Apesar das vigarices, reveladas por muitos observadores internacionais, as ordens eram claras. Assim, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) moçambicana anunciou hoje a vitória de Daniel Chapo (Frelimo) na eleição a Presidente da República do passado dia 9, com 70,67% dos votos, resultados que ainda carecem da validação do Conselho Constitucional.
Segundo os resultados do apuramento geral das eleições, anunciados pelo presidente da CNE, Carlos Matsinhe, em Maputo, Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder desde 1975), venceu com mais de 50% dos votos em todos os círculos eleitorais do país, somando no total 4.912.762 votos.
Venâncio Mondlane, apoiado pelo Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos, extraparlamentar), ficou em segundo lugar, com 20,32%, totalizando 1.412.517 votos.
Na terceira posição da eleição presidencial ficou Ossufo Momade, presidente da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), até agora maior partido da oposição, com 403.591 votos (5,81%), seguido de Lutero Simango, presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM, terceiro partido parlamentar), com 223.066 votos (3,21%).
Votaram nesta eleição 43,48% dos mais de 17,1 milhões de eleitores inscritos.
Segundo Carlos Matsinhe, o apuramento eleitoral foi feito por consenso em 87% dos 154 distritos.
As eleições gerais do dia 9 incluíram as sétimas presidenciais – às quais já não concorreu o actual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que atingiu o limite de dois mandatos – em simultâneo com legislativas e para assembleias e governadores provinciais.
Antes de anunciar os resultados centralizados do apuramento geral, o presidente da CNE explicou que “ao longo do dia da votação e do processo de contagem de votos foram instaurados vários processos contenciosos junto dos tribunais judiciais”, bem como “alguns canalizados ao Conselho Constitucional”.
“Processos esses que se espera a tomada das decisões competentes. Entretanto, a CNE é obrigada pela lei a anunciar o resultado da votação até 15 dias após a votação (…), não podíamos esperar as decisões desses contenciosos”, disse, admitindo que essas decisões “podem ter impacto nos resultados” hoje anunciados.
“O anúncio dos resultados não fecha todo o processo, até que tenha havido a validação dos resultados e a proclamação dos vencedores”, acrescentou Carlos Matsinhe.
Após o apuramento intermédio, ao nível dos 154 distritos e depois nas províncias, a CNE tinha 15 dias para anunciar os resultados oficiais, cabendo agora ao Conselho Constitucional a proclamação dos resultados, após concluir a análise, também, dos recursos dos candidatos e partidos da oposição, neste caso sem prazo definido para esse efeito.
O anúncio dos resultados feito hoje pela CNE acontece no primeiro de dois dias de greve geral e manifestações em todo o país convocadas pelo candidato Venâncio Mondlane contra o processo eleitoral deste ano.
Nas eleições gerais de 15 de Outubro de 2019, o candidato apoiado pela Frelimo, Filipe Nyusi, foi eleito para um segundo mandato como Presidente da República com 73,46% dos votos, seguido de Ossufo Momade, líder da Renamo, com 21,48%.
Em 2019 registou-se uma afluência às urnas, segundo os dados oficiais, de 52% dos mais de 13,1 milhões de eleitores inscritos para votar.
Nas eleições de 9 de Outubro, segundo os dados apresentados hoje pela CNE, a Frelimo venceu ainda a votação para as assembleias provinciais em todas as provinciais, garantindo assim a manutenção de todos os dez governadores de província.
O processo eleitoral de 2024 tem sido fortemente criticado por observadores internacionais, que apontam várias irregularidades, bem como pela violência, com protestos na rua que levaram à intervenção da polícia com lançamento de gás lacrimogéneo e tiros para o ar, e pelo duplo homicídio de dois apoiantes do candidato presidencial Venâncio Mondlane, o advogado Elvino Dias e o docente Paulo Guambe, mortos a tiro numa emboscada em Maputo na noite de 18 de Outubro.
Recorde-se que a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (MOE UE) às eleições gerais moçambicanas afirmou que constatou “irregularidades durante a contagem e alterações injustificadas” dos resultados eleitorais que precisam de ser esclarecidas.
“A MOE UE constatou irregularidades durante a contagem e alterações injustificadas dos resultados eleitorais a nível das assembleias de voto e a nível distrital”, lê-se num comunicado divulgado pelos observadores.
A Missão de Observação Eleitoral da União Europeia iniciou as suas actividades em Moçambique em 1 de Setembro de 2024 e destacou 179 observadores para o dia das eleições, tendo emitido uma declaração preliminar em 11 de Outubro, sobre o processo eleitoral.
“A MOE UE continuou a observar o processo eleitoral, embora os observadores da UE tenham sido impedidos de observar os processos de apuramento em alguns distritos e províncias, bem como a nível nacional”, lê-se.
No comunicado acrescenta-se que “como medida para contribuir para a confiança e integridade do processo eleitoral”, a MOE UE “reitera o seu apelo aos órgãos eleitorais para que conduzam o processo de apuramento de uma forma transparente e credível, assegurando a verificação dos resultados das mesas de voto”.
“A publicação dos resultados desagregados por mesa de voto não é apenas uma questão de boas práticas, mas também uma forte salvaguarda para a integridade dos resultados”, declarou a chefe da missão, Laura Ballarín, citada no comunicado.
A posição surgiu depois de Moçambique ter vivido momentos de tensão, com confrontos entre manifestantes e polícia, sobretudo em Maputo, após o lançamento de gás lacrimogéneo e tiros para o ar, para desmobilizar uma marcha pacífica convocada pelo candidato presidencial contra o duplo homicídio de dois apoiantes e de contestação aos resultados eleitorais no apuramento intermédio.
“Tendo em conta as tensões sociais e a violência eleitoral registadas nos últimos dias, a MOE UE reitera a sua condenação dos assassinatos de Elvino Dias e Paulo Guambe [advogado de Venâncio Mondlane e mandatário do Partido Podemos, que o apoia, respectivamente], e apela à máxima contenção de todos e ao respeito pelas liberdades fundamentais e direitos políticos”, acrescenta-se no comunicado.
A MOE UE afirma ainda “que é da responsabilidade da administração eleitoral esclarecer as irregularidades e do Conselho Constitucional resolvê-las durante o processo de validação dos resultados, no respeito pela vontade dos eleitores”.
“A MOE UE permanecerá em Moçambique para acompanhar as próximas fases do processo eleitoral. Posteriormente, publicará um relatório final, incluindo a sua avaliação e recomendações para melhorar o quadro eleitoral”, conclui-se no comunicado.