“AFRICA BUDET NASHEY”, DIZ PUTIN

Os governos de São Tomé e Príncipe e da Rússia assinaram um acordo militar de grande amplitude que prevê, entre outros pontos, a deslocação de navios e aviões de guerra ao arquipélago. Por outro lado, o Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, está em Moscovo para falara de cooperação com Vladimir Putin. Também o general João Lourenço aceitou o convite de Vladimir Putin para participar, em Moscovo, a 9 de Maio de 2025, nas “comemorações da vitória sobre o fascismo”, na II Guerra Mundial. No meio, a CPLP continua ligada ao suporte básico de vida, aguardando-se a todo o momento a declaração de óbito.

O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, viaja para a Rússia, onde vai encontrar-se com o seu homólogo, Vladimir Putin. A visita realiza-se no âmbito das celebrações do Dia da Vitoria, a 9 de Maio, na capital russa. No encontro serão discutidos vários assuntos, nomeadamente a cooperação Rússia/Guiné-Bissau no domínio de exploração mineira e de hidrocarbonetos e defesa.

Enquanto o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, se entretém a brincar às reparações às suas antigas colónias, nos bastidores de São Petersburgo, detalham-se os últimos pormenores de cooperação militar entre Moscovo e a ex-colónia portuguesa de São Tomé e Príncipe. Quanto a esse elefante branco chamado Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mantém-se ligada (não se sabe por quanto mais tempo) ao suporte básico de vida, prevendo-se que o estado de coma resulta na sua morte.

Tiago André Lopes, especialista em Relações Internacionais, critica, em declarações à CNN Portugal, a aparente ineficácia da diplomacia portuguesa, prevendo que a Rússia está preparada para expandir a sua influência para outras ex-colónias portuguesas.

“Isto vai fragilizar ainda mais a relação entre Portugal e São Tomé e a Rússia vai beneficiar disto. Mas não deve ficar por aqui. As ex-colónias portuguesas são o próximo alvo da diplomacia Rússia”, defende o especialista. Em rigor, não são o próximo alvo, já lá estão.

O acordo militar, assinado em Abril e já implementado, abrange várias áreas, desde o treino militar conjunto até à presença de aviões e navios de guerra russos no arquipélago. O pacto é celebrado “por um período de tempo indefinido”.

José Filipe Pinto, outro especialista em Relações Internacionais, admite que Portugal pode estar isolado nas suas preocupações em relação a este acordo. O Ministério dos Negócios Estrangeiros não se pronunciou sobre o assunto quando contactado pelo mesmo canal.

“Portugal vai condenar, vai preocupar-se e querer mostrar que não faz sentido que um país lusófono tenha uma cooperação militar que São Tomé tenha uma relação privilegiada com um país que é um inimigo declarado da Europa. Mas Portugal vai estar muito só nessas queixas”, indicou o também professor universitário.

A relação entre São Tomé e Príncipe e a Rússia remonta ao período da guerra colonial, quando o arquipélago recebeu apoio de Moscovo. Apesar dos esforços recentes de Portugal para contrariar essa influência, oferecendo material militar ao país, a cooperação militar entre Portugal e São Tomé e Príncipe tem também sido longa, datando desde 1988.

Isidro de Morais Pereira, major-general, assinala que Portugal deve olhar para estes países “de forma mais criteriosa”, evitando que a Rússia capitalize em situações de fragilidade. O comentador destaca também a crescente influência russa em todo o continente africano, especialmente desde o início da guerra na Ucrânia.

A Rússia tem oferecido apoio a vários países africanos em troca de acesso a recursos naturais estratégicos, o que coloca as ex-colónias portuguesas na mira de Moscovo. Isidro de Morais Pereira alerta que este acordo pode comprometer a coesão da CPLP, colocando em causa o espírito de comunidade dentro da organização.

Esta cooperação militar entre São Tomé e Príncipe e a Rússia representa um desafio para Portugal, que tem utilizado a CPLP como uma ferramenta diplomática. A eficácia da diplomacia portuguesa é posta em causa, especialmente perante a crescente influência russa em África.

“É possível que o Kremlin queira expandir a sua influência em Moçambique. O país tem sérios problemas no Norte, na região de Cabo Delgado, e a Rússia pode prestar auxílio nesse sentido”, acrescenta ainda Tiago André Lopes, sublinhando que Portugal usa a CPLP como “arma diplomática”.

Os exercícios militares conjuntos e combinados da série FELINO constituem-se como um dos vectores fundamentais da Componente de Defesa, designadamente promovendo a interoperabilidade das Forças Armadas dos Estados membros da CPLP, através do treino para o seu emprego em operações de paz e de assistência humanitária, sob a égide da Organização das Nações Unidas.

Os exercícios FELINO têm, assim, como objectivo central a preparação de um Estado-Maior de uma Força de Tarefa Conjunta e Combinada (FTCC), no âmbito da CPLP, para atingir, manter e optimizar a capacidade de participar em missões de Apoio à Paz e de Assistência Humanitária, aos níveis operacional e táctico.

