O Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) denunciou ameaças à comunicação social na Guiné-Bissau e instou o Presidente guineense a garantir condições para que os profissionais possam trabalhar sem intimidação estatal. É chover no molhado. Que o digam os Jornalistas angolanos.
A posição desta organização, com sede em Nova Iorque e que promove a liberdade de imprensa e os direitos dos jornalistas, surge na sequência dos acontecimentos dos últimos três meses, desde que o Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, dissolveu o Parlamento antes de decorridos os 12 meses desde as eleições legislativas, como estabelece a Constituição.
O Comité relata a ocupação da rádio e televisão estatal por militares, a proibição a jornalistas de fazerem a cobertura de iniciativas presidenciais e ameaças e intimidação a profissionais e órgãos de comunicação social.
A organização pede “uma investigação credível” à ocupação das emissoras públicas e defende que o Presidente Embaló “deve retirar as suas recentes declarações”, por entender que “denigrem e ameaçam os meios de comunicação social”, ao referir-se aos jornalistas como sendo da oposição.
O CPJ também insta o chefe de Estado guineense “a garantir que os jornalistas terão permissão para trabalhar sem intimidação estatal”. Sonhar, tanto em Bissau como em Luanda, não paga impostos e, por isso, continuemos a sonhar e delirar… baixinho.
A invasão das emissoras públicas por homens armados ocorreu a seguir à decisão presidencial, a 4 de Dezembro de 2023, de dissolução da Assembleia Nacional Popular e a substituição do Governo da maioria PAI-Terra Ranka por um de iniciativa presidencial.
O Presidente da República justificou a decisão com uma alegada tentativa de golpe de Estado na troca de tiros entre forças de segurança e militares, a 1 de Dezembro, que se seguiu à prisão do ministro das Finanças e do secretário de Estado do Tesouro, do governo da coligação liderada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
Para a organização internacional de defesa dos jornalistas, “é profundamente preocupante que os meios de comunicação social da Guiné-Bissau tenham sido intimidados através de ataques armados e ameaças públicas, precisamente no momento em que precisavam de transmitir as notícias livremente e oferecer ao público diversos pontos de vista sobre a crise política em curso”.
A chefe do Programa África do CPJ, Angela Quintal, acrescenta que o “Presidente Umaro Sissoco Embaló deve retirar as suas declarações que ameaçam a comunicação social e desistir de abusar dos recursos do Estado para se proteger das críticas” e “as autoridades também devem investigar os ataques de Dezembro aos meios de comunicação públicos e outros ataques à imprensa.”
O Comité denuncia ainda que o Presidente guineense terá instruído o Ministério do Interior da Guiné-Bissau a criar “brigadas para ouvir programas de rádio” e “trazer quem insulta alguém” para que possam ser colocados no “seu lugar”, durante um discurso, a 2 de Janeiro.
O CPJ aponta também as declarações de Umaro Sissoco Embaló, a 23 de Janeiro, quando disse que os jornalistas parecem fazer parte da “oposição” e prometeu “acabar com a anarquia que fez com que qualquer um se tornasse comentador político”.
A organização cita o presidente da associação profissional local Ordem dos Jornalistas (OJGB), António Nhaga, para quem “as observações do Presidente acentuaram os perigos e a tensão vividos pelos jornalistas na Guiné-Bissau”.
O Comité refere ainda a proibição às jornalistas da RTP e da RDP, Indira Correia Baldé e Fátima Tchuma Camará, de cobrirem eventos presidenciais, acrescentando que as mesmas, assim como o delegado da RTP em Bissau, Waldir Araújo, terão sido alvo de ameaças em páginas das redes sociais apoiantes do Presidente da República.
O CPJ diz ter contactado a assessora do chefe de Estado, Indira Tavares, que “defendeu a decisão do presidente, dizendo que, em Janeiro, houve mais de quatro incidentes de meios de comunicação internacionais ´deturpando deliberadamente`” declarações de Sissoco Embaló e que “o governo tem trabalhado para melhorar as relações com os jornalistas ´há mais de três anos`”.
A mesma atribuiu, segundo a organização, “o problema aos jornalistas que querem ´fazer política activa`”, explicando que a Presidência da República não proibiu órgãos de comunicação social, mas que “as pessoas que querem entrar na política deveriam abandonar seus cartões de jornalista e aderir aos seus partidos, em vez de deturpar informações sem ética ou deontologia”.
Acrescentou que “a Presidência não pode ser responsável pelas ameaças online contra os jornalistas”, segundo o CPJ.
JORNALISMO, DEMOCRACIA E PAZ
Reflectir é preciso. Para todos e com todos? Não. Só para os que pensam pela própria cabeça. Recordam-se que, em 2021, o Comité Norueguês do Nobel laureou os Jornalistas Maria Ressa e Dmitry Muratov “pelos seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma condição prévia para a democracia e uma paz duradoura”?
A presidente da Comissão da Carteira e Ética, Luísa Rogério, diz que a “censura explícita” faz com que em Angola (um país que é mais um reino, um reino que é mais uma propriedade privada do presidente do MPLA) a comunicação social “não pareça muito real”.
Escreveu a DW África que, depois da crescente abertura vivida pelos órgãos de comunicação angolanos a partir de 2017, com o fim da chamada “era José Eduardo dos Santos”, a liberdade de imprensa em Angola tende “a piorar a um ritmo crescente e preocupante”.
