento de algum crime e desproporcional, porque usou da força, em alguns casos até com violência contra sindicalistas e grevistas desarmados”.
Em causa está a detenção pela Polícia, na quarta-feira, nas províncias do Huambo e do Bengo de alguns sindicalistas e grevistas, que participavam no arranque da primeira fase da greve geral de três dias, convocada por três centrais sindicais, reivindicando aumento salarial, redução de impostos e melhoria das condições de trabalho.
De acordo com a coordenadora da Comissão de Direitos Humanos e membro do Conselho Nacional da OAA, Margareth Nanga, os sindicalistas detidos, na quarta-feira, no Huambo foram colocados em liberdade no mesmo dia e foram hoje presentes ao juiz de garantias. Relativamente à situação na província do Bengo, Margareth Nanga frisou que os colegas locais estão a diligenciar para apurar o que se terá passado.
A Ordem defendeu que o inquérito aos polícias seja conduzido por uma comissão intersectorial e independente, para a promoção da competente instrução de eventuais processos-crimes e civis, bem como que seja garantida a protecção e apoio às vítimas.
Segundo a OAA, vai continuar a monitorar a situação, colocando-se à disposição dos sindicatos e das instituições do Estado para quaisquer esclarecimentos sobre a protecção e garantia dos direitos fundamentais e aplicação dos instrumentos internos e internacionais de direitos humanos.
A OAA vincou no apelo que o direito à greve “é crucial” (se acaso Angola fosse uma democracia e um Estado de Direito), incluindo o direito a condições de trabalho justas e favoráveis, e a “trabalhar com dignidade, sem medo de intimidação e perseguição”.
“O direito à greve é parte estruturante da liberdade sindical, que é uma liberdade fundamental, por isso, um direito humano e é um mecanismo de garantia para o exercício e promoção dos direitos dos trabalhadores, pois, como lembra a OIT (Organização Internacional do Trabalho), que sem liberdade sindical não há justiça”, destaca-se no documento.
O caderno reivindicativo foi apresentado em 5 de Setembro de 2023 ao Governo, pela Central Geral de Sindicatos Independentes e Livres de Angola (CGSILA), a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos – Confederação Sindical (UNTA-CS) e a Força Sindical – Central Sindical (FS-CS).
Apesar das negociações, concluíram que não houve resposta satisfatória do Executivo às suas reivindicações, mantendo-se as divergências quanto ao aumento do salário mínimo e da função pública, actualização de subsídios e desagravamento dos impostos.
As centrais sindicais começaram por exigir o aumento do salário mínimo dos actuais 32.000 kwanzas (35 euros), para 245.000 kwanzas (268 euros), proposta “flexibilizada”, entretanto, para 100.000 kwanzas (109 euros) e um reajuste do salário da Função Pública, na ordem de 250 por cento.
O executivo do MPLA decidiu propor um salário mínimo em função da dimensão da empresa, nomeadamente 48.000 kwanzas (52 euros) para as pequenas empresas, 70.000 kwanzas (76 euros) para médias empresas e 96.000 kwanzas (104 euros) para as grandes empresas, o que foi rejeitado pelos sindicatos.
Em 1998, foi realizada a primeira greve geral interpolada, realizada pela CGSILA com a duração de três dias, sendo esta segunda greve geral, mas a primeira congregando as três centrais sindicais angolanas.
Entretanto, a Assembleia Nacional do MPLA rejeitou hoje os requerimentos da UNITA (o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite) sobre a greve geral convocada pelas centrais sindicais, que entra hoje no segundo dia, e dos votos de saudação à concertação social.
Ambos os requerimentos, assinados pelo presidente do grupo parlamentar da UNITA, foram apresentados hoje no início da reunião plenária, tendo recebido votos contra da maioria parlamentar (MPLA, partido no poder há 49 anos).
Para a UNITA, a greve geral da função pública, cuja primeira fase decorre até sexta-feira, “é um assunto de interesse político relevante e urgente”, mas este não mereceu voto favorável para a discussão no plenário.
De acordo com o requerimento, apresentado pelo primeiro secretário de mesa do parlamento angolano, Manuel Lopes Dembo, desde 2014 os trabalhadores angolanos têm perdido, ano após ano, poder de compra, o que os relega para uma condição de vida “progressivamente mais precária”.
A UNITA entende que a política fiscal do Governo, consubstanciada no agravamento de impostos, introdução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e aumento das taxas do Imposto sobre o Rendimento do Trabalho (IRT), uma política cambial que resultou na desvalorização acentuada do kwanza (moeda nacional) e numa política que visou a retirada abrupta os subsídios aos combustíveis “não alcançaram os resultados pretendidos”.
“O que longe de contribuir para a melhoria da condição de vida dos trabalhadores, induziu ainda mais o seu agravamento, pois traduziu-se numa acentuada redução de rendimentos, concomitantemente com um aumento generalizado dos produtos da cesta básica”, apontou.
A referida situação “gerou um descontentamento generalizado da população em geral e dos trabalhadores em particular, o que suscitou um amplo movimento reivindicativo que culminou com a declaração da primeira greve geral dos trabalhadores em Angola”.
O grupo parlamentar da UNITA considera que se a greve se prolongar “trará consequências nefastas para os cidadãos, para a economia e para o desenvolvimento sustentável de Angola”.
O requerimento submetido para a discussão na sessão plenária foi reprovado com 69 votos favoráveis e 95 votos contra.
A UNITA argumentou (sempre na idílica esperança que Angola fosse um Estado de Direito) que o debate iria identificar as causas principais da greve e as consequências políticas, económicas e sociais, incentivar a concertação social entre o executivo e as centrais sindicais, propor soluções políticas, económicas e sociais sustentáveis e outros.
O plenário da Assembleia Nacional negou também discutir o requerimento da UNITA sobre votos de saudação à concertação social, que visava saudar e encorajar as associações sindicais a prosseguirem com determinação a luta pela defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores.
A UNITA defende ainda, neste requerimento, que o país precisa de discutir com profundidade, transparência e sensibilidade humana as causas e consequências da greve nacional para que seja encontrada uma solução equitativa, economicamente viável e socialmente justa.
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