ESTADO (MPLA) TEM MEDO DA EDUCAÇÃO

Angola tem de aumentar a despesa com educação em cerca de 80% para alcançar as metas do Plano de Desenvolvimento do Capital Humano, que prevê quase o dobro de diplomados no ensino superior e técnico-profissional até 2037. As despesas de investimento e funcionamento no sector da Educação em Angola são as mais baixas na África Austral.

O Plano Nacional de Desenvolvimento do Capital Humano 2023-2037, aprovado em decreto presidencial publicado na terça-feira, contempla sete programas de acção dirigidos ao ensino técnico-profissional, formação profissional, formação graduada, formação pós-graduada, formação de professores, formação da administração pública e municipal, empreendedorismo e desenvolvimento empresarial.

O plano prevê uma expansão do ensino técnico-profissional, cuja taxa de participação transite de 10,9% para 15,6% em 2037 e um alargamento da oferta de formação profissional passando de uma taxa de 0,5% de participação da população economicamente activa na Formação Profissional para 1,25% em 2037.

Contempla também aumento do ‘stock’ de graduados, de 21,7 mil para 49 mil, e pós-graduados, com impacto na qualificação do corpo docente do ensino superior que passaria dos atuais 10,8% com doutoramento para os 35% em 2037.

Aceleração da formação de professores do ensino primário, formando um total de 153 mil ao longo do período de 2023-2037, é outra das metas do plano que prevê igualmente o crescimento do peso de graduados na carreira técnica da administração Pública (dirigentes e técnicos superiores), dos actuais 31,9% para 45,1% em 2037.

Outro objectivo é o incremento do número de empreendedores com formação inicial básica, passando de um total de 101 mil no período 2013-2018 para 324 mil no período 2031-2037.

Para cumprir as metas “estima-se que, a preços constantes, a despesa pública com o sistema de ensino (pré-escolar, primário, secundário e superior de graduação) deva ser, em 2037, cerca de 80% superior à dotação orçamental de 2022”, refere o documento.

Na base destas estimativas estão o aumento da população em idade de frequentar o ensino, maior abrangência do sistema de ensino, com aumento das taxas brutas de escolarização e aumentos do custo por aluno, moderados no caso do ensino primário e secundário e maiores no ensino técnico-profissional e superior de graduação.

O aumento da despesa pública seria assim de 67% no ensino pré-escolar e ensino primário, 82% no ensino secundário, cerca de 300% no técnico-profissional e 62% no ensino superior.

Através da implementação dos programas é esperado um aumento da disponibilidade de recursos humanos qualificados em áreas prioritárias; expansão da oferta educativa e formativa segundo as prioridades e necessidades do mercado de trabalho; oferta educativa e formativa direccionada ao desenvolvimento de conhecimentos e competências necessários ao sector público e ao tecido empresarial e privado; e aumentar os níveis de escolarização e qualificação da população.

As despesas de investimento e funcionamento no sector da Educação em Angola são as mais baixas na África Austral, o que traduz as “fragilidades do sistema educativo angolano”, considera o professor universitário Raul Tati. “Fragilidades”, acrescente-se, comuns ao sistema de saúde, aos direitos humanos, à equidade social, à justiça, ao emprego, à habitação, à liberdade, à dignidade…

Professor no Instituto Superior de Ciências da Educação e no Instituto Politécnico Superior Lusíada, de Cabinda, Raul Tati fez estas declarações em Lisboa, na conferência sobre Direito e Política da Educação, que assinalou o 30.º aniversário da ELA — European Association for Education Law and Policy, organizada por esta associação e a Faculdade Direito de Lisboa.

“Do ponto de vista das políticas públicas do executivo angolano, as despesas de investimento e de funcionamento na educação são as mais baixas da sub-região Austral (SADC) com apenas 6%, enquanto Moçambique já alcançou a fasquia dos 20%, a Zâmbia 16,2%, o Malawi 10,6%, a Zâmbia 16,2%, Maurícias 15,7%, Botswana 24,4%, a Namíbia 20,7%, a África do Sul 19,5%, o Zimbabwe 21,5% e o Lesotho 31,3%”, afirmou Raul Tati.

