A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) pediu hoje ao Governo angolano “tratamento diferenciado” das empresas brasileiras em Angola, para ajudar a desenvolver o sector agro-pecuário no país há 49 anos dominado pelo regime do MPLA, lamentando dificuldades de alguns empresários.
Segundo o presidente da ApexBrasil, Jorge Viana, o Brasil, sob a liderança de Lula da Silva, “está de regresso a África e a Angola para ajudar no seu desenvolvimento”, sobretudo com a sua vasta experiência no sector agro-pecuário e na formação de cooperativas.
“Precisamos trazer as nossas cooperativas para cá, para que elas ajudem a formar cooperativas aqui com a tecnologia de cooperativas que o Brasil conseguiu desenvolver, porque a cooperativa é algo que não visa lucro, mas faz comércio e cresce”, disse Jorge Viana durante o Fórum Empresarial Agro Brasil-Angola, em Luanda.
Salientando que o Brasil “tem as maiores cooperativas do mundo”, que podem ajudar o povo angolano a formar, em parceria, as suas cooperativas, Jorge Viana lamentou, contudo, dificuldades de empresas brasileiras em Angola.
“Temos tido alguma dificuldade, temos alguns exemplos, a BR-Foods [empresa brasileira do sector agro-alimentar], por exemplo, está tendo problemas aqui”, referiu, sem especificar, dando conta que esta empresa está a ser convidada para se instalar em todo o mundo.
Falando no Instituto Guimarães Rosa, em Luanda, perante uma plateia composta por empresários brasileiros e angolanos, funcionários de departamentos ministeriais e pelos ministros da Agricultura e das Relações Exteriores de Angola, Jorge Viana pediu “tratamento diferenciado”.
“Gostaria de pedir ao Governo de Angola que não veja o Brasil como mais um país vindo aqui querendo assinar acordos de cooperação, veja o Brasil como uma grande oportunidade, um país que quer seguir sendo irmão de Angola”, disse.
O Governo de Lula da Silva, segundo o presidente da ApexBrasil, “não abre mão” de trabalhar com os países africanos, e especialmente com Angola, defendendo a necessidade de se “montar uma relação estratégica onde haja um tratamento diferenciado para as empresas brasileiras”, que não deve ser visto “como um favor, mas para dar oportunidade dessas empresas virem para cá e não irem para outros lugares”.
Para Jorge Viana, Angola não pode “estabelecer uma regra geral para o mundo e colocar o Brasil nessa regra geral”.
“Se acontecer isso, vamos jogar fora as oportunidades que o Presidente Lula da Silva e o Presidente angolano, João Lourenço, nos estão oferecendo”, salientou, aludindo aos acordos assinados em agosto de 2023 durante a visita do chefe de Estado brasileiro a Angola.
Destacou também a experiência brasileira na agro-pecuária e que deve ser partilhada com Angola no quadro das relações bilaterais, insistindo que a liderança de Lula da Silva é uma grande oportunidade para os dois países lusófonos.
Arlindo Rangel, presidente do Conselho de Administração da Agência de Investimento Privado e Promoção das Exportações de Angola (Aipex), disse, por sua vez, que o fórum visa fortalecer as relações agro-pecuárias, promover a troca de experiências, estabelecer parcerias estratégicas e explorar oportunidades de negócio entre os dois países.
Considerou que investimento no sector agro-pecuário angolano “é oportuno”. “É uma das prioridades do Estado angolano a segurança alimentar e a diversificação económica, com ênfase no setor agropecuário através do aumento da produção de alimentos tradicionais para o consumo interno”, declarou.
O agronegócio é para Angola um investimento considerado necessário, gozando por isso de todo o apoio burocrático da Aipex, que se traduz em benefícios fiscais, aduaneiro, segurança jurídica e procedimentos simplificados que visam acelerar a concretização dos negócios de empresas brasileiras em Angola, assegurou.
A maior comunidade do Brasil em África encontra-se em Angola com cerca de 30.000 cidadãos e perto de 200 empresas brasileiras operam no mercado angolano, conforme dados da Aipex.
UMA ESPÉCIE DE PARAÍSO BRASILEIRO
O Brasil investiu quase 20 mil milhões de dólares (18 mil milhões de euros) em Angola nas duas últimas décadas e promoveu mais de 75 projectos de cooperação, segundo dados do embaixador daquele país em Luanda.
Em entrevista recente (Maio) à Lusa, Rafael Vidal, o embaixador do Brasil em Angola, focou a construção conjunta e “irmandade” entre os dois países, ambos ex-colónias portuguesas, e a parceria diplomática “muito intensa” desde a independência de Angola, em 1975, que o Brasil foi o primeiro país a reconhecer.
O Brasil tem uma parceria estratégica com Angola – a segunda em África, além da África do Sul – e foi o país que mais recebeu fundos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) num total de 3,5 mil milhões de dólares (3,22 mil milhões de euros), já reembolsados, “para ajudar na reconstrução de Angola”, após o final da guerra civil, em 2002.
“As grandes empresas de engenharia e construção vieram, instalaram-se e muitas seguem por cá, investiram, essas obras são visíveis”, disse o diplomata, salientando a importância da diplomacia presidencial retomada no terceiro mandato de Lula da Silva, que escolheu Angola para a sua primeira visita.
“O Presidente Lula desde o seu primeiro mandato sempre teve essa actuação importante, sobretudo nas nossas parcerias mais importantes no eixo sul-sul”, notou Rafael Vidal, acrescentando que “todas as parcerias internacionais são bem-vindas”.