Quem o disse foi a presidente da Comissão da Carteira e Ética de Angola, Luísa Rogério, em entrevista à DW África, a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
“Em 2017/2018 ficámos todos muito encantados porque os media passaram a publicar assuntos que até ao momento eram tabus. Se virmos bem, todas estas questões têm a ver com a governação passada, com a gestão decorrente do presidente José Eduardo dos Santos, que esteve no poder até 2017. Mas quando os assuntos, quando os grandes dossiês ligados à governação presente passaram a ser abordados, aí é que vimos que afinal havia um retrocesso”, começou por explicar.
Mais uma vez o Folha 8 teve razão… antes do tempo. Fomos dos poucos jornais que, logo em 2017, questionamos a “validade científica” do MPLA que, perante o mundo, garantia que – com João Lourenço – os novos filhos dos jacarés seriam vegetarianos ou até mesmo veganos.
Para a jornalista Luísa Rogério, não tem havido uma evolução: “Não há um programa e nem sequer existem políticas públicas exequíveis. O próprio Estado não faz nenhum incentivo com vista a estimular a comunicação social privada. Portanto, há um défice acentuado de liberdade de imprensa que se manifesta por via da redução do pluralismo. Os maiores órgãos são controlados pelo Estado. E nós sabemos que isso acontece, que a nomeação dos PCA’s, dos conselhos de administração desses órgãos públicos, ainda é feita pelo titular do poder executivo”.
Casos de detenção e intimidação de jornalistas em Angola têm também chamado a atenção de entidades internacionais como o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) que, recentemente, pediu “liberdade” para a imprensa em Angola.
Segundo a presidente da Comissão da Carteira e Ética, a criminalização da actividade jornalística – prevista na legislação actual em casos de difamação e calúnia – continua a ser um dos grandes entraves ao exercício da profissão. Ou seja, o presidente do MPLA quer (e bem) que a nossa liberdade termine onde começa a dele. No entanto, não aceita que a liberdade dele termine onde começa a nossa.
“Os crimes de honra não deviam resultar na privação da liberdade. Há muito tempo que defendo e acredito que as penas podiam ser convertidas em multas”, frisava Luísa Rogério.
A jornalista fala também em “censura explícita” e autocensura que condicionam o retrato do país nos órgãos de comunicação social.
“Se virmos os nossos noticiários vamos ficar com a sensação que Angola é outro país. A Angola que a media apresenta, de modo geral, não parece muito real. Tudo quanto acontece no espaço público devia ter igual tratamento na media e não tem”, diz Luísa Rogério.
Importa, contudo, recordar que quando o Presidente da República afirma que não há fome em Angola, os fazedores de informação têm de reproduzir essa afirmação, mesmo sabendo que é mentira. Só mesmo os Jornalistas (que nada têm a ver com fazedores de informação nem o são só por terem carteira profissional) se atrevem a dizer – com todas as letras – que o Presidente mente. E é por isso que Angola tem fazedores de informação até dizer basta, mas tem poucos (cada vez menos) Jornalistas.
“A media privilegia principalmente as acções do governo, dos titulares de cargos públicos do partido governante. A sociedade civil, por exemplo, só é retratada com equidade quando tem alguma proximidade ou quando o assunto não belisca nenhum interesse superior. Isso acontece porque há um medo, um excesso de zelo nas redacções que acaba por condicionar o desempenho dos jornalistas o que, naturalmente, se repercute negativamente no serviço prestado”, lamenta Luísa Rogério. Não é o caso, acrescente-se também com todas as letras, da Redacção do Folha 8.
Em Angola, tal como (entre outros casos na Lusofonia) na Guiné-Bissau, não há liberdade de informação. E não há porque aos jornalistas restam duas opções: serem domados e manter o emprego, ou o inverso. É claro que vemos toda a espécie de gentalha (desde os que trocam jornalistas por fazedores de textos aos políticos que lhes dão cobertura) dizer que são a favor do direito universal à liberdade de expressão.
Com a hipocrisia típica e atávica que caracteriza os donos da verdade, até vemos alguns dos carrascos a recordar que os jornalistas têm sido assassinados, mutilados, detidos, despedidos e por aí fora por exercerem, em consciência, a liberdade de expressão à qual, em teoria, têm direito.
Aliás, estamos mais uma vez à espera de ver muitos dos malandros dos diferentes regimes que amordaçam os Jornalistas aparecerem na ribalta com a bandeira da liberdade de expressão. Se calhar até João Lourenço será visto na ribalta com a bandeira desta causa.
E até vemos alguns dos algozes da liberdade de expressão (desde os donos dos jornalistas aos donos dos donos dos jornalistas) citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
Há alguns anos, o então secretário-geral da ONU defendeu uma tese que se tornou suicida no caso angolano. Kofi Annan disse que os jornalistas “deveriam ser agentes da mudança”.
Eles tentaram, eles tentam, eles continuarão a tentar o que aliás sempre fizerem, mudar a sociedade para melhor. Acontece que o seu conceito de sociedade melhor não é igual ao dos donos do reino, José Eduardo dos Santos ontem, João Lourenço hoje. E a resposta não se faz esperar: Jornalista bom é jornalista no desempregado ou amputado da coluna vertebral e, por isso, tapete do Poder.
Folha 8 com Lusa
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