O activista angolano Gilson da Silva Moreira “Tanaice Neutro”, há 18 dias em liberdade, disse hoje que só vai pedir desculpas públicas ao Presidente angolano, João Lourenço, caso este peça desculpas aos angolanos sobre “incumprimentos das promessas eleitorais”. Ou seja, nunca pedirá desculpas…
Hoje, “Tanaice Neutro” afirmou que “é o Presidente da República (João Loureço) que tem de pedir desculpas aos angolanos porque ele não cumpriu com as suas palavras, prometeu 500.000 empregos e não vimos, prometeu transformar Benguela em Califórnia e não aconteceu, então é ele que tem de pedir desculpas e não eu”.
Falando em conferência de imprensa, em Luanda, sobre as circunstâncias da sua detenção, prisão e a sua libertação, o activista reafirmou que, tal como diz numa das suas músicas gravadas no pós prisão, não vai pedir desculpas ao Presidente angolano.
A necessidade de um pedido de desculpas públicas ao Presidente angolano, João Lourenço, foi apresentada em 12 Outubro de 2022, pelo Tribunal da Comarca de Luanda, após “Tanaice” ter sido condenado a uma pena de prisão suspensa de um ano e três meses pela prática do crime ao ultraje ao Estado (ou seja, ao MPLA), seus símbolos e órgãos.
Segundo o tribunal, ficou provado que o activista, de 36 anos, cometeu o crime de ultraje contra o Estado, seus símbolos e órgãos por ter chamado o Presidente angolano de “bandido e palhaço” e ter atribuído a mesma denominação aos efectivos da polícia nacional (do MPLA), nos vídeos que o activista gravou e partilhou nas redes sociais.
Como se sabe, dizer a verdade é um ultraje contra aqueles que, por exemplo, estão no Poder há 48 anos, vivem de forma nababesca num país com 20 milhões de pobres e no qual os escravos continuam a aprender (sem êxito) a viver sem… comer.
Hoje, o activista, em liberdade desde 23 de Junho passado, recusou fazer qualquer pedido de desculpas ao chefe de Estado angolano, garantindo que vai “continuar a criticar as injustiças” e a “elogiar as boas acções dos governantes”.
“Tanaice”, que lamentou as peripécias por que passou na prisão, onde esteve durante um ano e seis meses, agradeceu a onda de solidariedade do povo angolano, da Igreja Católica, activistas, Amnistia Internacional, jornalistas (alguns).
Disse que foi apenas solto por “ordens superiores”, mas que sem a solidariedade da sociedade ainda estaria encarcerado.
“O povo angolano é solidário, vi a força, as manifestações a favor da minha libertação e vim aqui também para agradecer”, salientou, recusando, ao mesmo tempo, o título de herói.
“O que eu faço é para o bem da nação, fizemos uma luta não para sermos heróis, todos os que fazem uma luta para o país são heróis, todos têm um bem que deve ser despertado”, frisou.
Considerou que neste momento os angolanos vivem em “pobreza extrema” e pediu a conjugação de esforços dos cidadãos para “ajudar o país a sair desta situação”.
“Devemos denunciar as injustiças e elogiar as coisas certas, vamos continuar na mesma luta, todos devemos lutar para o país ter um novo rumo. Neste momento as coisas não estão fáceis e só venceremos se estivermos unidos”, observou.
O activista criticou também as actuais condições das penitenciárias angolanas, particularmente o Hospital Prisão São Paulo e a Comarca de Viana onde esteve, referindo ter registado casos de “tortura física e psicológica, mortes, péssimas condições de alojamento e de alimentação dos presos”.
Angola “tem as piores prisões do mundo”, disse “Tanaice Neutro” dando conta ainda ter sido visitado, antes e depois do julgamento, pelo ministro do Interior angolano, Eugénio Laborinho, alegando que o governante lhe terá apresentado “propostas para deixar o activismo”.
Recorde-se que no passado dia 20 de Abril, numa carta aberta ao ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Marcy Cláudio Lopes, a Amnistia Internacional manifestou a sua “preocupação pela detenção arbitrária do activista”, relatando os problemas de saúde de que o activista sofre e alertando que “a negação de acesso a cuidados médicos adequados pode equivaler a tortura ou outros maus-tratos”.
A organização não-governamental (ONG) de defesa dos direitos humanos apelou para que “libertem imediatamente ‘Tanaice Neutro’, tal como ordenado por um juiz, e assegurem que a sua condenação é anulada, uma vez que decorre unicamente do exercício do seu direito à liberdade de expressão”. Direito este que só é válido se for a favor do MPLA.
Num comunicado, onde expõe a carta, a AI apelava também à população para “tomar medidas”, sugerindo: “Escreva um apelo com as suas próprias palavras ou utilize esta carta modelo para o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Marcy Cláudio Lopes”. A medida sugerida era uma ideia infantil. Desde logo porque as cartas nunca chegarão ao destinatário e servirão apenas para o SIC (Serviço de Investigação Criminal, do MPLA) listar os autores e pô-los em rota de colisão com os “rebuçados e chocolates” do ministro do Interior, Eugénio Laborinho.
“‘Tanaice Neutro’ está em grande sofrimento físico e mental e as autoridades prisionais não permitem que tenha os cuidados médicos necessários”, afirmou a Amnistia Internacional no comunicado, defendendo que “as autoridades angolanas devem libertá-lo imediatamente e incondicionalmente”.
Os vídeos, por causa pelos quais foi detido, foram publicados em meios de comunicação social e expressam “frustração com a situação em Angola, incluindo os níveis de pobreza (20 milhões de pobres), má governação, corrupção, e repressão” e nestes “apelou aos angolanos para que defendessem os seus direitos”, descreveu a ONG.
“Foi detido em prisão preventiva durante cerca de seis meses, ao contrário da lei que estabelece um período de até 90 dias. A 22 de Abril de 2022, foi inicialmente acusado pelo Tribunal de Primeira Instância de quatro delitos (ultraje, associação criminosa, resistência contra funcionário públicos e rebelião) da qual três acusações foram posteriormente abandonadas por serem infundadas”, aponta a nota.
A AI concluía a nota dizendo que “estava preocupada com o número crescente de activistas e defensores dos direitos humanos que estão a ser alvo das autoridades angolanas por expressarem livremente as suas opiniões, incluindo ‘online’, o que constitui uma clara violação do seu direito à liberdade de expressão”.
Folha 8 com Lusa