São executados com uma periodicidade anual, alternando a versão de Exercício na Carta (EC) com a de Forças no Terreno (FT). No ano em que se realize na modalidade EC, esta será planeada e executada com o mesmo cenário que irá ser aplicado no formato FT do ano seguinte.

Os Exercícios FELINO dispõem de normativo que regula a sua organização e funcionamento.

No EC, a acção ocorre por meio de rede de computadores, ao estilo “jogo de guerra”. Já no formato FT, as actividades desenrolam-se em campo, com tropas no terreno da nação hospedeira, que deverão cumprir o planeamento que foi elaborado pelo Estado-Maior Conjunto Combinado.

Velhos “amigos” das riquezas africanas

O regresso da presença russa a África está hoje claramente marcado pelo investimento, ou seja, venda de armas e envio de “conselheiros” ou mercenários, com Moscovo a competir com a Europa, EUA e China para o papel de principal parceiro do continente africano.

De acordo com um artigo da agência France-Presse, o destaque da crescente presença da Rússia em África surgiu no dia 30 de Julho de 2018, com o assassinato de três jornalistas russos na República Centro-Africana, que investigavam a presença do grupo militar (mercenários) Wagner no país.

Segundo o artigo, de Janeiro a Agosto de 2018, a Rússia teria enviado cinco oficiais militares e 170 instrutores civis – que alguns especialistas acreditam ser mercenários do grupo Wagner -, entregado armas ao exército nacional após uma isenção ao embargo da ONU e assegurado a segurança do Presidente centro-africano, Faustin-Archange Touadéra, cujo conselheiro de segurança era (claro!) de nacionalidade russa.

A entrega de armas aos Camarões para a luta contra o grupo ‘jihadista’ Boko Haram, as parcerias militares com a República Democrática do Congo (RD Congo), Burkina Faso, Uganda e Angola, as cooperações num programa de energia nuclear civil com o Sudão, na indústria mineira no Zimbabué ou no alumínio da Guiné, representam algumas das iniciativas de Moscovo nos últimos anos.

A Rússia tem também diversificado as suas parcerias africanas, expandindo as relações para além das nações com quem tem ligações históricas – como Argélia, Marrocos, Egipto e África do Sul – e procurou aliados na África subsaariana, onde estava “virtualmente ausente”, lê-se no artigo.

“África continua a ser uma das últimas prioridades na política externa da Rússia, mas a sua importância tem vindo a crescer”, de acordo com o historiador Dmitry Bondarenko, membro da Academia Russa de Ciências.

A URSS manteve, durante décadas, uma presença activa no continente. Agora, com outro nome, mantêm-se os objectivos: sacar o máximo e perder o mínimo. Um bom negócio, desde logo porque a carne para canhão é negra e as riquezas africanas são inesgotáveis.

A medida representava uma das armas na guerra ideológica contra o Ocidente, apoiando os movimentos de libertação africanos e, após a descolonização, enviava milhares de conselheiros militares, combatentes e material bélico para esses territórios.

Com a desintegração da URSS, as dificuldades económicas e as lutas internas na Rússia durante os anos 1990, Moscovo abandonou as suas posições em África. Face à falta de fundos, aumentou o número de embaixadas e consulados a encerrar, diminuíram o número de programas e as relações atenuaram.

Foi apenas no novo milénio que o Kremlin começou a reavivar as suas antigas redes e regressou gradualmente a África, procurando novos parceiros à medida que a ideologia era substituída por contratos e pela venda de armas. E, também, à medida em que os “velhos” comunistas (caso do MPLA) se rendiam às benesses do capitalismo, selvagem ou não.

Em 2006, o Presidente russo, Vladimir Putin, viajou até à Argélia, África do Sul e Marrocos para assinar contratos, algo que o seu sucessor, Dmitri Medvedev, estendeu a outros países – Egipto, Angola, Namíbia e Nigéria -, três anos mais tarde. Em Março de 2018, o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, visitou cinco países africanos.

Se a Rússia encontrar interesse económico, permite aos países africanos “ter mais um parceiro, o que significa outro canal de investimentos e desenvolvimento, e o apoio de um país poderoso no cenário internacional”, declarou o analista russo e antigo embaixador em vários países africanos, Evgeni Korendiassov, citado pela AFP.

A Rússia, que não tem um passado colonial em África, espera apresentar-se como uma alternativa para os países africanos face aos europeus, norte-americanos e chineses.

A AFP considera a República Centro-Africana um “excelente exemplo”, dado que este país nunca esteve perto da URSS durante a Guerra Fria e voltou-se para a Rússia para fortalecer as suas forças militares, com dificuldades em enfrentar os grupos armados.

“Desde 2014 e da anexação da Crimeia, a Rússia tem confrontado o Ocidente e declarado abertamente a sua vontade de se tornar novamente uma potência mundial. Não pode, portanto, ignorar uma região”, apontou Bondarenko. Segundo ele, Moscovo está interessado em África não por razões económicas, mas para “um avanço político”.

