«TRAIÇÃO» DA UNITA DÁ FORÇA AO MPLA

Na última sessão do Parlamento angolano, o MPLA, no poder há 47 anos, acusou os deputados da oposição de apenas aprovarem orçamentos para receber casas e carros. Em reacção, a UNITA diz que tudo não passa de uma grande mentira. Mentira ou não, o certo é que esse é um sentimento que se está a generalizar na sociedade que deu a vitória eleitoral à UNITA, em Agosto passado, mas que lhe foi retirada pelo próprio MPLA através das suas sucursais, CNE e Tribunal Constitucional.

Por Orlando Castro (*)

Escreve a DW que continuam a gerar polémica os pronunciamentos do deputado Agostinho Van-Dúnem, do grupo parlamentar do MPLA, que acusou a UNITA de estar apenas preocupada com as suas benesses.

“O único orçamento que vocês aprovam – é bom que se diga isso ao povo angolano – o único orçamento que a oposição aprova é o orçamento interno da Assembleia Nacional. E sabem porquê? É o orçamento que paga salários é o orçamento que dá carro, é o orçamento que dá casa. Este é o único orçamento. É o único orçamento”, declarou.

O orçamento da Assembleia Nacional também integra o Orçamento Geral do Estado. Tanto para 2022 como para 2023 foram projectadas despesas correntes da Assembleia na ordem dos 39 mil milhões de kwanzas, o equivalente a mais de 71 milhões de euros.

Para a UNITA, os pronunciamentos do deputado do MPLA não passam de demagogia. “Não há, nunca houve e penso que nunca haverá um Orçamento Geral do Estado em que dentro dele haja um orçamento da Assembleia Nacional a oferecer carros e casas aos deputados. Isso é mentira”, diz Mihaela Weba, deputada do grupo parlamentar da UNITA.

“Desde a primeira legislatura até agora, não há um único deputado da UNITA a que tenha sido oferecida uma casa”, sublinha.

A UNITA disse ter votado contra o OGE pelo que chamou de “absurdo de autorizações exageradas ao titular do poder executivo, configurando um risco para a gestão eficiente e eficaz das finanças públicas”. Queixou-se ainda que não está prevista no orçamento a “institucionalização efectiva das autarquias em todos os municípios”.

Em resposta às palavras do deputado do MPLA, Mihaela Weba deixa ainda um esclarecimento: “Todo o mundo sabe que os carros protocolares e as viaturas de apoio às residências dos senhores deputados, estão em nome da Assembleia Nacional.”

“Qualquer polícia que nos mandar parar sabe que vai encontrar uma declaração em como aquele bem é da Assembleia e foi adstrito ao utilizador deputado X. Portanto, também não é verdade que o orçamento da Assembleia Nacional atribui gratuitamente a titularidade para os deputados da UNITA”, explica a deputada.

No dia 12 de Setembro de 2022, a UNITA disse que ponderava tomar posse no Parlamento (do MPLA), considerando que a sua posição definitiva teria em vista a salvaguarda da paz e a consolidação da democracia, enquanto outros partidos na oposição se manifestam divididos.

“Salvaguarda da paz e consolidação da democracia”, salvaguardando ao mesmo tempo as suas mordomias e esquecendo os milhões de “contratados” que continuarão a ter de ir para as roças do MPLA?

Segundo Marcial Dachala, porta-voz da UNITA, maior partido na oposição que conquistou (quase parece uma benesse do vencedor, o MPLA) 90 assentos no Parlamento, nas eleições gerais de 24 de Agosto, o partido terá avaliado todos os cenários, não descartando, no entanto, a posse, como veio – é claro! – a acontecer.

“Estamos a conversar sobre todas essas questões, sobre os vários cenários possíveis e é uma dicotomia entre tomar (posse) ou não. A discussão é em torno dessas duas abordagens”, afirmou Marcial Dachala.

O porta-voz, eleito deputado para a nova legislatura, garantiu também que o principal partido da oposição (que o MPLA continua a permitir que, como figura decorativa, exista na sua “democracia”) iria tomar uma posição definitiva tendo em conta o seu contributo “para a paz e também para a consolidação do Estado Democrático e de Direito”.

Pelos vistos, ganhar eleições, ser roubado, aceitar que o ladrão seja “vencedor” é um contributo para a consolidação de um Estado de Direito Democrático… Quando Jonas Savimbi morreu, o Povo disse: “Sekulu wafa, kalye wendi k’ondalatu! v’ukanoli o café k’imbo lyamale!”. Ou seja, morreu o Mais velho, agora ireis apanhar café em terras do norte como contratados, ou ser escravos na terra que ajudaram a, supostamente, libertar.

