ANGOLANOS EXCLUÍDOS DA VISITA DE MONTENEGRO

O primeiro-ministro português realiza esta semana uma visita oficial à parte nobre de Angola com o objectivo de fortalecer as relações políticas, económicas e culturais e tornar mais regulares e intensos os contactos entre os executivos dos dois países. Excluídos estão, desde logo, os direitos humanos, nomeadamente os mais de 20 milhões de angolanos pobres. Simples!

Na visita, que decorre entre terça e quinta-feira, Luís Montenegro vai ajoelhar-se e rezar junto do seu homólogo, João Lourenço, igualmente Presidente do MPLA e da República, sem esquecer que é também Comandante-em-Chefe das Forças Armadas. Por isso terá, obrigatoriamente, de transmitir que o relacionamento com Angola “é um relacionamento de todas as horas”, e independente de qualquer ciclo político em Portugal, já que em Angola o ciclo (do MPLA) é o mesmo há 49 anos.

Na deslocação, que passará por Luanda e Benguela (a tal que era para ser a Califórnia de Angola), o primeiro-ministro vai estar acompanhado pelos ministros de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, e da Economia, Pedro Reis, além do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Nuno Sampaio (em representação do ministro da tutela, Paulo Rangel, que se encontra no Rio de Janeiro na reunião do G20), e do secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, João Silva Lopes.

O convite a Luís Montenegro para visitar Angola surgiu nas primeiras semanas do seu mandato e foi anunciado publicamente pelo Presidente João Lourenço, após um encontro entre os dois na residência oficial do primeiro-ministro, em Lisboa, um dia depois de o chefe de Estado, de Governo e do MPLA ter participado nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a convite do bajulador-mor do reino lusitano, Marcelo Rebelo de Sousa.

Nessa ocasião, João Lourenço considerou que as relações bilaterais “estão no seu melhor”, mas acrescentou: “Embora tenhamos a obrigação de não nos sentirmos nunca satisfeitos. Temos de ser ambiciosos a ponto de querer mais e mais”.

Já Luís Montenegro disse então que a intenção do Governo PSD/CDS-PP, que tomou posse em 2 de Abril, era “manter este percurso de relação próxima entre governos em muitas áreas, da cultura à educação, às relações económicas”, destacando que há já muitas empresas portuguesas a actuarem em áreas prioritárias, estratégicas em Angola, como o sector agro-alimentar, têxtil, farmacêutico, turístico, na construção, nas energias renováveis ou em áreas tecnológicas.

O primeiro-ministro afirmou ainda que o Governo português tem “todo o interesse” em consolidar posições não só a nível bilateral, “mas também multilateral”, no quadro da relação de Angola com a União Europeia, no quadro da CPLP, das Nações Unidas e do G20, já que ambos os países foram convidados pelo Brasil como membros observadores este ano.

A visita oficial do primeiro-ministro português a Angola terá como ponto alto no primeiro dia precisamente o encontro com João Lourenço, após o qual serão assinados vários instrumentos jurídicos, ainda não divulgados.

A nível económico, o executivo português pretende diversificar as suas relações bilaterais com Angola, e mais de uma centena de empresários portugueses deverá participar na Feira Internacional de Luanda (FILDA), que decorre durante a visita oficial do primeiro-ministro.

Visitas à Escola Portuguesa de Luanda, na terça-feira, e às futuras instalações do Consulado Geral em Benguela, na quinta, são um sinal da prioridade que o executivo pretende dar a temas como a educação ou a mobilidade.

Em Junho, o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, disse em Luanda que Portugal quer agilizar o processamento dos vistos, enviando 45 especialistas para postos consulares identificados como prioritários, e salientou que o número de vistos concedidos por Portugal a cidadãos angolanos aumentou 43%, passando de 42 mil para 57 mil, em 2023.

Nessa ocasião, o ministro foi questionado sobre o tema das reparações de Portugal a ex-colónias, afirmando que o que está em causa é criar uma boa relação e sarar as feridas da história, “que existem sempre”, promovendo a reconciliação e aproveitar os erros do passado de forma pedagógica.

Quando esteve em Lisboa para participar na sessão comemorativa do 50.º aniversário do 25 de Abril de 1974, o Presidente de Angola defendeu que o desafio que as ex-colónias têm actualmente é “o da consolidação da democracia, da diversificação e fortalecimento” das suas economias.

“Soubemos vencer e superar o desafio da nossa existência como nações livres e soberanas, estabelecer a paz e a reconciliação entre nós, estando hoje empenhados no desenvolvimento económico e social dos nossos países”, afirmou João Lourenço.

Recorde-se que o saldo da balança comercial entre Angola e Portugal melhorou 24% no ano passado, para 991 milhões de euros, o valor mais alto dos últimos seis anos, nos quais tem sido sempre favorável a Portugal.

De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) português, no ano passado Portugal exportou bens e serviços no valor de 1,2 mil milhões de euros, o que compara com os 270 milhões gastos na importação de produtos angolanos.

No ano anterior, em 2022, as exportações foram ligeiramente maiores (1,4 mil milhões de euros), mas as importações tinham sido significativamente maiores, mais de 624 milhões de euros, o que explica a subida de 24% no saldo comercial favorável a Portugal em 2023 face ao ano anterior.

Olhando para os últimos seis anos, o saldo da balança comercial entre os dois países tem sido sempre favorável a Portugal, sendo que o ano em que a balança foi mais equilibrada foi 2019, quando Portugal importou mais de mil milhões de euros de produtos angolanos, na sua esmagadora maioria petróleo, e exportou 1,2 mil milhões, o que fez com que o saldo fosse positivo em apenas 163 milhões de euros.

Desde então, as importações caíram significativamente, para 389 milhões em 2020, ainda mais em 2021, para 80,5 milhões de euros, e depois subiram, em 2022, para 624 milhões de euros, caindo novamente no ano passado, para 270 milhões.

Em sentido inverso, as exportações portuguesas conheceram o valor mais alto dos últimos cinco anos em 2018, com mais de 1,5 mil milhões de vendas a Angola, caindo depois para 1,2 mil milhões, em 2019, e depois para 870 milhões e 951 milhões de euros nos anos de 2020 e 2021, marcados pela pandemia de covid-19.

Nos dois anos seguintes, em 2022 e 2023, as exportações portuguesas para o segundo maior produtor de petróleo na África subsaariana aumentaram para 1,4 e 1,2 mil milhões de euros.

No que diz respeito aos produtos exportados por Portugal, as rubricas de “reactores nucleares, caldeiras, máquinas, aparelhos e instrumentos mecânicos”, juntamente com “máquinas, aparelhos e materiais eléctricos, e aparelhos de gravação e reprodução de imagem e som” são as categorias principais.

Entretanto, por falta tempo e de espaço na agenda, ficam excluídos temas menores e irrelevante como:

– 68% da população angolana ser afectada pela pobreza, a taxa de mortalidade infantil ser das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças, só 38% da população angolana ter acesso a água potável e somente 44% dispor de saneamento básico;

– Apenas um quarto da população angolana ter acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal, da falta de material e de carência de medicamentos;

– 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, ser o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos;

– O acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, estar limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder;

– Angola ser um dos países mais corruptos do mundo, que tem 20 milhões de pobres e ser governada há 49 anos pelo MPLA.

Portugal consegue assim e mais uma vez não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.

Folha 8 com Lusa

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