ENTRE COMER E TRATAR A SIDA…

Cerca de 340 mil pessoas estão infectadas com HIV em Angola, sobretudo mulheres, estimando-se que a taxa de abandono dos tratamentos devido aos problemas socioeconómicos ultrapassa os 52%, segundo a Rede Angolana das Organizações de Serviços de Sida (ANASO).

Os dados constam dum relatório sobre a situação da Sida em Angola segundo o qual o HIV/SIDA (Vírus da Imunodeficiência Humana/Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) atinge 2% da população, com aumento do número de novos casos e de mortes.

“Apesar da baixa prevalência, o país tem dificuldades em dar resposta à epidemia e a situação é preocupante e pode evoluir para uma situação alarmante, se não forem tomadas medidas urgentes”, avisa a ANASO.

A ANASO, que integra mais de 300 organizações da sociedade civil, refere que o rápido crescimento populacional indica que o número de pessoas que vivem com HIV/SIDA tem vindo a aumentar, estimando que existam actualmente 340 mil pessoas infectadas, das quais 190 mil são mulheres e 35 mil são crianças.

Cerca de 34 mil jovens vivem com o HIV, dos quais 73% são meninas e raparigas entre os 15 e os 24 anos, acrescenta.

A ANASO salienta que muitas pessoas estão a abandonar o tratamento anti-retroviral “por causa da fome e de outras dificuldades sociais”, já que muitos dos infectados são pessoas de baixos rendimentos.

“A taxa de abandono é superior a 52%”, refere, salientando ainda que um grande número de pessoas com Tuberculose vive com o HIV.

Outros dados indicam que a taxa da co-infecção HIV/Tuberculose é superior a 50% e que a taxa de transmissão de mãe para filho em Angola é das mais altas da região (16%).

Em termos geográficos, as províncias do sul e do leste apresentam as taxas mais altas de infecção (5%), estando o número de novas infecções por HIV a aumentar (25 mil/ano) e o número de mortes relacionadas com a Sida também (13 mil/ano).

De acordo com dados da ONUSIDA, citados no relatório, apenas 58% das pessoas que vivem com o HIV conhecem o seu estado serológico e apenas 49% dos infectados estão em tratamento anti-retroviral.

A ANASO refere que a resposta nacional à epidemia da Sida tem sido essencialmente medicalizada, assente no tratamento da população que vive com a doença e defende o desenvolvimento de um Roteiro Nacional de Prevenção.

“O país tem de melhorar a liderança política e a coordenação das acções e isto passa por definir os papéis e responsabilidades da Comissão Nacional de Luta contra a Sida e Grandes Endemias e do Instituto Nacional de Luta contra a Sida”, defende.

Para a ANASO, a Comissão Nacional de Luta contra a Sida deve incluir os parceiros e a resposta comunitária deve ser liderada pelas organizações da sociedade civil e deve ser reforçada, o que implica financiamento que não existe actualmente.

A ANASO chama a atenção para a necessidade de melhorar os dados, que estão desactualizados, destacando que o último inquérito de indicadores múltiplos de saúde foi realizado em 2016.

Por outro lado, pede a melhoria da cadeia de abastecimento de produtos de saúde, “que está a comprometer os esforços na disponibilidade dos insumos e criar ruptura de stock de anti-retrovirais, reagentes, testes, preservativos e outros produtos de saúde”, e lamenta a falta de espaços formais de diálogo onde a sociedade civil possa discutir a questão dos fundos e financiamentos.

“Infelizmente, não temos representantes na Assembleia Nacional, no Conselho da República, na Comissão Económica e Social ou noutros espaços formais de diálogo, mas estamos a trabalhar para que o país aumente o financiamento interno, através de mecanismos de financiamento inovadores e de novas abordagens, com uma maior participação do sector privado”, indica no relatório.

Para a ANASO, é preciso reduzir a “dependência financeira a partir de organizações internacionais que sustentam mais de 80% das acções desenvolvidas pela Sociedade Civil e representam 40% das despesas da resposta nacional à epidemia”.

Palavras não curam a Sida

Já em Janeiro de 2020, a ANASO mostrava-se preocupada com o aumento de novos casos de infecção, exigindo melhorias na resposta à doença. Antes, em Novembro de 2018 a organização dizia: Angola “continua a perder a guerra contra a Sida”, com o registo de 28 mil novas infecções e 13 mil mortes por ano. Nada de novo, portanto.

“A situação da Sida em Angola continua preocupante. Apesar dos esforços do governo e da sociedade civil, o número de novas infecções por HIV tem estado a aumentar, com cerca de 28 mil novas infecções por ano, e o número de mortes também tem estado a aumentar com 11 a 12 mil mortes por ano “, disse António Coelho, presidente da ANASO..

O responsável da ANASO falava à margem de uma reunião de alto nível, em Luanda, entre o Governo de Angola e o Fundo Global de Luta Contra a Sida, Tuberculose e Malária.

“Temos boas políticas, temos boas estratégias, mas se se for ao terreno não há implementação das acções porque não há fundos”, sublinhou o responsável, acrescentando que o Governo “tem grande dificuldade em colocar dinheiro” para responder a doenças como o HIV/Sida.

Considerando necessário que se criem condições para alterar comportamentos e responder melhor ao problema, António Coelho salientou então que “é preciso melhorar a vontade política”, melhorando a “liderança política”, que está “comprometida” pelo mau desempenho da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida e Grandes Endemias.

Há também “sérios problemas na recolha e tratamento dos dados”, continuou o dirigente da ANAS, referindo que a taxa de prevalência de 2% “vem de há 10 anos” o que significa que existem entre 350 mil a 500 mil pessoas a viver com HIV no país, das quais só 78 mil estão a fazer tratamento.

Angola está também entre os países como mais alta taxa de transmissão vertical do HIV (de mãe para filho), na ordem dos 28%.

O responsável da ANASO indicou que é também necessário ultrapassar as limitações financeiras: “Continuamos como há alguns anos atrás de mãos estendidas e a olhar para organizações internacionais, temos de inverter a situação e, sobretudo, melhorar a contribuição do governo angolano no âmbito da luta conta Sida”.

Nesse âmbito, adiantou estar “a olhar para contribuições como a do Fundo Global que está em Angola desde 2004, com um apoio acumulado superior a 350 milhões de dólares [318 milhões de euros], que infelizmente tem diminuído nos últimos anos”. O Fundo Global é um dos principais parceiros do Governo no combate às grandes endemias como o HIV/Sida, Malária e Tuberculose.

António Coelho sublinhou “a necessidade de Angola demonstrar a contrapartida do Governo angolano na luta contra as três doenças”, já que o Fundo entende que, nos últimos anos, não teve evidências claras da contrapartida angolana, o que pode “comprometer a continuidade”.

Para expressar a importância deste apoio, o presidente da ANASOA disse que a nível de medicamentos sobrevive-se “graças ao Fundo Global”.

“Estamos em crer que haja apenas um ruído na comunicação, não me parece que o Governo angolano não esteja a cumprir a sua parte, mas é preciso que haja evidências”, de que a contribuição financeira angolana está a ser aplicada, notou.

O presidente do conselho do Fundo Global, Donald Kaberuka, esteve em Luanda no encontro de alto nível em que participaram também as ministras angolanas da Saúde, Sílvia Lutucuta, e de Estado para a Área Social, que então era Carolina Cerqueira.

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

Leave a Comment