Na altura, também o Partido de Renovação Nacional (PRS) ainda não decidira sobre a posse dos deputados. “Não se sabe ainda, esta será a decisão do partido. O partido ainda não decidiu nesse aspecto (posse dos deputados), também não está contente o PRS, porque daquilo que aconteceu o PRS não foi beneficiado pelos resultados, mas sim prejudicado”, disse o presidente do partido, Benedito Daniel.

“Não sei. A FNLA tem estruturas, há certas coisas que dependem apenas do presidente que decide, tem que ouvir os órgãos e vamos ouvir os órgãos, tão logo recebamos a comunicação do parlamento”, realçou o presidente do partido, Nimi a Simbi.

Por seu lado, o mandatário do estreante Partido Humanista de Angola (PHA), liderado por Bela Malaquias, disse que o seu partido aguarda apenas o dia da posse, garantindo que os seus dois deputados terão uma “estreia em grande” e que deverão representar condignamente os eleitores.

“Será uma estreia em grande, como sabe somos um partido novo e vamos fazer de tudo para que as nossas intervenções sejam sempre no sentido de representar condignamente todo o povo angolano”, assegurou Simba Lwalwa.

Desde 2002 o Galo Negro deixou de voar. O visgo do MPLA mantém-no colado às bissapas. Os angolanos de segunda, que não os seus dirigentes, estão apanhar café às ordens dos novos senhores coloniais. Em 2022 o Galo voou mas, de forma voluntária, aceitou voltar para o “galinheiro” e continuar a receber milho do seu suposto proprietário, o MPLA.

Com a chegada à Presidência (sem a obrigatória autorização do MPLA) de Adalberto da Costa Júnior, a UNITA resolveu o problema do visgo. Calculou-se então que o Galo iria mesmo voar. Ledo engano. O MPLA deixou-o voar um bocado mas tinha-o preso a um fio.

De uma forma geral a memória dos angolanos, neste caso, é curta. Como aqui foi escrito várias vezes, todos sabíamos que se não fosse o MPLA a cortar as asas ao Galo Negro, alguém da própria UNITA se encarregaria de o fazer. E assim aconteceu com a desculpa de que, mesmo sem asas, o seu contributo é decisivo para “salvaguardar a paz e consolidar a democracia e o Estado de Direito”.

Apesar de todas as enormes aldrabices do MPLA, as eleições acabam sempre por derrotar em todas as frentes não só a estratégia mas também a sua execução. E o que faz a UNITA? Continua a aceitar que o seu Povo (todos os que ano passado lhe deram a vitória roubada) continue a ser escravizado.

As hecatombes eleitorais, sociais e políticas mostram que a UNITA não estava, como continua a não estar, preparada para ser governo e quer apenas assegurar alguns tachos e continuar a ser o primeiro dos últimos. Se assim não é, Adalberto da Costa Júnior teve uma oportunidade soberana de mostrar que quem manda na UNITA não é o MPLA.

O sacrificado povo angolano volta a não ver na UNITA a alternativa válida que durante décadas lhe foi prometida, entre muitos outros, por Jonas Savimbi, António Dembo, Paulo Lukamba Gato e Samuel Chiwale.

Terá sido para ver a UNITA a comer e calar, a ser submissa, a ser forte com os fracos e fraquinha com os fortes, que Jonas Savimbi lutou e morreu? Não. Não foi. E é pena que os seus ensinamentos, tal como os seus muitos erros, de nada tenham servido aos que, sem saber como, herdaram o partido e a ribalta da elite angolana. É pena que os que sempre tiveram a barriga cheia nada saibam, nem queiram saber, dos que militaram na fome, mas que se alimentaram com o orgulho de ter ao peito o Galo Negro.

Se calhar também é pena que todos aqueles que viram na mandioca um manjar dos deuses estejam, como parece, rendidos à lagosta dos lugares de elite de Luanda.

Não creio que Homens como Adalberto da Costa Júnior, Paulo Lukamba Gato, Kamalata Numa e muitos, muitos, outros, tenham deitado a toalha da luta política ao tapete. Também não creio que aceitem trair um povo que neles acreditou e que à UNITA deu o que tinha e o que não tinha. No entanto, na hora H, os dirigentes da UNITA não foram dignos do Povo. Traíram-no ao aceitarem ser figurantes de luxo num Parlamento dominado pelo MPLA que, ainda, por cima, vos roubou na secretaria a vitória.

E é esse povo que, de barriga vazia, sem assistência médica, sem casas, sem escolas, reclama por justiça e que a vê cada vez mais longe. E é esse povo que, como dizia o arcebispo do Huambo, D. José de Queirós Alves, não tem força mas tem razão.

(*) Com DW

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