Mais uma vez a Polícia Nacional mostrou qual é realmente a sua face, qual é a sua real luta: o retrocesso da democracia e a efectivação plena da ditadura. Esta demonstração foi feita diante dos jornalistas do Folha 8, António Mbinga e Domingos Miúdo, quando tentavam cobrir a manifestação dos funcionários do ministério das Pescas e Recursos Marinhos, hoje, no Talatona, em Luanda, ante edifícios ministeriais.
Por Domingos Miúdo
JJá no princípio, isto por volta das 11 horas, a concentração dos manifestantes incomodou a Polícia do MPLA que, por sua vez, aproximou-se com um documento que não fazia sentido e nem faria ainda que fosse na Coreia do Norte. No documento, que por sinal constava assinatura do governador de Luanda, Manuel Homem, invoca-se um suposto decreto lei que dizia que desfiles ou cortejos só deveriam acontecer aos sábados, das 13 horas em diante, e aos domingos das 19 horas em diante. Desfiles e cortejos que para a cúpula do regime entende-se como manifestação e ou greve, uma clara demonstração de ignorância aos sinónimos. E é isso que dá quando fugimos às aulas de língua portuguesa.
Foi preciso Braúlio Firmino, jurista e porta-voz da comissão sindical dos trabalhadores do Ministério das Pescas e Recursos Marinhos, dar uma singela aula de Direito aos agentes sobre o que realmente se tratava. Talvez porque ainda não se ouvia os gritos dos operários, os “cães de guarda” do governo atenuaram a situação e fingiram compreender o que nunca compreendem, a Lei.
Quando os gritos dos trabalhadores começaram a soar até aos ouvidos dos capachos da ministra, minutos depois a patrulha transportada uma viatura de marca Hilux, matrícula LD-20-21-HM, do comando municipal do Talatona retornou, já sob as rédeas do chefe de operações da esquadra daquele comando. Sem mais nem menos, arrancaram as lonas que lá estavam, indicando o motivo do aglomerado, a greve. Exigiram, portanto, que se parasse logo com a manifestação, arrancando aos manifestantes os cartazes em que constavam os dizeres de descontentamentos e repúdio.
Exigiu-se, de igual modo, que a imprensa, no caso TV 8/Folha 8, único órgão que cobria a actividade, que deixasse de exercer a sua actividade jornalística sob pena de sofrer fortes represálias. Não se intimidando com as ameaças da Polícia Nacional que tudo fazia para boicotar o serviço jornalístico, os jornalistas da TV8 e do Folha 8 continuavam, simplesmente, a fazer o que lhes era de direito. Contudo, vergonhosamente, sob o efeito de quem só age com a barriga em vez de cérebro, arrancaram, agressivamente, os meios de trabalho da TV 8, nomeadamente, a câmara e o microfone e levaram-nos consigo à esquadra.
Mesmo sob a carteira profissional jornalística ou credenciais, os agentes policiais foram ditadores num país que se julga democrático e de direito, por conseguinte, livre. Na verdade, é uma atitude que nos enjoa a todos. Não se define, se é para rir ou para chorar.
Não se concebe um agente, pai de família, um cidadão de camada baixa que vive as preocupações da maioria, despedir ou dizer aos familiares ou amigos que vai para o trabalho, quando este mesmo trabalho, pelo capricho dos líderes, resume-se a impedir ou prender quem dignamente trabalha ou reivindica os seus direitos. É incompreensível!
O pior foi ouvir, quando no momento da solicitação dos meios apreendidos, de um dos subordinados do comando, por descuido, que o tal documento que proibia a manifestação só estava a ser produzido naquele momento. Que triste!
Apreensão da câmara e do microfone dos jornalistas e proibição da manifestação dos trabalhadores fere, sangrentamente, duma só vez, os artigos 40º, 44º e 47º da Constituição da República.
No art.º 40 (Liberdade de expressão e de informação), no seu ponto 1, 2, 4 e 5, a Constituição diz:
1. Todos têm o direito de exprimir, divulgar e compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões, pela palavra, imagem ou qualquer outro meio, bem como o direito e a liberdade de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício dos direitos e liberdades constantes do número anterior não pode ser impedido nem limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
4. As infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão e de informação fazem incorrer o seu autor em responsabilidade disciplinar, civil e criminal, nos termos da lei.
5. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, nos termos da lei e em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.
No artigo 44.º (Liberdade de imprensa) o seguinte:
1. É garantida a liberdade de imprensa, não podendo esta ser sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente de natureza política, ideológica ou artística.
2. O Estado assegura o pluralismo de expressão e garante a diferença de propriedade e a diversidade editorial dos meios de comunicação.
3. O Estado assegura a existência e o funcionamento independente e qualitativamente competitivo de um serviço público de rádio e de televisão.
4. A lei estabelece as formas de exercício da liberdade de imprensa.
Por sua vez, no 47.º (Liberdade de reunião e de manifestação) a lei é clara ao dizer:
1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei.
2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei.
Daí que é justo citar o escritor camaronês Mongo Beti, que diz que “a polícia é a instituição que melhor caracteriza o sistema político de um país. Se quiser conhecer o sistema político de um país, basta conhecer a sua polícia”.