A MARCELO SÓ FALTA CONDECORAR HITLER, PUTIN E NETANYAHU

O primeiro presidente da República depois do 25 de Abril, António de Spínola, foi condecorado (entre outros facínoras) por Marcelo Rebelo de Sousa no ano passado, sem que a Presidência da República tivesse divulgado o facto, noticia hoje o jornal “Público”.

Por Orlando Castro (*)

ASegundo o jornal, a condecoração póstuma de António de Spínola com o Grande Colar da Ordem da Liberdade, a mais alta insígnia da Liberdade, foi feita a 5 de Julho de 2023.

No mesmo dia, escreve o “Público”, foi igualmente condecorado com a mesma discrição o sucessor de Spínola no cargo de presidente da República, Francisco da Costa Gomes.

Marcelo Rebelo de Sousa condecorou todos os membros da Junta de Salvação Nacional, que, além de António de Spínola e Francisco da Costa Gomes, incluía o “almirante vermelho” Rosa Coutinho, o general Jaime Silvério Marques, Carlos Galvão de Melo, Diogo Neto. Todas estas personalidades foram condecoradas a 6 de Julho, com um grau inferior: o de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.

Vasco Lourenço, o presidente da Associação 25 de Abril, tinha proposto ao presidente da República apenas a condecoração de António de Spínola, Costa Gomes e Rosa Coutinho, mas Marcelo Rebelo de Sousa quis alargar a condecoração da Ordem da Liberdade aos restantes membros da Junta de Salvação Nacional – constituída no fim do dia 25 de Abril, depois de o golpe de Estado ter derrubado o Governo de Marcello Caetano.

O jornal escreve ainda que a opção de condecorar Spínola “de forma a que fosse quase impossível alguém saber” – é preciso investigar na página das Ordens Honoríficas Portuguesas para obter a informação – “pode ser interpretada como uma forma de o presidente evitar uma polémica pública”.

Lembra ainda que na sequência de uma notícia divulgada pelo Público em 2022 a indicar que o presidente tencionava condecorar todos os membros da Junta de Salvação Nacional, várias personalidades fizeram uma carta aberta em que defenderam que a condecoração de Spínola com a Ordem da Liberdade representaria “uma afronta”.

Entre as personalidades que assinavam a carta estavam, entre outros, Fernando Rosas, historiador e fundador do Bloco de Esquerda, Carlos Brito, ex-líder parlamentar do PCP, o jurista Domingos Lopes, o historiador Manuel Loft, a professora aposentada Maria do Rosário Gama, o fundador do Bloco de Esquerda Francisco Louçã.

A carta referia, nomeadamente, a criação por Spínola do movimento político Movimento Democrático pela Libertação de Portugal (MDLP), uma organização terrorista de extrema-direita a que pertenceram o actual vice-presidente da Assembleia da República Diogo Pacheco de Amorim e o comentador e advogado José Miguel Júdice.

O “Público” escreve ainda que a Presidência tem no ‘site’ várias notícias e fotografias com condecorações de Abril, a última com data de 16 de Maio de 2023. Num total de 20 personalidades ligadas ao 25 de Abril consta o nome de Vasco Gonçalves, ex-primeiro-ministro, tendo a sua condecoração sido recebida pelo neto.

Ao jornal, fonte da Presidência não explicou por que razão fez nota pública de algumas condecorações, mas de outras não, como a de Spínola, tendo apenas referido que “todos os condecorados constam do ‘site’ das Ordens Honoríficas”.

Mandam as regras do politicamente correcto, que no meu caso nunca se aplicam, que – como vão dizer, mesmo sem sentir, alguns dos políticos portugueses – se lamente a morte de qualquer cidadão, como foi o caso, em 2 de Junho de 2010, do “almirante vermelho”, Rosa Coutinho.

Continuo a pensar que dizer o que pensamos ser a verdade é o melhor predicado dos Homens de bem. E o que penso ser a verdade não me permite elogiar, nem sequer respeitar, uma espécie menor de homens que, quanto a mim, traiu muitos portugueses e desonrou a Pátria que dele fez um alto dirigente.

Recorde-se que Rosa Coutinho, tal como Otelo Saraiva de Carvalho, Costa Gomes, Almeida Santos, Vasco Gonçalves e muitos outros queria, em 1975, pôr uns milhares de portugueses (eu também lá estava) no Campo Pequeno.

Isso não me impede de reconhecer que muita desta gentalha nunca foi amaldiçoada pelos refugiados e retornados de África. Isso porque todos eles detestam estar em longas filas.

Ao contrário dos políticos socialistas, comunistas, de alguns sociais-democratas e democratas-cristãos, a minha memória de Rosa Coutinho e similares começou há muito, muito tempo.

Rosa Coutinho foi elogiado e agora até condecorado, às escondidas, por Marcelo Rebelo de Sousa, como se, de facto, o seu passado não contasse, como se a guerra civil em Angola nada tivesse a ver com as suas atitudes, como se a debandada de milhares e de milhares de portugueses e angolano-portugueses nada tivesse a ver com ele. Mas teve. Com ele e com muitos outros, também condecorados.

Marcelo Rebelo de Sousa certamente considera Rosa Coutinho um “militar distinto” e um “cidadão exemplar”.

Hoje, com a hipocrisia habitual, faz-se crer que a História de Portugal só começou a ser escrita no dia 25 de Abril de 1974. Se assim fosse, não haveria grandes dúvidas: Costa Gomes, Otelo Saraiva de Carvalho, Rosa Coutinho, Víctor Alves, Vítor Crespo, Melo Antunes, Vasco Gonçalves (entre muitos outros) seriam heróis.

Acontece, contudo, que a História (e a memória) desta Nação começa muito, muito antes. E, por isso, falar de “militar distinto” e “cidadão exemplar” é atentar contra essa mesma História.

Para além, é claro, de aviltar a memória de militares e civis, portugueses e angolanos, que com sangue e com a vida ajudaram a escrever as suas páginas.

(*) Com JN

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