A UNITA (o maior partido da oposição que, a muito custo, o MPLA ainda permite em Angola) admitiu hoje levar o processo de destituição do Presidente angolano, general João Lourenço, aos organismos judiciais regionais e internacionais, pedindo resposta ao Tribunal Constitucional (TC) angolano sobre o seu “contencioso parlamentar” no âmbito desta acção.
O presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, disse hoje que o processo de acusação e destituição do Presidente angolano já dura há um ano e que este poderá ser levado às instituições internacionais.
“Esperamos que o Tribunal Constitucional não retarde em demasiado esta resposta, porque nós, em função da resposta do TC, teremos esgotado aquilo que a lei nos obriga, o direito angolano ou o recurso a todas as instâncias de direito em Angola”, afirmou o líder da UNITA, em conferência de imprensa, em Luanda.
Adalberto da Costa Júnior disse que, esgotado todos os mecanismos internos de recurso sobre o processo de destituição de João Lourenço, a UNITA estará em condições de poder socorrer-se de outras opções internas ou externas.
Apontou os organismos judiciais da União Africana e outros internacionais como canais de recurso, “sempre tudo na perseguição do respeito à lei, da busca da estabilidade e da defesa do Estado democrático e de direito”.
O processo de acusação e destituição do Presidente angolano (não nominalmente eleito) – iniciativa do grupo parlamentar da UNITA – teve início há um ano e visa a responsabilização política por crimes alegadamente cometidos por João Lourenço no exercício de cargo político, por supostas violações da Constituição, atentado ao Estado Democrático e de Direito, por subversão de regras de execução orçamental, bem como por prática de corrupção, peculato e outros.
Os deputados do MPLA (no Poder há 49 anos) votaram contra a destituição de João Lourenço, em sessão plenária extraordinária realizada em 14 de Outubro 2023, marcada por fortes protestos da UNITA, que acusou a presidente do Parlamento, Carolina Cerqueira, de violar preceitos legais sobre a criação de uma Comissão Eventual que deveria elaborar um relatório-parecer sobre o processo, proposto por 90 deputados da UNITA e que seria depois discutido e votado no plenário.
A UNITA, na sequência, remeteu ao Tribunal Constitucional, em Dezembro passado, duas acções judiciais, uma sobre a “fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de norma do regimento da Assembleia Nacional” e outra sobre o “contencioso parlamentar”, no âmbito deste processo.
Estes processos foram admitidos pelo TC, que em Abril passado recusou declarar a inconstitucionalidade de uma norma do Parlamento, que, segundo a UNITA, viola a Constituição e inviabilizou a discussão do processo de destituição do Presidente da República.
Num acórdão, os juízes conselheiros do Tribunal Constitucional decidiram “negar provimento ao pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma n.º 3 do artigo 284.º do Regimento da Assembleia Nacional [sobre a criação de uma Comissão Eventual]”.
Hoje, o presidente da UNITA pediu igualmente “celeridade” ao TC na resposta à outra acção da UNITA (sobre o contencioso parlamentar), referindo que houve “violações múltiplas” à Constituição e ao regimento do Parlamento.
“Nenhum grupo parlamentar até hoje jamais recebeu do gabinete da presidente da Assembleia Nacional o conteúdo do processo de destituição do Presidente da República e não houve qualquer resolução sobre esta matéria”, frisou, recordando os episódios da plenária de 14 de Outubro de 2023.
Adalberto da Costa Júnior defendeu que o Tribunal Constitucional “deve ser livre das ordens do poder executivo” (liderado pelo general João Lourenço) e que este órgão deve actuar como garante da defesa intransigente dos direitos e da Constituição. “Angola precisa urgentemente de um poder judicial independente a todos os níveis”, respondeu ainda à Lusa.
No dia 21 de Julho de 2023, o ex-primeiro-ministro angolano, Marcolino Moco, considerou “muito interessante e de grande alcance” a iniciativa da UNITA de destituição do Presidente angolano, sobretudo em termos políticos, considerando que o pedido indica “aspectos muito graves” que se passam em Angola.
Marcolino Moco disse que, “em termos políticos, não há dúvidas que é uma iniciativa muito interessante, pelo menos através desta atitude está a chamar-se a atenção para aspectos muito graves que se estão a passar no país por iniciativa do Presidente da República, João Lourenço”.
Marcolino Moco salientou que o seu comentário não visava defender se o Presidente angolano deve ou não ser destituído do cargo, mas que a iniciativa legislativa da UNITA “vem na altura de, pelo menos, sacudir a sociedade nacional e internacional no sentido de alertar que o que se passa em Angola é muito grave”.
“O Presidente (da República) João Lourenço está a matar os mecanismos judiciais de forma acintosa, à luz do dia, toda a gente a ver”, afirmou Marcolino Moco, salientado que com os seus despachos o chefe de Estado angolano está a criar “um grande monopólio económico”.
Para o antigo primeiro-ministro angolano, através de despachos presidenciais, João Lourenço, reeleito em 2022 para um segundo mantado de mais cinco anos, “está a puxar a brasa para toda a sua sardinha, em termos económicos, sem olhar para as consequências”.
“Estou a referir-me ao grande monopólio económico que ele está a criar, está a empobrecer o país e a congelar o sangue do país: a moeda não circula, a fome, a indigência, o desemprego aumentam”, apontou.
Marcolino Moco, que já foi secretário-geral do MPLA (partido que está no Poder desde 1975), criticou também João Lourenço, também presidente do MPLA, por “atirar-se” às empresas dos filhos do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos.
“Há toda uma série de questões que, de forma geral, são levantados” pela acusação da UNITA que, “pelo menos, dão a sensação de que afinal a oposição tem a noção do que se passa e está a levantar a situação da gravidade das questões que se passam no país na pessoa do Presidente João Lourenço”, insistiu.
De facto, fundamentos doutrinários, político-constitucionais e políticos de desempenho constituem os eixos da iniciativa da UNITA, estando visível que a governação de João Lourenço “é contra a democracia, contra a paz social e contra a independência nacional”.
Questionado na altura se a iniciativa da UNITA tinha condições para avançar, ante a maioria parlamentar do MPLA, Marcolino Moco referiu que mesmo que a iniciativa não resulte do ponto de vista legislativo, em termos políticos ela tem “um grande alcance”.
“Esse tipo de actos nem sempre têm valor pelas consequências que possam ter. Eu, por exemplo, sou jurista, mas não só formalista, olho o direito e a justiça não como um valor em si, mas como um meio”, notou.
Mas, em termos políticos, prosseguiu, “não é preciso que as consequências desta acção venham a ser efectivas, o que a princípio olhando para o plano constitucional, sobretudo no plano material, continua a não haver coragem no seio do MPLA”.
Em relação à reacção do MPLA, Marcolino Moco considerou que esta reflecte o “mesmo comportamento destes (dirigentes) alegarem serem os inventores da democracia e fundadores da nação”.
“Já vimos a resposta agora do MPLA, que reflecte o mesmo comportamento de que eles que são os inventores da democracia, eles são os fundadores da nação, um conceito completamente errado e que deve ser abandonado se queremos ter efectivamente um país para todos”, defendeu.
Marcolino Moco acrescentou: “Ninguém fundou a nação, este é um slogan político que não é de todo proibido de se dizer, mas não pode ser aceite como algo efectivo, ninguém criou a nação, ela criou-se ao longo da história”.