“Não estamos em Angola para deslocar ou alienar outros parceiros, não entramos nessa corrida (…). Acreditamos no princípio da cooperação à medida do Estado que recebe a cooperação e no princípio da responsabilidade internacional, não nos desenvolvemos se os nossos vizinhos não se desenvolverem”, declarou o embaixador, reforçando: “o Brasil não está aqui porque outros países estão, estaria aqui mesmo se nenhum deles estivesse”.
Rafael Vidal adiantou que o Brasil já estabeleceu mais de 75 projectos de cooperação e já investiu mais de 20 mil milhões de dólares (18,4 mil milhões de euros) em Angola em duas décadas.
“Temos a maior comunidade brasileira de África, uma comunidade empresarial, dinâmica, somos 27 mil brasileiros”, realçou.
Também o nível de comércio regressou aos níveis pré-pandemia, atingindo cerca de 1,5 mil milhões de dólares (1,38 mil milhões de euros), com uma balança comercial equilibrada entre 2022 e 2023.
“Angola exporta hoje muito mais petróleo, por exemplo”, salientou o embaixador brasileiro, destacando o “momento muito especial” da relação entre os dois países graças à retoma da diplomacia presidencial de Lula da Silva.
Como frutos dessa diplomacia, apontou realizações concretizadas recentemente, como o primeiro congresso do banco de leite humano, “com base na experiência angolana” e a primeira participação de startups brasileiras na Angola Startup Summit.
Entretanto, o embaixador brasileiro negou a existência de casos de corrupção ligados à emissão de vistos e anunciou “para breve” a reabertura de um consulado geral para atender “a explosão” de pedidos, que quintuplicaram num ano.
Rafael Vidal nota que o problema se tem vindo a avolumar desde o fim da pandemia, com o aumento do número de angolanos que querem viajar para o Brasil, o que fez com que a procura de vistos passasse de uma média anual de 5.000 vistos para os actuais 25.000 a 30.000 pedidos, quase 700% mais do que em 2022.
Muitos requerentes queixam-se de excesso de burocracia e da demora, que leva a recorrer a intermediários, mas Rafael Vidal considera que não se trata de um problema da embaixada, já que “é impossível os recursos humanos e físicos crescerem no mesmo ritmo” da procura.
Actualmente, a embaixada do Brasil dispõe de serviços consulares, mas o diplomata admitiu que a reabertura de novo consulado geral, já anunciado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se possa concretizar ainda este ano.
Rafael Vidal adianta que foram implementadas medidas para facilitar a fluidez dos requerimentos, tendo sido estabelecidos limites diários para atender os requentes e evitar que os passaportes fiquem retidos.
“Chegámos a ter 14 mil”, indica, acrescentando que todos foram já entregues e que para evitar a retenção dos passaportes o agendamento passou a ser a “porta de entrada” dos requentes, sendo atendidos cerca de 50 por dia.
Embora admita que os agendamentos continuam demorados, Rafael Vidal refere que a culpa não é da embaixada, mas sim da “explosão da demanda de vistos para o Brasil”.
Segundo o diplomata, o país tem vindo a ser cada vez mais procurado na medida em que dá resposta às necessidades de saúde, educação, trabalho e melhoria das condições de vida, mas também porque “o resto do mundo fecha as portas”.
“Outros países que poderiam ser destino, como EUA e Portugal, por exemplo, não têm a mesma facilidade da emissão de vistos”, frisou, destacando que para um visto de turismo (concedido por dois anos) apenas se exige comprovativos de rendimentos e documentos válidos. A principal tipologia de vistos que tem sido requerida é precisamente a de turista (90%), seguindo-se a de estudante.
Questionado sobre as reclamações relativas a pagamentos para fazer o agendamento e esquemas de corrupção, recentemente denunciados pela organização não-governamental angolana Omunga, Rafael Vidal desmentiu as denúncias.
“Em relação à embaixada não existe pagamento extra, a embaixada está blindada. Agora na rua não sabemos o que acontece, pode acontecer que os famosos ‘mixeiros’ enganem os incautos e ofereçam serviços a troco de dinheiro para agilizar vistos, é possível que intermediários, agências de viagem o façam, nisso nós não temos como actuar”, diz.
O embaixador considera “muito irresponsável” o uso da palavra corrupção a propósito destes casos, por considerar que esse conceito refere-se ao envolvimento de agentes do Estado.
“E nós não temos agentes do Estado a oferecer agilização de serviços. Quem oferece são os famosos ‘mixeiros’ que cobram dinheiro com promessa de conseguir visto mais rápido”, insiste o diplomata, que alerta para o facto de muitos intermediários apresentarem documentos falsificados que levam à recusa dos vistos, sendo os utentes “ludibriados”.
Cerca de 60% dos pedidos de vistos não são aprovados, e entre estes perto de 80% não são concedidos por inconformidade nos documentos, enquanto os restantes são recusados por estarem ligados a irregularidades graves como falsificação ou fraude, que impedem pedidos de um novo visto por cinco anos.
Quanto a “outras insinuações”, devem ser apresentadas provas, vincou Rafael Vidal, referindo que a embaixada mantém um canal aberto para agilizar casos urgentes, seja por problemas de saúde ou para participação em encontros no Brasil que sejam considerados importantes, como foi o caso da Omunga, cujo agendamento foi solicitado com urgência.
Na semana passada, a Omunga denunciou a existência de alegados esquemas de corrupção e tráfico de influência para obtenção de vistos na Embaixada do Brasil em Luanda, após o seu director executivo, João Malavindele, não ter conseguido embarcar para o país sul-americano para participar na reunião da Rede da Lusofonia de Combate à Corrupção (RedGov).
“O senhor Malavindele ficou esperando ser contactado pela embaixada e nós não podemos contactar milhares de cidadãos (…) no caso dele, felizmente, atendemos o agendamento e ele não pagou nada”, afirma o diplomata, sugerindo uma falha de comunicação.