O presidente da conferência dos bispos católicos, o arcebispo angolano José Manuel Imbamba, defendeu hoje a necessidade de Angola soltar a política e inteligências das “amarras e artimanhas partidárias (…), à porta dos 50 anos de independência”, convidando os políticos a “nunca romperem” o diálogo. Recorde-se que, em Angola, diálogo tem diversos significados. No caso do MPLA, no Poder há 49 anos, significa “nós decidimos e vocês falam”.
O arcebispo José Manuel Imbamba pergunta: “À porta dos 50 anos de independência, não é chegada a hora de soltarmos a política e as inteligências das amarras e artimanhas partidárias para estarem simplesmente ao serviço do bem dos cidadãos e da pátria? Não é chegada a hora de enterrarmos de uma vez por todas a carga histórica negativa e vingativa que habita em nós e ofusca e condiciona a nossa acção política e o perigo das nossas realizações e da nossa reconciliação autêntica?”.
O presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), que falava na abertura da II Assembleia Plenária Anual dos bispos angolanos, questionou também a “normalidade” de se “partidarizar tudo”, nomeadamente pessoas, instituições, reflexões, conhecimentos e pensamentos.
“Não é chegada a hora de nos consagrarmos a análises objectivas, porque científicas, da nossa realidade, libertas das autocomplacências e revanchismos partidários?”, interrogou.
Para o presidente da CEAST, estas questões são “inquietantes”, exortando a todos a fazerem um “exame de consciência e a assumirmos com gritos as nossas respectivas culpas com o propósito de emenda e renovação”.
“Convido, outrossim, as nossas lideranças político-partidárias a nunca romperem as linhas de diálogo, para os consensos que se impõem, em prol do bem de todos, nesta hora em que todos somos necessários”, frisou.
José Manuel Imbamba, líder cessante deste organismo da Igreja Católica em Angola, considerou, por outro lado, que o ambiente social no país “permanece sombrio com elevados índices de ansiedade, nervosismo, inquietação, incerteza, perplexidade, descrédito e desilusão”.
De acordo com o prelado católico, a linguagem político partidária “ainda está muito longe” de incluir, reconciliar, pacificar, unir, alegar, animar e de reacender a confiança e a esperança.
“Continuamos a agir na base da intriga, da falsidade, do ódio, da calúnia, da indiferença, da discriminação, da bajulação, do calculismo, do egoísmo, da divisão e do descompromisso com o bem comum e, sobretudo, com o bem dos mais desfavorecidos”, criticou.
O protagonismo social “ainda é do militante e não do cidadão, facto que mantém a nossa sociedade enferma e refém da bipolarização e da rotulação”, afirmou, defendendo que políticos e intelectuais em Angola têm o dever de injectar na sociedade sementes culturais assentes sobre as bases da dignidade das pessoas, do amor, do bem, da verdade, da justiça e da paz.
A assembleia plenária, que se estende até o próximo sábado, vai abordar a vida social e religiosa do país, nomeadamente a eleição da nova Direcção da CEAST para os próximos três anos, a realidade das comunidades e a abertura oficial do Triénio 2024-2026 dedicado aos Ministros Ordenados e a Vida Consagrada.
Em relação ao lema do triénio, José Manuel Imbamba, que disse ter feito “o possível” durante o seu mandato e defendeu contínuas reformas administrativas internas, salientou que este se traduz numa reflexão sobre a vocação, identidade e missão face aos desafios actuais.
“Sabemos que, por causa da fraqueza da vida humana, nalguns momentos, o ministério ordenado e a vida consagrada ficaram feridos, lamentamos aqui a tendência actual da banalização da vida sacra e não poucas vezes protagonizada por nós próprios”, concluiu o arcebispo católico.
Na verdade, depois de muitos anos (muitos mesmo) a dar cobertura ao MPLA, s bispos católicos angolanos dizem agora que os angolanos estão a correr o risco de se habituarem à pobreza e de se acomodarem à miséria, lamentando a degradação socioeconómica da vida das famílias no país.
“O elenco dos problemas socioeconómicos que desafiam, afligem e sufocam a vida dos cidadãos e das famílias são sobejamente conhecidos e devidamente identificados. Os relatórios das dioceses e estudos sobre a nossa realidade social ilustram bem este quadro, a vida das famílias e dos cidadãos não está fácil”, disse em Fevereiro deste ano José Manuel Imbamba.
O arcebispo angolano considerou que tal situação deve-se a uma profunda crise de ética, exortando os cidadãos, gestores públicos e privados e políticos a fazerem uma análise de consciência.
“A minha convicção é que tudo o que de ruim estamos a viver e a experimentar deve-se a uma profunda crise de ética”, afirmou José Manuel Imbamba, quando falava na abertura da 1.ª Assembleia Plenária dos Bispos da CEAST de 2024, que decorreu na província de Malanje.
Para o prelado católico, a sociedade vive hoje uma era de fragmentação da consciência em relação às referências éticas: “Já não temos um quadro axiológico de unanimidade social como na sociedade tradicional”.
“A consciência do mal, do injusto e do pecado está a desaparecer vertiginosamente, já não incomoda, o sentido de honra e de dignidade já não encaixa no nosso perfil, o egoísmo ou o individualismo está a ofuscar e a banir o sentido do bem comum”, apontou.
José Manuel Imbamba referiu, por outro lado, que a fragmentação da consciência em relação às referências éticas atingiu “níveis degradantes e irresponsáveis que se traduzem na corrosão, nepotismo, compadrio, amiguismo, clubismo e na vandalização e delapidação dos bens públicos”.
José Manuel Imbamba disse também que a produção interna “continua manietada”, a especulação dos preços dos produtos básicos continua em alta, afectando drasticamente o poder de compra dos cidadãos, as empresas angolanas continuam asfixiadas e muitas moribundas “por falta de ética”.
Os cidadãos “vão perdendo o respeito pelas instituições, a política já não visa o bem dos cidadãos, mas sim dos militantes, enfim, por falta de ética a religião tornou-se comércio e muitas igrejas transformaram-se em espaços de depravação, violência e desnorteio”, criticou.
“Esta é a nossa maior e a mais perigosa doença que lentamente nos vai corroendo por dentro”, notou.
O sacerdote defendeu que o país deve fazer uma “grande aposta” na ética aplicada ao serviço público, como instrumento de controlo, visando uma gestão ética do serviço público para não se cair “no descrédito e na inércia repetindo sempre os mesmos erros geradores da miséria, fome, injustiça, insatisfação e desespero”.
“A gestão ética do serviço público transformar-nos-á em cidadãos e funcionários sérios, honestos e responsáveis, exemplares, comedidos, competentes, comprometidos e desapegados, capazes de garantir uma execução à bom nível das políticas públicas traçadas pelo executivo e com um elevado sentido de pertença e de Estado”, concluiu José Manuel Imbamba.