“Esses indicadores traduzem também na prática as fragilidades do nosso sistema educativo, a começar pela fraca qualidade do ensino público-estatal, agravada pelo fenómeno da corrupção muito arreigada, quer na venda de vagas de acesso, quer na venda de notas no processo avaliativo”, considerou.

Para Raul Tati, terminada a guerra civil angolana (há 22 anos), “em contexto pós-conflito, era expectável que as despesas na educação tivessem um incremento significativo”. Era. Mas quando Angola tem desde a independência, há 49 anos, sempre o mesmo partido (o MPLA) no Poder, o resultado catastrófico só pode ser este.

Tal não aconteceu, apesar do aumento das receitas resultantes das exportações de hidrocarbonetos, de que Angola é um dos principais produtores em África, sendo visível que a governação do MPLA ainda não percebeu que as couves devem ser plantadas com a raiz para baixo….

“Infelizmente, as despesas exponenciais dos órgãos de defesa e segurança prevalecem ainda hoje, o que se justifica porque Angola continua a ser um Estado securitário. Várias associações profissionais e cívicas da sociedade civil, bem como a oposição política em Angola batem-se até agora para que o Orçamento Geral do Estado (OGE) coloque a educação como prioridade dos investimentos públicos em Angola”, acrescentou.

Raul Tati é o primeiro-ministro do governo-sombra do principal partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, a UNITA.

Depois de recordar o “longo período de conflito armado por força de uma guerra civil que devastou o país durante 27 anos (1975-2002)”, Raul Tati destacou as consequências humanas, económicas e sociais que configuram, defendeu, uma “autêntica tragédia (…) pelo número de mortos, entre civis e militares, de mutilados, de deslocados e de refugiados”.

Os efeitos da guerra civil no tecido educativo angolano assentaram no princípio de que a “doutrina instalada no país era de que a educação não era prioridade num contexto de guerra”.

“Tendo em conta que quem vai para a guerra são os jovens, o recrutamento militar obrigatório retirou a milhares de jovens angolanos a possibilidade de estudar. O serviço militar obrigatório foi determinado por lei como prioridade. A escolaridade não era requisito para a incorporação militar. Não admira que uma boa percentagem dos efectivos militares do exército governamental tenha sido composta por jovens analfabetos ou de baixa instrução escolar”, frisou.

Raul Tati salientou ainda que durante a guerra civil “houve episódios em que, nos períodos de recrutamento e incorporação militar de jovens (a partir dos 18 anos), o exército realizava operações de captura de mancebos nas ruas e respectivas residências para o serviço militar compulsivo”.

“Muitos deles foram arrancados em plena sala de aulas. Da parte dos insurgentes, a realidade não era diferente. Muitos jovens foram raptados, sobretudo nas áreas rurais, e levados para a guerra. Também ficaram sem possibilidade de estudar. O mais grave é que a incorporação militar não era por tempo determinado. Não podiam desmobilizar enquanto decorria a guerra. O resultado, no fim da guerra, foi de milhares de desmobilizados com idade avançada e sem escolaridade”, acrescentou.

O “grande desafio pós-conflito devia ser a reconstrução antropológica e moral do tecido humano e social dilacerado pelo ódio fratricida e pelas ideologias deletérias que acirravam as divisões entre angolanos durante três décadas. Neste sentido, a grande arma para esse desafio seria, naturalmente, a educação. A educação é a grande arma capaz de cimentar uma nova cultura de paz e de convivência plural entre angolanos”, defendeu.

Raul Tati caracterizou a actual situação do sector da Educação em Angola como um “cenário de desigualdades”. “Cerca de oito milhões de crianças fora do sistema do ensino no actual ano lectivo 2023/24 por falta de vagas, segundo o Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA). Apenas 11% das crianças dos 3 aos 5 anos têm acesso à educação pré-escolar. Registam-se ainda graves desigualdades e assimetrias entre as zonas urbanas e as zonas rurais”, salientou.

Segundo a UNICEF, a taxa líquida de frequência do ensino primário é de 78% nas áreas urbanas e apenas 59% no meio rural. No ensino secundário esta taxa baixa para 50% nas áreas urbanas e 14% no meio rural, detalhou.

Folha 8 com Lusa

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