“Anteriormente, os países com quem o Ocidente não queria cooperar, como o Sudão ou o Zimbabué, só podiam recorrer à China. A Rússia passou a ser uma alternativa tangível”, acentuou, antes de concluir que “este não era o caso antes, e isso pode mudar significativamente a ordem geopolítica do continente”.

No dia 28 de Abril de 2022, Vladimir Putin falou ao telefone com o seu camarada João Lourenço, por iniciativa do Presidente angolano. Bons e velhos amigos serviam (na altura) exactamente para isso. Na altura admitia-se a possibilidade de o MPLA usar em Angola a estratégia russa na Ucrânia, alegando que a única maneira de se defender era “desnazificar” a UNITA… No entanto, Putin falhou. João Lourenço virou-se para Joe Biden.

Segundo a agência russa RIA Novosti, a pedido de João Lourenço, o Presidente Putin informou, na altura, “sobre as causas e objectivos da operação militar especial para proteger o Donbass e também fez avaliações fundamentais da situação das negociações com representantes ucranianos”.

A “satisfação com o nível de relações amistosas” entre Angola e Rússia “foi expressa por ambos os lados”, indicou a agência russa. “Por ambos os lados”, recorde-se.

“Os compromissos com o seu desenvolvimento, incluindo a cooperação das esferas comercial, económica, científica e técnica” foram igualmente assinalados na conversa, adiantava a agência de propaganda do regime russo.

Antes, a 3 de Março, Sergei Lavrov acusou os líderes ocidentais de terem planos para uma “verdadeira guerra” contra a Rússia, que só poderá ser nuclear. Eritreia, Bielorrússia e Coreia do Norte subscrevem sem rodeios. Angola e Moçambique também subscreveram mas de forma não formal, como o MPLA explicou em “off” ao chefe Putin. Entretanto, apesar de general formado, condecorado e formatado pelos russos, João Lourenço mandou (até ver…) o seu querido líder (Putin) dar uma volta ao bilhar grande.

“Se algumas pessoas estão a planear uma verdadeira guerra contra nós, e eu penso que estão, deveriam pensar cuidadosamente”, disse Lavrov. “Não deixaremos que ninguém nos desestabilize”, assegurou. Bem que poderia parafrasear Agostinho Neto e dizer que “não vamos perder tempo com julgamentos”.

Se calhar, porque a UNITA tinha, na altura, sobre este assunto uma posição diametralmente oposta à do MPLA, admitia-se que os sipaios do MPLA iriam utilizar na campanha eleitoral a tese de que UNITA era um partido neonazi. Não o fizeram com todas as letras, mas andaram lá perto. Mas, afinal, a UNITA também tinha razão nesta matéria da Rússia/Ucrânia, tal como viria a reconhecer João Lourenço.

Na altura, o embaixador norte-americano em Luanda, Tulinabo Salama Mushingi, afirmou que a posição assumida por Angola (MPLA) de não-condenação da invasão russa da Ucrânia não afectaria a relação com os Estados Unidos, garantindo que os dois países iriam “continuar a trabalhar juntos”.

Angola, disse Tulinabo Salama Mushingi, é uma das quatro parcerias estratégicas dos EUA em África e irá prosseguir dessa forma. “Para nós, um voto sobre este assunto não afecta a nossa relação, vamos continuar a trabalhar juntos”, afirmou.

Depois, Angola absteve-se na votação da Assembleia Geral da ONU que condenou a invasão da Ucrânia pela Federação Russa com 145 países a favor e cinco contra. No total, 35 países abstiveram-se, incluindo 17 africanos. Ao abster-se de condenar o agressor, ao contrário da UNITA, o MPLA assumiu a condenação do agredido. Só seria preocupante se Angola não fosse uma sólida democracia como é a Rússia, a Eritreia ou a Coreia do Norte…

“Sobre esta questão, todos nós podemos concordar com os factos quanto ao que aconteceu nesta região: um país atacou o outro, um país está a bombardear outro e a destruir o seu modo de vida. São factos. Mas quando chegamos ao momento do voto, cada país tem direito de decidir como votar. O que é claro é que a maioria dos países do mundo votaram a favor desta resolução e só cinco votaram contra, mas não vale a pena passar muito tempo a discutir como votou cada país”, sublinhou o diplomata norte-americano.

Tulinabo Salama Mishingi adiantou que o assunto tinha sido falado com a contraparte angolana: “Nós explicámos a nossa posição e Angola explicou a sua, é isso que fazemos. No que concordamos, vamos avançar; quando não concordamos vamos esperar e continuar a discutir”. Previa-se que até que o mundo livre conseguisse “transformar” Vladimir Putin de bestial em besta, o MPLA continuaria a considerá-lo bestial. Entretanto, João Lourenço percebeu que Putin estava muito perto de ser considerado uma besta e que, nessa qualidade, não poderia superar o valor da Oferta Pública de Compra (OPC) oferecido pelos EUA em relação a Angola.

Folha 8 com CNN e agências

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